3° Neurônio | escultura

Animais: depois da mata, o melhor lugar para eles é na arte

: Da esquerda para a direita: Paulo Chimendes, Paulo Olszewski, Homero Lima e Raul Cassou.

 

Vistos ao chegar, são figuras da terra: Homero Lima, Raul Cassou, Paulo Chimendes, Paulo Olszewski. Olhados depois de alguns mates, são 4 cabeças, 8 mãos e, sobretudo, 4 corações. Depois de ver a obra coletiva, seus incríveis animais da mata, aí sabe-se: são quatro artistas natos, variadas motivações, diversascapacidades, um baita projeto de vida a preencher um galpão lá pras bandas do Navegantes, em Porto Alegre. (As imagens dos animais dispensam legendas – se o leitor desconhece, azar o dele)

 

 

Há quanto tempo você não vê bichos que antes viviam ao nosso redor? Puizé: quando o território deles – a mata e suas variantes, como a floresta, a selva, o bosque – diminui, eles começam a entrar em extinção. Quando esse sumiço – da mata e do bicho – é mais grave, até do imaginário desaparecem.

 

 

A não ser que o artista, que se abastece até do que nem existe mais, vá para um galpão, meta a mão no metal e saia de lá com a fauna recriada. E quando um sortido bando de relembrados bichos se aninha numa galeria de arte, aí temos recreio espiritual: acercar-se e estar cercado de animais é um prazer instintivo, uma herança primeva.

 

 

Foi o que aconteceu, entre 7/4 e 8/5 deste ano no Margs. Como eu não soube, não vi, perdi.Fiquei sem me esgueirar nas apropriadas cavernas do museu, as Salas Negras. Não tive o impacto que tantos tiveram,de se assombrar sob luz adequada, deadmirar de perto uns quantos animais renascidos em aço, cobre e solda. Como chegaram até lá essas esculturais criaturas?

 

 

A história desse projeto de arte é tão espantosa quanto a admirável exposição há pouco realizada (mal divulgada ou pouco repercutida). Remonta a 1995, quando os 4 cavaleiros do gênese criaram um cavalo de taquara numa ilha do Guaíba. De barco, o bagual cruzou o rio e deu a Porto Alegre momentâneos ares de Tróia. O equino, o tempo levou. A arte coletiva, ficou.A partir de 2010, os animais se insinuaram.

 

 

Um a um e pouco a pouco vieram. Sem rol, sósugestão. Pariamprimeiro esse, depois aquele, e assim por diante. Mãos em ação, em vez de 8 aparentam trocentas. Todos fazem de tudo, todos definem juntos, tudo se realiza em uníssono, embora a quietude reine. A estrutura de cada animal, tamanho natural, quem instrui é a natureza, e a perfeição é a prova. Os olhos, vítreos, feitos ali, dão alma ao corpo, etéreo mas indubitável no volume, vigor e verdade.

 

 

Nesses mais de 20 anos, os quatro amigos se dedicam a artes e ofícios, num dos mais receptivos redutos culturais da cidade, o Museu do Trabalho, lá onde a Rua da Praia se recusa a ser Andradas. Ali desenvolvem talentos individuais. Fora dali, no mínimo uma vez na semana, se juntam no galpão para mexer em ferro, arame, lata, vidro, madeira, papel – se duvidar, até com nuvens trabalham.

 

 

Nessa harmonia criadora, muita coisa ganha forma e sai, ou fica por ali mesmo, como as mini esculturas rupestres. Outras germinam em rascunhos pelas paredes, blocos e tocos e tábuas sobre mesas aguardam destino artístico. Ao redor, cumulam-seferramentasde faz-tudo. No meio do etcétera de materiais, um animal cuja autoria dispensa informação: um gato. Nota-se que os 4 humanos são os bichos dele.

 

Animais da Mata | Maria Tomaselli
 

Quatro artistas fizeram um puma, uma anta, uma capivara, um lobo-guará, um cateto, um graxaim, uma cutia, um quati, um veado-mateiro, uma ariranha, um tatu, um jacaré e peixes, e só os deuses das matas do Rio Grande do Sul sabem o que mais vem por aí.
Raul Cassou, Paulo Olszewski, Paulo Chimendes e Homero Lima trabalham juntos desde 1995. Estrearam com um gigantesco cavalo de taquara que transportaram num barco da Ilha da Pintada a Porto Alegre. Brocas e o tempo se encarregaram de devolvê-lo ao pó que é nosso destino final.

 

 

Desta vez se trancaram por anos numa oficina no 4º Distrito onde reproduziram os novos animais numa escala de 1:1 com uma esmerada técnica e perfeição de entrelaçar e soldar arames. Num emaranhado de fios de ferro e cobre procuraram a seiva, a pulsação, a vida secreta das florestas. As veias das matas. Na inteligente escolha dos materiais traduzem a força da natureza: no cobre, material maleável, dúctil, de coloração avermelhada, um metal de transição, o fluir do sangue de geração em geração. O cobre fixa o ferro no sangue. O ferro, outro metal de transição, heme, é o elemento mais importante do sangue humano, obtido na carne de animais. Ele vem da terra e, ao se desfazer, vira terra de novo. Cobre e ferro podem formar ligas entre si, transitam. Na natureza e nessas esculturas.

 

 

Nos animais do Grupo Mata sentimos o nascer e morrer, o fluir do sangue, o perigo que eles correm. São figuras transparentes, fortes e delicadas ao mesmo tempo, brilhantes e de um olhar agudo, cheio de vida, são permeáveis, olha-se para elas e através delas para os rios e as matas , para o que sobrou delas, como se espíritos fossem. As esculturas nos chamam a refletir sobre esta vida selvagem, rica, mas em vias de desaparecimento. Mata-se na mata. Mata-se no pampa gaúcho.  

 

 

 

Arautos da natureza | Paulo Ferreira Geiger   

 

Quatro artistas, quatro amigos, quatro humanos, animais. Há vinte anos chamaram muitos outros amigos para construir um cavalo de taquara, imenso, a intenção era fazer arte, mas tinha que ser o bicho na sua imponência natural. Aquilo foi uma ferveção: entre churrascos, festas e cervejas, criaram um cavalo, trançaram as taquaras como um croché. Desbravaram este material, tão flexível e ladino, adquiriram know-how a unha. Eu lembro de atravessar o Guaíba acompanhando uma procissão de amigos até a Ilha da Pintada. Lá, deixaram o cavalo in habitat.

 

 

Hoje, estes amigos me surpreendem, retomam as tranças, agora com arames de ferro e cobre, com tampinhas de garrafas, com pequenas placas e solda… dificultaram o croché. Novamente, aposto que aprenderam a técnica do zero, ou melhor, de suas vivências artísticas, das experiências que tiveram e frutificaram para nos apresentar animais do Pampa gaúcho como arte e como símbolo. A arte que nos apresentam eleva o animal, o objeto retratado e todos nós, cultuadores da arte, seres essencialmente urbanos, chocados com as tragédias ambientais que o homem teima em produzir.

 

 

Os Animais do Pampa estão aí, uma arte antifósseis, uma arte-povera, a arte engajada, a arte do amor às raízes, à terra e aos bichos que nela se equilibram. É também a arte do aviso, do resgate, do vamos nos unir e reagir, a arte da lembrança do pan. É uma arte de tranças, de curvas, nós e soldas que estruturam e moldam, dialogam com os artistas, conosco e nossa transcendência. Eles nos avisam que somos seres no meio. 

 

 

Para conhecer a exposição Animais e o belíssimo projeto coletivo dos artistas Homero Lima, Raul Cassou, Paulo Chimendes e Paulo Olszewski, acesse o site Animais da MataPara ver muitas imagens das esculturas Animais no ambiente da mostra, acesse o Facebook do Margs. 

 

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