3° Neurônio | literatura

​Dois contos eróticos | Ernani Ssó

 

Sob o braço da amada

 

Ele beijou o sovaco dela com luxúria. Não, não. Sovaco é coisa de caminhoneiro. Não tem luxúria que aguente.

Então, concupiscente, ele beijou a axila dela. Humm. Sempre quis usar a palavra concupiscente. Ele se sente um padre ou bispo de Eça de Queiroz. Mas axila? Coisa mais fresca. É como dizer que a galinha não bota ovo, coloca. Uma galinha poedeira, uma galinha colocadeira… Taí outro conto.

Voltemos ao sexo. Ele beijou sofregamente o sobaco dela.  Não, peraí, isso é sovaco com sotaque espanhol. Pior, parece comida típica de cucaracha. Un guiso de sobaco con pimientos y guacamole. Deve ser um bicho, um roedor talvez, ou uma espécie de lagarto. Sofregamente? Ele deve estar perdido na selva há dias.

Assim não dá. Vamos de novo.

Ele beijou a sovaqueira dela com unção. Melhorou, tipo século 18 ou 19. Ele deve ser um tremendo pervertido, ou um cara normal com muita saudade? Porque sovaqueira deve ser carteira grande pra levar embaixo do braço, em que se carregam coisas íntimas.

Irritado, ele abriu o Houaiss. Sinonímia: de sovaco é mandado pra sobaco e axila. De sobaco pra axila. De axila pra sovaco e sovaqueira. De sovaqueira pra axila. Se há círculo vicioso é este. Ele fecha o Houaiss, em adiantado estado de brochura.

Fatos são fatos. Não há como beijar, em português, a “cavidade por baixo da articulação do ombro, constituindo uma zona intermediária entre este e o tórax” das amadas.

 

Alto Xingu

 

E aí começou a sessão de sexo oral com o botocudo…

 

Ernani Ssó é escritor, vive em Porto Alegre. Colabora com os sites Coletiva Net e Sul21, e virou colaborador fixo do Seguinte:

 

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