Não é a maravilha que descreveu o vereador Cláudio Ávila (União Brasil), inimigo do sindicato dos professores, mas ao menos o Projeto de Lei 49/2023 não representa a extinção da eleição de diretores e vices em Gravataí, nem a escolha a partir de lista tríplice apresentada pelo governo de plantão: é mantida a votação, mas com critérios de seleção para candidatos, além de igualar o peso dos votos entre toda comunidade escolar.
O PL chegou à Câmara de Vereadores na última semana e é ‘pauta-bomba’ para ser votada em até 45 dias; antecipei a polêmica em ‘Teste de governabilidade’: mudança na eleição direta de diretores de escola é pauta-bomba na base do governo Zaffa; “Ideb precisa melhorar muito, para ficar apenas aceitável”, diz prefeito.
Caso aprovado o projeto, e tende a ser, a eleição é prevista para acontecer 90 dias após a promulgação da lei, com mandato de 5 anos, para coincidir com o mandato de prefeito.
Reputo há um erro essencial e um absurdo na proposta do prefeito Luiz Zaffalon (MDB). Os dois pontos foram reivindicados pela categoria após assembleia geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública Municipal de Gravataí (SPMG), mas não foram alterados pelo governo.
Vamos às informações, com análise.
Conforme o PL, o provimento da função de diretor e vice-diretor escolar será realizado em quatro etapas, em caráter eliminatório:
I – A primeira: prova escrita para avaliação de conhecimentos e habilidades necessárias à gestão escolar;
II – A segunda: avaliação psicológica;
III – A terceira: apresentação do plano de gestão para a unidade escolar;
IV – A quarta: processo eleitoral.
Parece-me um absurdo a exigência de psicotécnico. Significa que há possibilidade do candidato ser eliminado no exame e voltar normalmente para a sala de aula. Registre-se: não há “avaliação psicológica” para presidente, governador, prefeito ou vereador.
Os requisitos para concorrer são os mesmos da legislação atual:
I – Ter no mínimo, 01 (um) vínculo efetivo e estável na Rede Municipal de Ensino de Gravataí, com experiência na área da educação;
II – Possuir habilitação em nível superior vinculado à área da educação de acordo com a terminalidade da escola;
III – Não ter sofrido penalidade administrativo disciplinar que desabone a sua conduta profissional;
IV – Não ter antecedentes criminais;
V – Estar há pelo menos três (03) anos lotado ou estar em exercício da função na unidade escolar da função de diretor e/ou vice-diretor pretendido, até a data de encerramento das inscrições da primeira etapa;
VI – Situação regular com a receita federal;
VII – Situação regular com as obrigações eleitorais.
Terão direito de voto:
I – Os alunos maiores de 12 (doze) anos e/ou 5o ano das séries iniciais do Ensino Fundamental regularmente matriculados na escola;
II – Um dos pais ou responsáveis legais pelo aluno menor de 18 (dezoito) anos perante a escola;
III – Os servidores públicos, detentores de cargos em provimento efetivo, que exercem lotação na escola no dia da eleição.
§ 1º O voto é secreto e ninguém poderá votar mais de uma vez na mesma escola, ainda que represente legalmente mais de um aluno, segmentos diversos, acumule cargos ou funções.
§ 2º Não terão direito a voto os estagiários, servidores terceirizados, convocados, contratados temporariamente, permutados e cedidos.
Uma alteração é na proporcionalidade dos votos. Diz o PL que “todos os votos serão computados com igual peso, (ou seja, peso 1), para todos com direito a voto previstos neste artigo”.
A legislação que está em vigor prevê pesos diferentes nos votos: “50% dos votos para o segmento pais, de 35% para o segmento membros do magistério e servidores e de 15% para o segmento alunos maiores de 12 (doze) anos e/ou 5º ano das séries iniciais do Ensino Fundamental”.
Na definição do resultado final, é necessário que o candidato tenha o maior número de votos válidos. Se houver uma única candidatura, é necessário receber 50% mais um de aprovação entre os votos válidos, excluindo os brancos e nulos.
Em caso de empate no processo eleitoral, assumirá o candidato melhor colocado na etapa I (prova escrita).
O PL também obriga o diretor e vice realizar um curso de gestão “a ser promovido pela Secretaria Municipal da Educação, no primeiro ano de mandato ou já tê-lo realizado há menos de 5 anos”.
Aí vem o que – pela lógica do projeto, que é estabelecer critérios de seleção – considero um erro essencial.
Prevê o projeto que “por falta de inscrição ou ocorrendo a reprovação de todos os candidatos na 3ª etapa, as funções serão indicadas por ato do Prefeito Municipal em conjunto com o Secretário Municipal da Educação”.
Vale o mesmo para a vacância da função de diretor, que ocorrerá “por conclusão de mandato, renúncia, aposentadoria, falecimento ou destituição”, caso o vice não queira assumir a função: “o Prefeito Municipal, em conjunto com o Secretário da Educação, indicará uma nova equipe composta de Diretor e Vice-Diretor Escolar”.
Por que reputo um erro? Porque prevê a nomeação indireta (justificada pela falta de interessados), mas sem obrigar a submissão dos ‘interventores’ aos mesmos critérios dos candidatos ao voto da comunidade escolar.
Deveria, pelo princípio da isonomia, prever que indicados pelo prefeito também sejam submetidos à prova escrita, psicotécnico, curso de gestão e demais pré-requisitos.
Como está, o prefeito de turno, seja quem for (porque a legislação é, ao menos até ser alterada, perene), pode optar pelo critério político e não ‘técnico’ – justificativa que, ao menos, é vendida como essência do projeto.
Entendo justificável, aí pela urgência, apenas o artigo 25, que prevê indicação pelo governo caso a vacância ocorra em até 90 dias antes do fim do mandato.
Também considero polêmica a segunda das três previsões de destituição de diretores e vices; que podem ser afastados durante procedimentos de apuração.
I – Após sindicância em que lhes seja assegurado o direito de defesa em face à ocorrência de infração ou irregularidade funcional, prevista na Lei Municipal no 681/1991, e alterações posteriores, como passível de pena de demissão;
II – Descumprimento do Plano de Gestão da unidade escolar, que será apurado mensalmente através de indicadores de desempenho, previamente negociados;
III – Não certificação no curso de gestão previsto no art. 5o desta Lei.
Como está o PL, restamos reféns do bom senso, do “previamente negociado” e, inevitavelmente, também de um ‘pós negociado’. Sim, porque, por exemplo, uma pandemia destruiria qualquer plano de gestão.
A justificativa do prefeito
O prefeito Luiz Zaffalon já tinha defendido alterações no processo eleitoral, em entrevista à SEGUINTE TV, em 2022, e neste ano; assista e leia em A ‘pauta-bomba’ de 2023: Zaffa vai mexer na educação de Gravataí; Na mira, eleição de diretores de escolas e uso de horas aula e ‘Teste de governabilidade’: mudança na eleição direta de diretores de escola é pauta-bomba na base do governo Zaffa; “Ideb precisa melhorar muito, para ficar apenas aceitável”, diz prefeito.
Na justificativa do PL enviado para a Câmara assina:
“A proposta de alteração de Lei, na forma da seleção dos diretores de escola, é a necessidade de qualificar o quadro de profissionais que atuam como gestores das Escolas da Rede Municipal de Ensino de Gravataí, de forma a selecionar um gestor capacitado e com conhecimentos de gestão para que possa desempenhar suas funções de forma eficiente, gestão didática pedagógica, na gestão de recursos financeiros e na gestão de pessoas, bem como a necessidade de adequação da legislação municipal à condicionante I da Lei Federal no 14.113/2020, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), estabelecendo critérios técnicos de mérito e desempenho para o provimento do cargo ou função de gestor escolar”.
Zaffa alerta para a necessidade de aumentar as notas do Ideb:
“Em relação ao IDEB, a rede Municipal de Gravataí apresentou um crescimento de 27% nos últimos dez anos nos resultados referentes aos anos iniciais, mesmo com a queda na edição de 2011. Apesar do crescimento, a rede não vem alcançando a meta do MEC desde a edição de 2013. Nos anos finais, a rede apresentou crescimento de 24% nos últimos dez anos, melhorando a posição no ranking estadual em 2019, embora ainda apresente resultado inferior à projeção do MEC para a rede”.
O prefeito também sustenta a necessidade de diretores e vices preparados para gerir orçamentos: “Em 2021 foram repassados R$ 13,9 mi para a rede municipal de ensino de Gravataí, 88% desses valores através do repasse municipal e 12% através de ações do PDDE”.
Clique aqui para ler a íntegra do projeto e da justificativa – não posso desler alguns trechos, mas como para detalhar a crítica precisaria estender este artigo para uma tese, resumo desnecessário citar o “Conselho Britânico” e o “relatório Mckinsey, realizado por uma consultoria empresarial norte americana” pelo modelo de ensino brasileiro não ter nada a ver com EUA ou Reino Unido – e não é complexo de vira-latas; apenas não há conexão mínima com nossa realidade curricular, social-econômica e, por mais avanços que se reconheça, estrutural.
Descrevo o PL 49 como ‘pauta-bomba’ porque é um tema complexo. Para se ter uma ideia do universo envolvido nesta polêmica, Gravataí tem a segunda maior rede de ensino do Rio Grande do Sul, atrás apenas de Porto Alegre. Entre as 102 escolas, são mais de 2 mil professores e mais de 30 mil alunos – isso além das famílias.
Aqui no município a eleição direta foi aprovada em 1997, no governo de Daniel Bordignon (PT), mas nacionalmente está – ou deveria estar – no DNA do ‘velho MDB de guerra’, partido no qual Zaffa militou por 33 anos e onde permanece seu ‘Grande Eleitor’ de 2020, o ex-prefeito Marco Alba; a vitória do partido em 96% dos estados brasileiros representou em 1986 uma vitória da oposição sobre a ditadura, o autoritarismo e o conservadorismo político.
Essa foi uma das ideias – assentadas na Constituição de 1988 – de reorganização da sociedade e de um novo tipo de escola, baseadas no entendimento de que a democracia deveria permear todas as práticas sociais; no caso, com direções eleitas e não indicadas político-partidariamente, e/ou ideologicamente.
Grosso modo, é permitir a escolha de um “líder” pela comunidade escolar, não submetê-la a um “chefe” imposto por políticos; a horizontalidade democrática e não a verticalidade autoritária.
O diretor solitário
Ao fim, se não teria os 14 entre 21 vereadores necessários para extinguir a eleição direta de diretores, o governo Zaffa já tem os 11 votos suficientes para aprovar o PL 49. Então, experimentaremos em Gravataí esse modelo híbrido, no qual se mantém a eleição direta, mas se faz uma pré-seleção dos candidatos.
É da democracia. Certeza apenas que, infelizmente, o povo brasileiro não consome os valores democráticos como o ar ou a água. Não temos uma cultura de participação social e é comum a delegação das responsabilidades.
O diretor após eleito é, quase sempre, e não por escolha, um solitário, alguém para carregar nos ombros a responsabilidade pela prática escolar, que deveria ser cada vez mais solidária.
Assista o que disse Zaffa na entrevista para SEGUINTE TV:, em dezembro de 2022