outros tempos

Eu não tinha o whatsapp do meu melhor amigo

– Não vale bomba! – cresci ouvindo isso. A gente se reunia, invariavelmente, todos os dias na rua de paralelepípedo, que, rotineiramente, nos tirava o tampão dos dedos. Dezenas de crianças, dois, três, quatro times. Sol, chuva, frio, calor. Não importava. De segunda a segunda um par de chinelos em cada extremo do ‘campo’ de pedra e ficávamos ali até a hora que, uma a uma, as mães iam até o portão gritar nossos nomes. Era a hora de ir para casa. Intercalávamos as partidas improvisadas de futebol com brincadeiras de esconder, estilingue, chimpa (vale aqui uma observação importante. Quem aqui já jogou chimpa? Consiste, basicamente, em acertar as pedras adversárias com a sua própria pedra, e valia carteiras de cigarro vazias que colecionávamos sem nunca ter fumado).

Quando precisávamos descansar, tínhamos uma árvore grande de cinamomo. Cada um tinha o seu galho. Uma vez resolvemos fazer um galeto, tínhamos em média 10, 11 anos. Juntamos um carrinho de papeleiro cheio de vidro, ferro e jornais e não deu mais que um real e alguns centavos. Alguns dos nossos pais se sensibilizaram e financiaram nosso galeto regado a refrigerante e reunião dançante. Aliás, era uma reunião dançante por mês. Cindy Lauper, Latino, algumas músicas antigas no toca-fita. Em uma parede, um banco com os meninos sentados. Na outra parede, um banco com as meninas. Até passar o constrangimento das primeiras danças a festa já estava quase no final.

Esses dias precisei andar por alguns bairros da cidade, percorri quilômetros e quilômetros sem visualizar nenhuma goleirinha improvisada de chinelos. Nenhuma criança trepada na árvore. Nenhuma criança na rua jogando chimpa, brincando de esconder, nem ao menos, conversando. Na minha infância eu não tinha o Facebook dos meus melhores amigos. A gente só conversava ao vivo. Não havia ninguém adicionado em nenhum grupo de whatsapp, a gente se encontrava na esquina, sentado nas calçadas, subidos nas árvores.

A minha filha vai crescer nessa cultura de proteção e cuidado onde o ambiente social é mais virtual que físico. Ninguém mais permite uma criança ficar na rua às dez horas da noite. Possivelmente eu também não vou permitir. E essas gerações estão crescendo com poucas experiências sociais, uma amostragem diminuta das diferenças que cada família têm, da criação, das histórias e vivências dos amigos.

Toda vez que lembro da minha infância, eu fico triste por saber que esse mundo não vai poder proporcionar à minha filha, as mesmas histórias que tenho para contar do mundo de outrora. Haja amor e criatividade dos pais para tentar compensar a ausência de convívio social dos pequenos. É o que nos resta fazer. 

 

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