Em mais um dos perfis dos vereadores eleitos o SEGUINTE: apresenta Juarez Souza. Ele vem de gerações de filhos da aldeia.
A foto com as mãos espalmadas no material da campanha de 2012 provoca a pergunta, que leva à resposta:
– É para mostrar que tenho as mãos limpas.
Foi uma das tantas estratégias de marketing eleitoral colocadas em prática por Juarez Souza, em sua terceira tentativa consecutiva de voltar à Câmara, 16 anos após o fim de seu primeiro mandato.
O sonho se realizou com 3.291 votos, fazendo dele o segundo entre os 21 vereadores eleitos.
– Pesquisei da imagem às cores, do jingle à linguagem – orgulha-se.
Dois episódios ocorridos na última semana das eleições de 2008, que misturaram frustração e constrangimento, tinham transformado em obsessão a vontade de Juarez retornar ao legislativo.
Primeiro, a renúncia da candidatura a prefeito por Edir Oliveira (PTB). Com a impugnação de Daniel Bordignon (PT), a apenas sete dias do primeiro ‘confirma’ soar nas urnas eletrônicas, a oposição se uniu no apoio a Jones Martins (PMDB).
– Eu era do PTB. Se Edir fosse até o fim com a candidatura, teríamos feito mais votos na legenda e mais vereadores. Fiquei como primeiro suplente, com 1.848 votos. Faltaram apenas 45 para ser eleito – lamenta.
A Prefeitura também estava perdida, com a vitória de Rita Sanco, a candidata substituta dos petistas. E, para aumentar a decepção, Juarez foi detido no dia da eleição, sob a suspeita de fazer boca-de-urna.
– Quando estava lá sentado, esperando para ser ouvido pela justiça eleitoral, falei para mim mesmo: “agora chega de brincar” – confidencia.
Para pavimentar a estrada de quatro anos até a Câmara, Juarez vendeu seu comércio de agropecuária e de telas e locações de betoneiras e andaimes e foi se dedicar à campanha.
– Programei início, meio e fim. Foquei a região que vai do Parque dos Anjos à Caveira, onde moro e fiz minha vida, pública e privada.
– Deu certo. Pelo menos na história de Gravataí não há outro que tenha ficado tanto tempo fora da Câmara e voltado – observa o homem que viveu seus 56 anos na Caveira, mesma terra de seus avós e bisavós.
: Material de campanha, laranja e com as mãos espalmadas, foi todo estudado pelo próprio Juarez
Caveira até os ossos
O amor de Juarez por aquele chão é tão grande que carrega no bolso um material que produziu, antes de ser eleito vereador, contando a história dos bairros e vilas da região da Caveira.
– Tem histórias que vivi, outras que meus familiares viveram e também depoimentos de gente que está viva até hoje.
No livreto, conta causos, desde o da porca que, levada por uma enchente, adotou o pinto que buscou refúgio em seu lombo, e batizou o Passo do Pinto, até um trecho obscuro da história do Brasil, onde Leonel Brizola, em fuga dos militares após o golpe de 64, teria se refugiado por uma noite em um aviário onde hoje fica a GM, no Barro Vermelho, primeiro distrito de Gravataí, povoado por negros.
Do jeito do Mota
E foi a amizade de Juarez com José Mota, um seguidor de Brizola, que o levou ao mundo da política.
– Dois caras simples: na primeira conversa já nos identificamos.
Era 1988. Mota seria eleito prefeito pelo PDT.
– O pai era eleitor do Ely Correa. Então, pedi para a mãe votar no Mota. No dia da eleição tinha só um voto para o Ely na nossa urna e o pai ficou louco com ela – diverte-se.
Juarez, comerciante querido na região e, ao lado de Daniel Rosa e José Gonçalves, fundador da associação de moradores da Caveira, não conseguiu ser eleito com os 357 votos que fez em sua primeira campanha para vereador. Mas, dois dias depois da posse, numa manhã calorenta de janeiro, Gonçalves batia na sua porta. De chinelos e sem camisa, ao mesmo estilo de José Mota, Juarez atendeu.
– O Mota quer te convidar para ser subprefeito do Bairro Vermelho – intimou Gonçalves.
– Eu era tão ingênuo em política que nem sabia dessas coisas de cargos, CCs (cargos de indicação política) – recorda Juarez.
– Fui ver o Mota e perguntei a ele: “mas tu vai tirar o Bercídio Cardoso da subprefeitura para me botar lá? Sou amigo dele!”. Ele respondeu: “bem-vindo à política”.
Bercídio tinha ocupado o cargo indicado pelo prefeito Abílio dos Santos, atacado por Mota durante a campanha.
Juarez agora era indicação do novo prefeito.
: Juarez, observado por Mota (primeiro à esquerda) toma posse como vereador em janeiro de 93
O vice e a moda
O trabalho na subprefeitura levou Juarez à Câmara, em 1992, com 912 votos. E, em 96, à candidatura à vice de Mota, na tentativa de voltar à Prefeitura. Apesar do favoritismo na largada da campanha, perderam a eleição para Daniel Bordignon (PT) por 2.154 votos: 39,3% a 36,9%.
– O PT estava na moda. Costumo brincar que, em Porto Alegre, o Raul Pont ganhou a eleição em primeiro turno ser dar nenhum sorriso.
– E o Mota sofreu muito com diabetes naquela campanha – recorda.
: Juarez com José Mota em 1996, na campanha em que foi candidato a vice
Da missa, um pouco
A saída do PDT se deu pela indignação de Juarez e Mota com o grupo liderado por Claudio Pereira, que ganhou a convenção do partido e aprovou a participação no governo petista.
– Eu jamais teria cara de, depois de passar a campanha inteira brigando com o PT, aparecer abraçado com eles só para ganhar cargos.
– Para mim, e o Mota, isso era imoral, não tinha como explicar para o eleitor – argumenta.
Os dois seguiram por caminhos diferentes, até serem unidos novamente por uma tragédia.
Juarez escolheu o PTB, “pela ideologia mais próxima ao PDT”. Concorreu em três tentativas frustradas de voltar à Câmara, em 2000 (936 votos), 2004 (1.222) e 2008 (1.848), até a eleição em 2012 pelo PMDB.
Já Mota foi para o PSB, para não ter que conviver com o velho adversário Abílio dos Santos. Concorreu a prefeito em 2000 e, com apenas 8.669, ficou em terceiro lugar, atrás de Bordignon (66.558) e Marco Alba (27.128). Num déjà vu político, viu seu PSB fazer como o PDT e, após a eleição, aceitar ocupar cargos no governo do PT.
Mota pegou seu Chevette velho e voltou à reclusão ao lado de seus gatos, na pequena casa de madeira onde morava na Vila Central.
Em 2001, o reencontro oficial de Juarez com o velho líder durou minutos. O ex-prefeito aceitou convite para se filiar no PTB, mas faleceu – caído ao lado do ex-adversário Abílio – após passar mal enquanto discursava no ato preparado para recebê-lo.
– Não me arrependo de nada. Fiz o caminho mais longo na política, que é o da seriedade. Posso ir à missa tranquilo – diz Juarez, católico praticante, que adulto foi coordenador da igreja Sagrada Família, seguindo o legado de ‘fabriqueiro’ do avô e do pai, e a fé da família que, em sua infância, era acostumada a rezar o terço todos os dias depois da janta e ocupava um banco inteiro da igreja nas missas de domingo.
Juarez também é um pesquisador informal – do History Channel aos documentos e livros – de mitos e ritos católicos.
: Pai foi festeiro da igreja católica, tradição familiar que Juarez carrega até hoje
Presidente ao pé do ouvido
De temperamento explosivo, Juarez não é de levar desaforo para casa. Principalmente quando o assunto é a sua Caveira. Quando o debate esquenta no plenário da Câmara, avermelha o rosto e vai para a tribuna. Mas, na maior parte do tempo, é um sujeito tranquilo e de boa conversa, que ainda guarda o sotaque do interior de Gravataí.
E foi no jeitão meio caipira que, nos bastidores e em silêncio, acertou no fio do bigode sua eleição para a presidência da Câmara em 2015. Após se desentender com Roberto Andrade (PP), que seria o candidato da base do governo, se associou ao desgarrado Dilamar Soares, e buscou o voto de outros dissidentes e também da oposição.
– Deu uma crisezinha na base, mas está tudo bem agora – diz, garantindo estarem também superados os momentos de tensão interna que viveu com o prefeito Marco Alba (PMDB) no último ano.
Durante sua gestão na presidência, Juarez chegou a dar ternos de presente a vereadores, para que se vestissem a caráter durante as sessões, preparando terreno para a TV Câmara, convênio que assinou em novembro do ano passado, mas ainda não foi ao ar sob a nova presidência do legislativo.
Nos dias 26 e 27 de agosto, chegou a assumir a Prefeitura, numa viagem do prefeito a Brasília.
: Juarez, com a mesa diretora, tomando posse como prefeito em viagem do prefeito
Um pouco da história – e das histórias – do Juarez Souza:
Natural de Gravataí, como bisavós, avós e os pais Pedro e Maria, Pedro Juarez de Souza nasceu em 23 de dezembro de 1960, pelas mãos da parteira Maria dos Anjos, em uma casa no Passo da Caveira, região onde mora até hoje com a esposa Cláudia, mãe de seus filhos Pedro e Mateus.
– O Mateus tem 22 e trabalha na GM, o Pedro tem 25 e é músico – diz, puxando o celular para mostrar vídeo do filho tocando em frente ao estádio Beira-Rio, na fila para o show dos Rolling Stones.
Juarez é o sexto entre os irmãos Sérgio, Ana, Enio, Sirlei, Vera, Rosane, Julio e Marcia. De família de agricultores e carreteiros, viveu uma infância de muito trabalho, mas de liberdade pelos campos que tomavam aquela região, batizada de Passo da Caveira por, durante a Revolução Farroupilha, corpos de espiões maragatos serem jogados por chimangos da ponte que liga à Morungava, na parada 103.
– Antes de ir para a escola, precisava tirar o leite. De tarde, depois da aula, tinha que ajudar na lavoura – conta o gremista, que gostava de andar a cavalo e cursou o ensino fundamental na Escola Rural da Caveira.
Com 10 anos, era dele a tarefa de, na carreta de bois, levar os tarros cheios até a estrada onde passava o leiteiro. Aos 13, já fazia o percurso na caminhonete C 14 do pai.
– Éramos uma família típica de imigrantes. Só se comprava sal, o resto se plantava. Até tecido era feito.
– Nunca passamos dificuldade, sempre vivemos bem. Mas naquele tempo, sapato, por exemplo, era coisa de rico – recorda o guri que andava de pés descalços nas rosetas.
: Juarez, com seis ou sete anos, na praça central de Gravataí
O fantasma e o espião
A luz só chegou em 74. Antes, TV era só na tia Celi, no Centro, onde assistiu a chegada do homem à Lua, em 1969, ou então com gerador a motor na tia Sueli, onde vibrou com a Copa de 70. À luz do candeeiro a querosene, era uma época de muitas histórias e fantasias.
– O vô Dindinho era contador de histórias de fantasmas. Morríamos de medo a cada vez que tínhamos que atravessar o mato para buscar fumo e carne no matadouro do Barro Vermelho – lembra o avô paterno, Vicente Souza.
Causos verdadeiros também divertiam a piazada. Como o do tio Juca, que durante a Segunda Guerra, disse “sim” ao ser perguntado pela professora se tinha um transmissor em casa. Era apenas um rádio, chamado na época de galena. Mas o mal entendido fez o avô Alberto Scherer virar suspeito de espionagem nazista. O descendente de alemães foi escoltado até o Centro de Gravataí, pelo subprefeito e um soldado à cavalo, passou uma noite preso e voltou com os pés cheio de bolhas da longa caminhada.
– Era muito piadista. Ainda brincou com dois vizinhos que, se Hitler ganhasse a guerra, eles iam puxar a carreta de bois – diverte-se.
Autodidata
Adolescente, aprendeu a ser mecânico desmontando o motor do Opala, que comprou atolado do tio Augustinho. E conseguiu um emprego longe de casa, na Retificadora Laçador, na zona norte de Porto Alegre. A longa jornada (em ônibus pinga-pinga, saia às 6h e voltava para casa às 21h) o fez voltar ao campo.
– Fui plantar moranga com o pai e tivemos uma grande safra. Consegui comprar minha casa com 22 anos – lembra.
Além da lavoura, fez trabalhos de eletricista, pedreiro e pintor, até ter seu próprio negócio: agropecuária e comércio de telas, betoneiras e andaimes. E, agora, se dedica “24h” à política. Já está preparando a campanha.
– Tenho uma carta na manga – diz, sem revelar o segredo, o autodidata da vida e do marketing político.
OS PRINCIPAIS PROJETOS APRESENTADOS PELO JUAREZ:
“Vou dizer alguns que lembro agora, como o que permite colocar placas com nomes das ruas sem nenhum custo para Prefeitura, apenas trocando por espaço de publicidade; o projeto que obriga as lojas do município a habilitar e desabilitar aparelhos de telefone celular e o que proíbe ouvir som sem fones dentro de ônibus”.
UM ARREPENDIMENTO NA VIDA PÚBLICA:
“Não tenho arrependimento, apenas frustração com a percepção das pessoas sobre a política. Em 1993, quando assumi como vereador, as pessoas olhavam com respeito e até admiração. Hoje, olham com desdém, te julgam corrupto. Você é desprezado por ser político”.
O JUAREZ PELO JUAREZ, EM UMA PALAVRA:
“Persistente”.
OS PLANOS DO JUAREZ:
“Vou tentar a reeleição, mas será meu último mandato como vereador. Conforme for o resultado decido o meu futuro político”.
O QUE DIZ PARA O ELEITOR QUE NÃO ACREDITA MAIS NOS POLÍTICOS:
“Digo que, se não quiser votar em mim, que vote em alguém. Digo principalmente aos jovens que tentem mudar o mundo. Eu já estou na fase em que me cuido para o mundo não me mudar”.
UM POLÍTICO ADMIRADO PELO JUAREZ:
“José Mota”.
O CANDIDATO A PREFEITO DO JUAREZ:
“Marco Alba”.