o doutor Ricardo

O passarinho

Como leitor, tenho ojeriza a estes textos que necessitam de um prólogo que antecede a obra, e uma ‘moral da história’ ao final, mas, como esta história é um tanto peculiar, vou trair meus próprios conceitos literários e explicar, antes, quem são seus personagens.

Antes, eu já havia publicado essa crônica em um blog antigo que alimentava o sonho de um dia ser escritor. Talvez alguns ainda lembrem dela. O menino “Ricardo”, citado no texto, é o Dr. Ricardo Kreichmann, meu pediatra na infância, pediatra de meu irmão e, hoje, do meu afilhado, Nickolas e da minha filha Lauren. Ele era uma referência tão positiva na minha infância que o nome do meu irmão, Ricardo, veio de uma manifestação de carinho minha por ele, quando ainda tinha uns dois anos de idade, embora não me lembre do ‘Tio Ricardo’, sem que eu esteja com, no mínimo, 38º graus de febre.

Essa história é verídica, um tanto lúdica, talvez. Uma mensagem interessante em um mundo inseguro e desconfiado. Tenho para mim que são as pequenas e simples coisas, fatos e gestos que nos transmitem os grandes ensinamentos.

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Era década de 50, 60. Não posso precisar com exatidão por que não quis ser indelicado de perguntar a idade do médico. O pequeno bebê Ricardo, antes mesmo de falar, já sabia assoviar. Tão cedo desenvolveu este talento, que, naqueles momentos de concentração, ainda que criança, se pegava assoviando, sem mesmo notar.
Certo dia, na escola, de tanto assoviar, e, hipoteticamente tirar a atenção dos seus colegas, a professora ordenou, uma, duas, três vezes, que parasse, até que, sem sucesso, o mandou para a ‘diretoria’.

O menino, cabisbaixo (e ainda assoviando), sem contrapor, se dirigiu, junto da professora, até a sala da diretora. Chegando lá, foi inquirido o porquê de assoviar o tempo inteiro, sem escutar ordens contrárias, sem notar que isso atrapalhava seus colegas. Ainda assustado, e, no âmago de sua infância, o menino hesitou, refletiu e exclamou temeroso:

– Desculpa, professora, eu não sei por que não consigo parar de assoviar. Quando vejo, estou ali, assoviando, sem que queira fazer isso. Eu acho que sou um… um passarinho…

– Um passarinho? – gritou a diretora – mas que falta de educação!

A constatação de que seria um ‘passarinho’ provocou uma reação imediata das educadoras, que, de pronto, chamaram seu pai.

Chegando à escola, o pai logo se dirigiu à sala da diretora, onde, também estavam a professora e o menino.

– Bom dia, senhor. O chamamos porque seu filho foi mal-educado conosco. Além de assoviar a aula inteira, o repreendemos, e ele, simplesmente disse que achava ser um passarinho! Isso não tem cabimento! Queremos uma atitude do senhor! – exasperou-se a professora.

Calmo, o pai olhou as educadoras e disse, com uma confiança inerente de quem ama:

– Veja bem, eu sou advogado, ora, entendo apenas de direito e não de pedagogia. Mas uma coisa eu garanto a vocês: acredito piamente no meu filho! Se ele disse que é um passarinho, acredite, ele, realmente, é um passarinho.

Sem reação, as professoras apenas se entreolharam, enquanto o menino, assoviando feito um belo passarinho, sorrindo orgulhoso para o seu pai…

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É uma historinha simples, lúdica, como outrora mencionei, mas representa a essência do que teríamos de ser. Agir com a verdade de uma criança e acreditar com o amor de um pai.

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