Era uma tarde de meados de dezembro. Fui ao hospital fazer o procedimento de retirada de um cateter que havia posto alguns dias antes para me livrar das indesejáveis pedras nos rins. Algumas horas depois de aguardar, fui encaminhado à sala de espera, já com aquele jaleco que é uma espécie de camisa do Faustão de trás para frente. Ao meu lado, uma senhora de descendência nipônica, quieta, nitidamente apreensiva. Não é para menos, possivelmente eu estava pior. Tenho ojeriza a este tipo de anestesia que nos apaga. É tipo andar de avião. Como se sentir seguro em um meio de transporte que não tem acostamento se dá problema no motor?
Enfim, poucos minutos depois, chegou uma senhora pouco mais velha, robusta, falante. Nem bem sentou, engatou uma primeira e não parava de falar. Levantei para ajeitar o lençol e sentei novamente. Então ela me olhou surpresa e disse: “mas um moço tão jovem assim, alto, bonito, o que faz aqui com as velhas esperando cirurgia?”. Sorri constrangido e tentei explicar que havia feito um procedimento para retirada das malditas pedras nos rins, mas feito um monólogo ambulante ela emendou: “eu não gosto de cirurgia, sabe? Não gosto de depender do meu esposo. Ele era igual esse moço (apontou para mim, mostrando à outra senhorinha), alto, bonito. Mas hoje? Olha, meu filho, te cuida! Não queira ficar um velho ranzinza e barrigudo como ele”. Sorri mais uma vez, sem jeito, e tentei começar a responder: “sim, a gente precisa se cuid…”, antes mesmo de eu terminar, ela, olhando fixo para mim, questionou: “vem cá, moço, tu já tens filho, tem? Eu tenho uma de quarenta anos, além de dois netos”. Essa eu consegui responder com brilho nos olhos, lembrando a Lauzinha que estava em casa: “Sim, tenho uma menina de um aninho e meio. Linda!”. Ela levou as duas mãos ao rosto e virou para a outra senhorinha inerte, um tanto incomodada, ao seu lado: “Ora, tu vê só, um moço tão jovem, assim! Alto, bonito, já com filho. Hoje em dia estão começando cada vez mais cedo”.
Ali eu já me sentia, de fato, um moço jovem, alto e bonito. Se pudesse me ver, certamente já não estava com aquele ar pesaroso, preocupado, que curvava a coluna, quando cheguei na sala. Sentia-me o verdadeiro Bruno Gagliasso, Cauã Reymond. E então, deu-se um silêncio de alguns segundos na sala e, para não dizer que eu apenas respondia às perguntas, resolvi interagir: “e a senhora? Vai fazer cirurgia de quê?”. E ela: “eu? Ah, é das ‘vistas’, meu filho. Catarata. Eu de óculos enxergo muito pouco, sem óculos, como agora, não enxergo quase nada! Só nuvens”. E então, desinflei, recostei novamente curvado à cadeira me sentindo o mesmo magrelo com medo de anestesia que entrou ali e pensei baixinho: “ah, tá. Agora tá explicado…”