3° Neurônio | cinema

Lupita Tovar, o brilho de uma estrela mexicana | Diego Nunes

Lupita Tovar

No dia 27 de julho a atriz mexicana Lupita Tovar completou 106 anos de vida. Nascida em Matías Romero, Oxaca, em 1910, Guadalupe Natalia Tovar é uma atriz hoje pouco lembrada, mas de grande importância para a história do cinema, em especial para o público latino.

 

 

Filha mais velha de nove irmãos, a pequena Gadalupe (Lupita, no diminutivo espanhol) cresceu em uma família muito pobre, durante a Revolução Mexicana. Tinha apenas 7 anos quando mudou-se com a família para a Cidade do México, onde seu pai arrumou um emprego na construção de estradas de ferro.

Em 1926 a Fox Film Corporation (o estúdio não havia se fundido com o TwentiethCentury Pictures) promoveu um concurso para revelar astros latinos em diversos países do mundo. Com muita publicidade foram iniciadas as buscas por novos atores no México, Brasil, Espanha, Itália, Chile e Argentina. Homens e mulheres que sonhavam com um contrato em Hollywood se inscreveram em peso para fazerem os testes, realizados por nomes importantes da indústria cinematográfica norte-americana.

O responsável pelos testes no Brasil foi o cinegrafista Paul Ivano, que havia sido diretor de fotografia de filmes como Salomé (Idem, 1922), com Alla Nazimova e BenHur (Ben-Hur: A TaleoftheChrist, 1925), com Ramon Novarro. No México foi Robert Flaherty, diretor do documentário Nanook do Norte (Nanookofthe North, 1922), quem realizou os testes.

Ao término do concurso foram escolhidos os brasileiros Lia Torá e Olympio Guilherme como representantes do Brasil, e Lupita Tovar foi a vencedora mexicana. Não houve um vencedor masculino no México, e ninguém foi escolhido no Chile ou Argentina.

Na verdade, o concurso era uma grande fraude publicitária, cujo maior intuito era promover o nome do estúdio nos países onde ele fora realizado. Todos os vencedores, apesar de contratados, ficaram relegados a pequenos papéis e figurações não creditadas. Olympio Guilherme chegou a mendigar pelas ruas de Nova York, com vergonha de contar para sua família a sua real situação. Pior sorte teve Antonio Cumellas, o vencedor espanhol, que teve o contrato rescindido assim que desembarcou do navio em Nova York. Sem trabalho, foi deportado para seu país, retornando em meio à guerra civil espanhola, que lhe tirou a vida em 1933 (com apenas 25 anos).

 

Antônio Cumellas

 

Lupita ficou morando com a avó, uma imigrante irlandesa que morava em Los Angeles, à espera dos papéis que nunca vinham. Lia Torá, a vencedora brasileira, era uma mulher de posses, casada com o Visconde Morais, e não aguentando mais a espera pela grande chance e envergonhada com uma carreira considerada uma piada em seu país, escreveu junto com o marido o roteiro de Mulher Enigma (The VeiledWoman, 1929), e ofereceu-o para Fox, que o recusou.

Julio de Morais, o marido de Lia, então perguntou quanto custava produzir um filme e disse que pagava todas as despesas, desde que sua esposa fosse a protagonista. Sem ter nada a perder, o estúdio aceitou a proposta.

Foi em Mulher Enigma que Lupita Tovar teve sua primeira oportunidade, sendo o primeiro filme em que ela foi creditada (embora tivesse feito figurações em outros filmes). Também foi o primeiro filme norte-americano em que atuou o húngaro BelaLugosi (que anos mais tarde se tornaria o Drácula mais famoso do cinema).

 

Lupita em Mulher Enigma

 


Bela Lugosi e Lia Torá em Mulher Enigma

 

Mas Mulher Enigma foi um fracasso de bilheterias. O filme ainda era mudo, no auge da transição do cinema falado, e ninguém mais queria ver filmes silenciosos. Além disto, Lia e Julio nada entendiam de distribuição, e assinaram um contrato que lhes obrigava a pagar todas as despesas, mas não obrigava o estúdio a distribuí-lo ou fazer publicidade do mesmo. Apenas no Brasil, por causa da atriz patrícia, que o filme teve alguma repercussão, ganhando até uma valsa homônima de J. Harrison e Olegário Mariano, gravada por Francisco Alves. Infelizmente, o descaso com o filme fez com que ele hoje se encontre perdido.

 

Francisco Alves canta Mulher Enigma

 

Lupita continuou a fazer pequenos papéis sem grande destaque, até que foi chamada para estrelar a versão espanhola de Drácula (Dracula, 1931). Com a chegada do cinema falado, Hollywood não conseguia vender seus filmes falados em inglês para diversos países do mundo. Sem ainda ter descoberto o processo de dublagem ou legendagem, a solução que encontrou para não perder mercado foi produzir o mesmo filme, com atores diferentes, falando diversos idiomas. Assim, foram feitas versões em russo, espanhol, chinês, polonês e até inglês britânico para agradar os ingleses que se recusavam a ver filmes com sotaque americano. Também foram feitos, poucos, filmes falados em português.

Geralmente as versões eram produções menores, baratas, com atores desconhecidos, e não agradavam muito ao público, que queria ver as estrelas que já conheciam, e não atores desconhecidos e de pouco estrelato. Com o desenvolvimento de novas tecnologias, esta prática foi abandonada.

O Drácula mexicano, porém, é uma produção que se sobressaiu. O produtor Paul Kohner convenceu Carl Laemmle, o dono do estúdio, a deixar a equipe da versão latina usar os mesmos cenários e equipamentos da produção original. Assim, Bela Lugosi durante o dia vestia a capa de Drácula, e a noite, a mesma era usada pelo espanhol Carlos Vilarrías.Lupita interpretava o papel originalmente feito por substituía Helen Chandler, a mocinha da obra. Além disto, o diretor da versão latina George Melford era um diretor muito mais talentoso que TodBrowing, que dirigiu a versão oficial. Muitos críticos hoje afirmam que o Drácula mexicano é uma versão melhor do que o original.

 

Carlos Vilarrías e Lupita em Drácula

 

Em 1932 Lupita casou-se com o diretor Paul Kohner, que havia lhe dado a oportunidade de protagonizar Drácula. Ficaram casados até 1988, quando ele faleceu.

 

Paul Kohner e Lupita

 

Foi em 1932 também que ela estrelou Santa (Idem, 1932) o primeiro filme falado realizado no México. Baseado em um livro muito famoso, contava a história de uma menina inocente que é seduzida e abandonada por um soldado. Expulsa de casa pela desonra, acaba se prostituindo pelas ruas da cidade. O filme fez tanto sucesso na época, que Lupita passou a estampar um selo emitido pelo governo mexicano.

 

Cartaz de Santa

 

A atriz passou a se revezar entre produções mexicanas e americanas. Sendo estrela em seu país, mas ainda pouco aproveitada em filmes americanos. Cansada de esperar o grande papel que nunca vinha, Lupita Tovar abandonou a carreira na década de 40, passando a se dedicar aos filhos e a família.

 

 

Seus filhos também seguiram carreira no cinema. Susan Kohner, a filha mais velha, concorreu ao Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo filme Imitação da Vida (Imitationof Life, 1959). Por este mesmo filme, levou o Globo de Ouro na mesma categoria (ela havia ganho o Globo de Ouro de atriz revelação no ano anterior). Já Pancho Kohner Jr. foi produtor de filmes como Desejo de Matar 4 – Operação Crackdown (DeathWish4: TheCrackdow, 1987), protagonizado por Charles Bronson.Seus netos Chris e Paul Weitz são diretores de filmes como American Pie: A Primeira Vez é Inesquecível (American Pie, 1999) e Um Grande Garoto (About a Boy, 2002).

 

Juanita Moore e Susan Kohner em Imitação da Vida

 

Em 2006 a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas promoveu uma festa chamada “Uma Saudação a Lupita Tovar” e lhe conferiu um diploma por seu conjunto de obra (ato bastante criticado por alguns, que acharam que a atriz seria merecedora de um Oscar especial e não apenas um diploma). Em 2011 seu filho escreveu o livro Lupita Tovar – The SweetheartOf México.

 

Durante a homenagem em 2006

 

Lupita, Pancho e Susan em 2006

 

Capa do livro

 

Lupita Tovar, uma das últimas atrizes da era do cinema mudo, vive com o filho Pancho em Los Angeles, onde comemorou seus 106 anos de vida.

 

Atualmente, autografando o cartaz do filme Fanfarronadas (The Invader, 1936)

 

Assista a vídeo com homenagem aos 105 anos de Lupita Tovar:

 

Diego Nunes, formado em Rádio e TV pela Universidade Metodista de São Paulo, é pesquisador da memória cultural e artística, e sua paixão é o cinema. Além disso, atua como diretor cultural da Pró-TV, Museu da TV Brasileira, e no departamento de arquivo da Rede Record de Televisão.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade