Jornalistas do SEGUINTE: fizeram roteiro pelo Gravataí no catamarã do projeto Rio Limpo. Depois de Gonçaves Dias e seu mar, 'Stamos em pleno rio.
Ao som de Longe Demais das Capitais, dos Engenheiros do Hawaii, embarcamos eu e o Fraga para navegar pelo Gravataí no catamarã do Rio Limpo, o maior projeto de educação ambiental em curso hoje no Rio Grande do Sul.
E a imponderável trilha sonora que animava a manhã agradável no Caça e Pesca disse muito sobre a viagem.
– Quando fiz a entrevista de emprego com o seu Sérgio, voltei para casa pensando: “esse cara está louco, onde vamos navegar no Gravataí!” – confessa o comandante do barco, Rafael Silva, seis anos de timão e experiência de navegação em pontos turísticos do Guaíba pilotando embarcações como o tradicional Cisne Branco.
– É uma vergonha, mas eu não imaginava que o Rio era tão vivo e tão lindo.
Não ‘longe demais das capitais’, testemunhamos o rio vivo, ao lado do ‘seu Sérgio’, que é o Sérgio Cardoso, o geólogo ‘comandante’ do Rio Limpo, a gerente e ‘quem faz acontecer’ Norinê Paloski, a educadora ambiental Lais Possamai, a agente ambiental Lucinéia Cardoso e o auxiliar Lucas Tafernaberri.
– O centro do projeto é despertar para as belezas do Rio – resume o sempre multitarefas Sérgio Cardoso, que também é presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí e do Conselho Municipal de Meio Ambiente.
– E isso aqui é arrebatador – sorri, apontando para o entorno, enquanto o barco singra as águas azuladas por entre os ingazeiros.
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Às braçadas, ao sonho
A primeira marola do Rio Limpo remete a 2012, quando Cardoso assumiu a presidência da Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí (APN-VG) com a obsessão de não ser apenas mais um presidente da entidade que tem 37 anos e nasceu de um dos primeiros movimentos que se tem notícia na luta ecológica do Rio Grande do Sul e do Brasil.
– Também tinha para mim que passou o tempo da luta ambiental de amarrar pé em árvore – diz, em uma de suas figuras de linguagem características.
Ele e a bióloga Norinê descobriram um projeto sócio-ambiental da Petrobras e mergulharam na argumentação e na papelada para apresentar uma boa idéia de valorização da Bacia do Rio Gravataí. Às braçadas, em um ano venceram a burocracia e, concorrendo com 720 projetos do Brasil inteiro, ficaram entre os 43 selecionados – apenas três da região sul.
Os respingos do sonho começaram a ser sentidos quando mais de um milhão desaguou na conta do Rio Limpo e o catamarã de 11,9 metros e apenas 65 centímetros de calado, projetado pelo artesão pernambucano Lucilo Malin, desceu de uma carreta vinda da paradisíaca São José da Coroa e baixou na água, ao canto das ciconia maguari, o popular João Grande, uma das espécies preservadas da região e que está em Flora e Fauna do Rio Gravataí e Ecossistemas Associados – Guia Ilustrado Físico e Biótico da Bacia Hidrográfico do Sistema Gravataí, primeira compilação de dados dessa monta já feita na região.
– É o único barco do Rio Grande do Sul com esse perfil – se orgulha Cardoso, sentado em um dos bancos na proa da embarcação que pode carregar até 60 pessoas, enquanto navegamos por águas hoje de oito metros de profundidade, na altura de onde a Corsan capta água para o complexo automotivo da GM.
– Aqui a água é de excelente qualidade. O Rio está bem vivo – empolga-se.
Naquele trecho, no Passo dos Negros, e em direção à Lagoa da Anastácia, a vontade que dá é de se jogar na água. Coisa que poucos imaginam num rio que serve a mais de um milhão de pessoas, de oito municípios, e nos acostumamos a ver aparecer nas manchetes entre os mais poluídos do Brasil.
– O rio tem 70% de sua extensão não comprometida – informa Cardoso.
– O Rio Limpo inverte a lógica: em vez de ficarmos batendo no que está ruim, queremos chamar atenção para a parte boa. Isso desperta a consciência ambiental.
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Uma aula de/no Rio
Mais de seis mil alunos, professores e comunidade em geral já passaram pelas aulas, palestras, peças de teatros e passeios organizados pelo Rio Limpo em, ‘da cabeceira para baixo’, Santo Antônio, Glorinha, Gravataí, Canoas, Porto Alegre, Alvorada e Viamão.
– Esses dias índiozinhos guaranis da reserva do Cantagalo, em Viamão, passearam no barco – lembra Cardoso.
Todos levaram para casa a memória da natureza preservada e o registro fotográfico digital de quando o catamarã desliga os motores para a ‘hora do selfie’.
– Aqui são nosso filhos – diz Cardoso, mostrando os equipamentos de segurança e anunciando a compra de um barco menor, para cinco pessoas, que fará a ‘guarda’ do catamarã.
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Diamante caseiro
– Não há quem não se emocione. Vi nos olhos de desconhecidos e testemunhei a alegria de minha mãe, Isé, de 88 anos, e a satisfação do seu Teodomiro Fernandes, nosso presidente de honra da APN, que buscamos no asilo na cadeira de rodas – vibra Cardoso, que tem o rio como um diamante caseiro, do quilate daqueles que pesquisava no final dos anos 90 em Georgetown, na Guiana Inglesa, em meio Amazônia selvagem.
O Rio vive, mesmo que a poucos quilômetros da cloaca que é o trecho de Porto Alegre, onde correm sem tratamento adequado os dejetos de um terço da população urbana – uma foz que é uma verdadeira fossa, com 50 toneladas de excrementos por dia, esperando a finalização das obras de mais de R$ 1 bilhão em investimentos do PAC para o saneamento.
– A gente se sente pequeno nessa imensidão – viaja.
– É de arrepiar. Saio do Rio, mas levo o rio na memória – poetizou o Fraga, citando Navio Negreiro, de Gonçalves Dias:
– 'Stamos em pleno mar.
E isso tudo é logo ali, não é 'longe demais das capitais'. É ao alcance de um e-mail (Apnvg.agendabarco@gmail.com) ou de um telefonema (3042-5002).
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