Abílio Alves dos Santos (PTB) não será mais candidato a vereador. O Seguinte: visitou o ex-prefeito e ex-deputado e conta como foram as duas horas de uma agradável conversa que passeou pelo presente e o passado da aldeia
– E aí seu Abílio, o senhor será candidato a vereador?
– Não, meu gurizinho. Vou cuidar da saúde.
A ligação rápida na noite de quarta-feira, além de confirmar informações já colhidas pelo Seguinte:, serviu para marcar uma entrevista para a tarde da quinta, na cobertura no Centro onde, após mais de 70 anos vivendo em Morungava, descansa o ex-vice-prefeito de Ely Correa, ex-prefeito e ex-deputado estadual por três mandatos Abílio Alves dos Santos.
Na portaria, em elegantes cabelos brancos e calçando botas altas, Bia Padilha nos recebeu com fulminantes olhos azuis.
– Por que vocês querem entrevistar o tio Abílio? Ele não será candidato – perguntou, usando a expressão “tio”, com a qual se dirige ao homem que blinda há mais de duas décadas, como ex-secretária, ex-chefe de gabinete e amiga mais íntima da família.
O receio de Bia tinha um olho no passado, nas relações conturbadas, e até tragicômicas, de Abílio com a imprensa. E, também, uma preocupação com o presente. Tinha sido difícil para a família convencê-lo a não concorrer este ano, o que poderia atrapalhar a recuperação de problemas de saúde que o levaram a se submeter a uma cirurgia em janeiro.
– O Abílio é um personagem da história da cidade. Mesmo não concorrendo, é sempre uma boa entrevista – explicamos, com diferentes palavras, eu e Roberto Gomes de Gomes.
Baixando a guarda com a promessa de que não ‘pilharíamos’ Abílio para concorrer, Bia nos guiou para atrapalhar a sesta do ‘tio’.
– Querem o chá da bruxa? – sorriu, trazendo as xícaras com maçanilha e malva, a mulher que se acostumou a dizer “não” por Abílio.
– E então meus gurizinhos, e o novo jornal? – revelou-se Abílio, sorridente, olhos vívidos, a fala apressada de sempre e usando o já característico tratamento de “gurizinho”, que repetiu por mais vezes nas duas horas as quais falamos sobre a política da Gravataí de hoje e de a.GM.
– Fiz 20 dias de campanha. Saía de manhã e voltava de noite. Peguei frio, me resfriei e uma pontada me derrubou. Aí a família veio me pedir para não concorrer. Aceitei: vou cuidar um pouco da saúde – confirmou aquele que, mesmo aos 76 anos, era a grande esperança do PTB como puxador de votos para a eleição dele e de outros vereadores.
– Na última elegemos um (Paulinho da Farmácia) e ficaram faltando 20 votos para outro (Vail Correa) – lembrou, como um Getúlio Vargas dando entrevista na estância de São Borja, informando que não vai apoiar ninguém em especial para a Câmara.
– Meu voto? Não conto – despistou, começando a analisar a eleição deste ano e a fazer um exercício de memória sobre momentos da política da aldeia.
– O Marco será prefeito de novo. Tem estrutura e as ações do governo para mostrar. Agora ele botou fé – disse, contando que Marco Alba (PMDB) foi visitá-lo nesta segunda.
– O Bordignon também é forte, se puder concorrer. Ele não se entrega, né? – disse, evocando as duas impugnações eleitorais do ex-prefeito Daniel Bordignon (PDT), de quem lembrou quase ter sido vice na campanha de 2012 pela Prefeitura.
Como acontece sempre que se reúnem pessoas que gostam da política, brincamos de calcular o número de vereadores que serão eleitos pelos partidos. Chegamos a um consenso de 11 a 12 vereadores eleitos na base de apoio do atual prefeito.
– É, se for assim, Marco será prefeito nomeado. Quando me elegi com 60% dos votos, minha base de apoio teve 13 eleitos em 21 vereadores – analisou, coçando o queixo.
– Ele é durão, mas é político. Sabe fazer as coisas. Estou com ele nessa. Pode escrever aí – sentenciou, enquanto sorvia por um canudinho o suco de laranja e recordava a amizade entre Marco e seu falecido filho, Vânius.
– O Vaninho teria hoje 57 anos – lastimou, olhando para o ponto fixo das recordações daquela que foi a maior dor de sua vida, quando em 87 um acidente automobilístico, na estrada que carrega hoje o nome do primogênito, vitimou o jovem de 33 anos.
Abílio rememorou que a primeira vez de Marco na política foi como secretário de seu governo.
– É cria minha. Ele e o Chico Pinho – sorriu, citando também o ex-vereador por cinco mandatos, ex-deputado estadual por um ano e vice-prefeito até 31 de dezembro, Francisco Pinho (PSDB).
E, voltando à época em foi vice-prefeito de Ely Correa, contou uma sobre a primeira campanha de Marco para vereador, em 82.
– Ele entrou triste no meu gabinete e disse: “padrinho, não tenho um cruzeiro”. Fiz um cheque, não era muito, mas ele saiu louco de faceiro.
Marco, ao lado de Vaninho, Jair Dilarez e Maurício Barcellos, se tornaram depois os “menudos” do governo Abílio. Eram até há pouco adolescentes, como os integrantes do grupo portorriquenho que arrastava multidões a estádios no início dos anos 80.
– Tudo maloqueiro – divertiu-se.
– De um lado eles, de outro os mais velhos, os casca-grossa – riu, falando do ex-prefeito e ex-deputado federal Edir Oliveira e do irmão, Amilton.
– O Marco era um molecão, mas muito sério e de confiança. Foi um bom secretário de Indústria e Comércio.
– Uma vez ele me procurou e disse: “padrinho, estão me oferecendo metade do valor caso eu perdoe dívidas de impostos, mas isso não me interessa”. Eu achei nota dez.
– Ele não é de trapaça. Teimoso, sim – gargalhou.
Como sempre faz para atenuar recordações de processos que respondeu ou eventuais críticas a seu governo, que chama de “social”, Abílio atentou para as diferenças entre as formas de fazer política no passado e hoje em dia.
– Mudou muito! O prefeito podia dar terreno, casa, telha, óculos, dente… Hoje se fizer isso vai preso.
– Mas se tinha pouco dinheiro também. A gente devia para o hospital (Dom João Becker) e eu ligava para a irmã Isabel e apelava: “pelo amor de Deus, precisamos internar essas pessoas carentes” – contou, entre sorrisos, calculando atender à época 40 pessoas por dia na Prefeitura, e outra dezena quando chegava à casa da Morungava.
– Muita gente pedia comida. Não havia programas federais para ajudar aos pobres. Uma vez fiz um Natal da Criança Pobre para 18 mil pessoas.
Na sala de troféus da memória, Abílio guarda com carinho a eleição como prefeito em 82.
– Não perdi em nenhuma urna. Fiz mais de 60% dos votos.
– Teve um debate no Dom Feliciano e eram todos contra mim. Recebi mais votos que todos juntos – disse, orgulhoso.
Seu vice era Laerte, filho do ex-prefeito e primeiro deputado eleito de Gravataí, Dorival de Oliveira, seu padrinho político, com quem quatro anos depois rompeu e, mesmo convidado pelo governador Pedro Simon, não pode acompanhar o velório.
No 84 em que um acidente, em meio ao segundo mandato, tirou a vida do maior líder político da aldeia, Abílio recém tinha entrado em guerra com “Os Oliveiras”.
– Sempre fui muito impulsivo – conta, ao começarmos a desvendar a maldição que, a partir dali, assombrou prefeitos e seus vices em Gravataí, com relações frias, conturbadas ou rompimentos, de José Mota e Loreny Bittencourt, e Edir Oliveira e Paulo Fink, a Daniel Bordignon com Miki Breier e depois Sérgio Stasinski, até, agora, Marco e Pinho.
Pulamos o governo Rita Sanco-Cristiano Kingeski por ter sido cassado em meio ao mandato.
– Ela não merecia, mas a política é assim… – refletiu, ainda nos inspirando o tema ‘intrigas, traições e arrependimentos’ na política.
É que com Edir, Abílio viveu uma história célebre, onde teria renunciado sem precisar à candidatura a prefeito.
– Levaram os papéis para eu assinar, dizendo que não havia mais prazo para recorrer de uma impugnação. Depois fiquei sabendo que poderia ter concorrido. Eu teria sido o prefeito – resumiu, sem querer entrar em mais detalhes, o 1992 onde foi o principal cabo eleitoral da eleição do “Oliveira” para prefeito, na campanha “Abílio é Edir, Edir é Abílio”.
– Não guardo mágoas. Sabe-se-lá o que seria de mim se concorresse. Sou muito cristão. É deixar correr as águas – resignou-se, citando Provérbios 17,14, o ‘bombeiro’ do posto de gasolina do pai, que em 77, próximo de completar 40 anos, dividiu a família ao aceitar o convite para entrar na política.
– O pai (Almiro), que tinha sido vereador naquela época em que eles não recebiam salários, não queria. A mãe (Dalva) gostou da ideia. Acho que o pai tinha razão, né? – sorriu, lembrando a noite em que apareceram pra lá do Morro Itacolomi o seu Dorival e Pedro Simon.
– Eu tinha um Galaxy, peguei a família e fugi para o Paraguai. Quando voltei no domingo, tinham adiado a convenção porque não tinham me achado. Vi que ali estavam mais espertos que eu – contou, divertindo-se, o filho de Morungava que não conseguiu escapar mais da política pela qual se apaixonou.
– Falar de política sempre faz bem para ele – interviu Nara, que concorreu a prefeita em 96, acariciando os cabelos brancos do companheiro há 25 anos, com quem vive ao lado da filha Fernanda e da cadelinha Luna, numa família que é completada por Lisiani, as netas Paloma e Cássia e o genro Laone Pinedo, que é secretário da Saúde do governo Marco.
– Na próxima eleição vou estar com 79, quem sabe não concorro para brincar um pouco? – despediu-se a lenda viva da política da aldeia.
Abílio, ‘o pai dos pobres’, como diziam.
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