“Eles querem ser ricos e famosos – mas percebem que é cada vez mais difícil vencer o filtro dos gigantes digitais. Para sobressair na selva, distribuem brindes (e até dinheiro) aos ‘engajados do mês’. Mas o ecossistema é opaco, hierárquico e precário”. Recomendamos o artigo de Issaaf Karhawi, publicado no DigLabour e reproduzido pelo Outras Palavras
Embora influenciadores digitais e criadores de conteúdo, de forma geral, enfrentem a estrutura de caixa preta das mídias digitais em suas rotinas produtivas, “vencer o algoritmo” é uma meta diária da atuação profissional (Arriagada & Ibáñez, 2020). Uma das razões é que a visibilidade é uma moeda crucial e valiosa na cultura dos criadores e na esfera profissionalizada do marketing digital (Duffy, 2017; Karhawi, 2020). Na ausência de ferramentas oficiais ou diretrizes das plataformas que permitam entender a lógica dos algoritmos, os influenciadores digitais investem em uma espécie de “instigação” ao tentar desvelar padrões de “como agradar a plataforma para facilitar sua visibilidade, e como fazer com que sua popularidade cresça” (Abidin, 2020, p. 85). Para tanto, evocam um “imaginário algorítmico”: “percepções sobre o que é o algoritmo e como ele funciona” (Bucher, 2017, p. 40). Os insights dessa exploração moldam a orientação dos usuários em relação à plataforma e, no caso dos influenciadores, também moldam suas escolhas de conteúdo e produção.
Com base nisso, há um fenômeno recente surgindo no Brasil: influenciadores digitais no Instagram estão convidando os seguidores a se envolverem com suas postagens – comentando e curtindo publicações ou enviando mensagens diretas via Stories. A prática pode soar familiar, mas a diferença está na “compensação”: ao final do mês ou da semana, ou ao final de uma parceria comercial, os influenciadores selecionam o seguidor mais engajado e o recompensam com um presente.
Este texto é resultado de uma pesquisa, ainda preliminar, em relação ao que nomeamos “campanhas de engajamento”. Nesta breve discussão, objetiva-se elaborar algumas hipóteses sobre os motivos pelos quais os influenciadores digitais propõem essas estratégias e possíveis efeitos em seu relacionamento com seguidores e plataformas. Como análise preliminar, 12 influenciadores digitais foram acompanhados por meio de uma observação não-participante durante o ano de 2021.
Um nicho, um presente
Em pesquisa conduzida por Victoria O’Meara, a autora apontava para a existência dos Instagram pods, grupos de engajamento em que criadores de conteúdo se reúnem para trocar curtidas e comentários entre as suas publicações. A tentativa de hackear o algoritmo revela uma forma de resistência à coerção e demanda por produção constante de conteúdo (O’Meara, 2019). Mas a mobilização se dá à parte da relação com os seguidores. O que é distintivo das campanhas de engajamento aqui identificadas é a negociação aberta com os públicos. A chamada para participação e envolvimento com as publicações é feita publicamente e os presentes escolhidos reforçam a temática relacionada ao nicho no qual o creator construiu sua audiência.
Entre os criadores acompanhados, houve uma diversidade de nichos e, consequentemente, de presentes: seguidores presenteados com produtos de maquiagem por parte de blogueiras de moda e beleza, roupa de cama de criadores de decoração, entrega de jantar do iFood de influenciadores de lifestyle. Mas também era comum notar influenciadores recompensando os seguidores com dinheiro, especificamente com “pix” – o mais recente sistema de pagamento instantâneo do Banco Central do Brasil que facilita as transações em dinheiro sem necessidade de cartões de débito ou crédito, sem taxas e sem limites de valor.
Stories publicados por influenciadores digitais no Instagram
Valores centrados na comunidade
Ao apresentar suas campanhas de engajamento, os influenciadores digitais destacam que a iniciativa é uma forma de recompensar a atenção, o apoio e a gentileza que recebem dos seguidores – palavras usadas pelos próprios influenciadores ao explicarem sobre a existência do presente. E não se trata de uma premiação aleatória, mas intencional. Os seguidores não são presenteados por meio de um sorteio, mas porque foram individualmente escolhidos pelo criador de conteúdo em questão. O parâmetro para a escolha, como já sinalizado, é a participação constante nas postagens.
Tacitamente, como efeito dessa escolha supostamente pessoal, os seguidores se percebem como “indispensáveis” para a manutenção do trabalho dos influenciadores digitais que resulta no reforço de um senso de comunidade (Abidin, 2015). Além disso, não é incomum que o seguidor mais engajado receba um apelido: o mais frequente é o “engajado do mês”, mas outras versões aparecem, geralmente, replicando um apelido já usado dentro daquele grupo (“soldada engajada”, “mimada da semana”). A estratégia reforça a percepção de autenticidade e de proximidade que tem se colocado como imperativo na performance dos influenciadores digitais (Karhawi, 2021).
Outro aspecto que acentua o caráter comunal das campanhas é a convocação pelos stories e não pelo feed: sabem do presente à vista apenas os seguidores fiéis, aqueles que acompanham o conteúdo privado e efêmero dos stories.
Questões de trabalho
A relação e parcerias com marcas é um ponto crucial para explicar o fenômeno das “campanhas de engajamento” no Brasil. Os influenciadores digitais fazem parte das estratégias de comunicação e marketing das marcas brasileiras. Em 2021, 94% de uma amostra de marcas nacionais alegaram ter trabalhado com influenciadores digitais (Youpix, 2021) – como parte de um investimento que corresponde a quase 35% do orçamento de mídia das empresas. Para avaliar os resultados dos influenciadores digitais em posts patrocinados ou outros conteúdos comerciais, 82% das marcas brasileiras analisam métricas de alcance e engajamento (Youpix, 2021). Não é surpresa, portanto, que entender como as plataformas funcionam faça parte das habilidades profissionais dos influenciadores digitais.
As campanhas de engajamento são desenhadas de acordo com o imaginário algorítmico dos influenciadores digitais. Por testes pessoais dentro da plataforma, por intuição e também por meio de “fofoca algorítmica” (Bishop, 2019), os influenciadores percebem que métricas de alto alcance estão diretamente relacionadas ao engajamento. Assim, o incentivo para que os seguidores interajam é uma forma de manter números elevados que permitam que novos públicos (e marcas) alcancem seu conteúdo.
Em um jogo “ganha-ganha”, os seguidores ficam satisfeitos com presentes e influenciadores não apenas “hackeiam o algoritmo”, mas subvertem sua lógica impenetrável e inquebrável. Por outro lado, a iniciativa também revela a precariedade dos trabalhadores de plataformas (Siciliano, 2021). Enquanto alguns influenciadores aumentam suas contas de mídia social comprando seguidores e engajamento falso por meio das plataformas de fazendas de cliques (Grohmann et al., 2021) – outros emulam uma interação genuína. Ambos, com dinheiro envolvido.
Campanhas de engajamento como parte de um ecossistema
Para pesquisadores dedicados ao universo dos criadores de conteúdo e influenciadores digitais, as campanhas de engajamento parecem uma evolução de outras estratégias: sorteios de iPhone, compra de seguidores e os já mencionados grupos de engajamento. No entanto, as campanhas revelariam dois aspectos particulares dessa etapa de atuação profissional dos influenciadores digitais: 1. Cada vez mais, “compreender o algoritmo” se coloca como uma competência profissional dos creators. Além da produção de posts, vídeos e fotos, mapear o funcionamento das plataformas tem sido pressuposto para atuação. Se, em pesquisas anteriores, identificamos os capitais das blogueiras de moda (Karhawi, 2020), agora, um novo capital parece se consolidar; 2. É característica fundamental da prática dos influenciadores a noção de relatability (Abidin, 2015). Toda a atuação é baseada em percepção de intimidade, horizontalidade e co-construção. As campanhas de engajamento que convocam as audiências para a participação revelam como essa ideia já se estabilizou e os influenciadores podem “abrir” o jogo com suas audiências fazendo demandas específicas, mesmo que cobertas por um discurso “comunal”.
Em oposição às primeiras reações frente ao trabalho dos influenciadores digitais – de que seria apenas um passatempo -, há um reconhecimento de que eles estão, de fato, trabalhando e que esse trabalho está sujeito às lógicas das plataformas que modulam o engajamento dos públicos que impactam na avaliação e escolha das marcas e que definem a prosperidade da atuação dos influenciadores. É o reconhecimento de um mutualismo ou de um ecossistema opaco, hierárquico e precário.
REFERÊNCIAS
Abidin, C. (2015). Communicative intimacies: Influencers and Perceived Interconnectedness. Ada: A Journal of Gender, New Media, and Technology, No.8. doi:10.7264/N3MW2FFG
Abidin, C. (2020). Mapping Internet Celebrity on TikTok: Exploring Attention Economies and Visibility Labours. Cultural Science Journal,12(1) 77-103. https://doi.org/10.5334/csci.140
Arriagada, A., & Ibáñez, F. (2020). “You Need At Least One Picture Daily, if Not, You’re Dead”: Content Creators and Platform Evolution in the Social Media Ecology. Social Media + Society. https://doi.org/10.1177/2056305120944624
Bishop, S. (2019). Managing visibility on YouTube through algorithmic gossip. New Media & Society, 21(11–12), 2589–2606. https://doi.org/10.1177/1461444819854731
Bucher, T. (2017). The algorithmic imaginary: exploring the ordinary affects of Facebook algorithms, Information, Communication & Society, 20:1, 30-44, DOI: 10.1080/1369118X.2016.1154086
Duffy, B. E. (2017) (Not) Getting Paid to Do What You Love. Yale University Press.
Grohmann, G., Soares, A., Matos, E., Aquino, M. C., Amaral, A., Govari, C. (2021). O que são plataformas de fazendas de clique e por que elas importam. Nexo – Políticas Públicas. https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2021/O-que-s%C3%A3o-plataformas-de-fazendas-de-clique-e-por-que-elas-importam/
Karhawi, I. (2020). De blogueira a influenciadora: etapas de profissionalização da blogosfera de moda brasileira. Porto Alegre: Sulina.
Karhawi, I. (2021). Notas teóricas sobre influenciadores digitais e Big Brother Brasil: visibilidade, autenticidade e motivações . E-Compós, 24. https://doi.org/10.30962/ec.2182
O’Meara, V. (2019). Weapons of the Chic: Instagram Influencer Engagement Pods as Practices of Resistance to Instagram Platform Labor. Social Media + Society. https://doi.org/10.1177/2056305119879671
Siciliano, M. L. (2021). Creative Control: The Ambivalence of Work in the Culture Industries. Columbia University Press.
YouPix. (2021). Pesquisa ROI & Influência 2021. https://medium.youpix.com.br/voc%C3%AA-sabia-que-1-em-cada-3-empresas-n%C3%A3o-define-m%C3%A9tricas-e-kpis-antes-de-realizar-uma-a%C3%A7%C3%A3o-com-be53fc18963
* Esse trabalho foi apresentado pela autora na conferência “Global Perspectives on Platforms and Cultural Production” na University of Amsterdam, em junho de 2022, sob o título “Subvertendo o algoritmo e agradando os seguidores: campanhas de engajamento de influenciadores digitais brasileiros no Instagram”.