3° Neurônio | crônica

O futuro com o triunfo do Escola Sem Partido | Paulo Cândido

Os três macacos

Esta crônica, fábula de rara inteligência e finíssima ironia, foi originalmente publicada no Diário Catarinense, onde o autor colabora. Pelo relevante serviço ao comentar a temível ameaça e a absurda realidade que cercam a escola no Brasil, teve ampla repercussão nacional. O Seguinte acha que quantomais divulgação, melhor. Ao autor, nossas palmas e gracias!

 

– Bom dia, professor, aqui é Luíza, do Departamento de Desideologização de Material Didático da editora.

– Bom dia, Luíza. Em que posso ajudar?

– É sobre algumas modificações que precisamos que sejam feitas no seu livro.

– Mas eu sou professor de matemática, filha…

– Sim, mas tem uns problemas.

– Meu livro é para o ensino fundamental…

– Então. O seu caso é simples, o senhor vai ver.

– Fale…

– Logo no início, nos exercícios de adição. Tem o exercício 6 na página 23, “João não conseguia dormir então começou a contar os carneirinhos que, na sua imaginação, pulavam uma cerca”.

– E qual o problema?

– O problema é que os carneirinhos pulando a cerca são uma crítica velada aos enclosements ingleses e uma referência à acumulação primitiva do capital. Propomos mudar para “franguinhos entrando no navio, que o pujante agronegócio brasileiro exporta para a Europa”.

– Ninguém conta frangos para dormir.

– Justo, por causa da ideologia que sataniza o produtores rurais que põem comida na nossa mesa. Tem outro, mais para frente, na página 32, o exercício 7 diz que “Rita tinha 18 bananas e comeu 4”. Bananas é uma referência ao Brasil como uma Banana Republic, não pode.

– Troca por laranjas.

– Aí seria uma crítica aos prestadores de serviço financeiros que ajudam os empresários a impedir que o governo tome seu dinheiro através dos impostos. Trocamos por abacaxis.

– Abacaxis? Ninguém come quatro abacaxis.

– Sim, também trocamos “comeu 4” por “vendeu 4 livremente realizando um justo lucro por seu esforço”.

– As crianças de 8 anos vão entender isso?

– Vão entender se for explicado, se a ideologia deixar de ocultar delas como as relações comerciais fazem justiça a quem produz.

– Ah, tá. Mais alguma coisa?

– Tem mais umas coisinhas, eu mando por e-mail. Mas o mais grave é a parte final do livro. Precisamos marcar uma reunião para rever os capítulos 7 e 8.

– Divisão?

– Isso. Divisão é um conceito marxista que não pode ser usado para doutrinar as criancinhas.

– Mas como as crianças vão aprender aritmética sem divisão?

– Nossos especialistas estão finalizando uma proposta. A ideia geral é mostrar que a divisão pode ser correta, desde que a operação reflita que, por exemplo, 100 reais divididos por 100 pessoas resulte em 99 reais para uma e o real restante dividido entre as outras 99.

– Mas isso acaba com a Matemática!

– Acaba com a Matemática Igualitária e Comunista que imperou até hoje, professor, e a substitui por uma matemática mais justa! Já temos até um projeto de lei para ser apresentado ao Congresso tornando obrigatório o ensino da Matemática Meritocrática!

Para ler a coluna original de Paulo Cândido, acesse o site do Diário Catarinense.
 

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