RAFAEL MARTINELLI

A GM fechou em Gravataí; A pena de morte, o emprego roubado

A manchete assusta, né? Não é um pinote, como a Ford, que seria a pena de morte para Gravataí, mas a General Motors suspendeu mais uma vez a produção na fábrica mais produtiva da montadora que, acelerada com três expansões e R$ 4,5 bilhões de investimentos, desde a inauguração em 2000, emprega milhares e responde por praticamente metade do orçamento municipal bilionário.

O pátio do complexo automotivo no Parque dos Anjos segue cheio de carros. O programa de incentivos do governo Lula não foi suficiente e, a parada da Volkswagen em São Paulo, mostra que há uma doença sistêmica no setor que em 2023 bateu recorde de paralisações, gera muitos (meio bilhão) e bons empregos, além de ajudar no crescimento da economia do país; onde corresponde a 2 a cada 10 reais do PIB brasileiro.

Essa doença chama-se juros escandalosos mantidos por Roberto Campos Neto no Banco Central; volto a essa ‘pena de morte’ neste artigo.

Conforme o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí (Simgra), Valcir Ascari, a paralisação que começou nesta terça-feira e vai, inicialmente, até sexta, atinge os 7 mil trabalhadores, incluindo as sistemistas e terceirizados.

Para efeitos de comparação, o custo mensal de uma suspensão é de R$ 5 milhões, uma ‘Ponte do Parque dos Anjos’ a cada 30 dias, ou 5 reais por minuto. Já são quase 12 meses de paralisações, entre o 2020 da pandemia e 2023.

Se na suspensão de 10 dias em maio o secretário da Fazenda de Gravataí Davi Severgnini disse ao Seguinte: que as contas equilibradas da Prefeitura de Gravataí permitem um ‘airbag’ para suportar as perdas, as novas paradas na produção (houve outra em junho) preocupam o prefeito Luiz Zaffalon.

À época, Davi, reconhecido por seu realismo ao publicizar os altos e baixos do orçamento municipal, que só na pandemia perdeu R$ 50 milhões em receitas, parte pelas interrupções na produção do complexo automotivo, tranquilizou:

– Fechamos o primeiro quadrimestre 29% acima de 2022, que já foi 118% maior que 2021. Ainda que se percam esses dias, há uma gordura para queimar.

Hoje Zaffa está preocupado.

Além dos milhões em ICMS que deixam de ser repassados, só em 2023 foram perdidos R$ 3 milhões em ISS, o imposto municipal sobre serviços.

Fato é que o efeito do programa do governo federal para estimular a compra de carros populares não fez milagres.

A GM aderiu a R$ 20 milhões em créditos tributários, dos R$ 320 milhões solicitados por nove montadoras, dos R$ 500 milhões disponibilizados pelo governo federal.

Os diferentes modelos do Onix produzido em Gravataí tem descontos que variam entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Clique aqui para ver o bônus conforme 266 versões de 32 modelos.

– É paliativo. O carro ainda está muito caro – já tinha antecipado ao Seguinte: o presidente do Simgra.

Sem os incentivos, os veículos produzidos em Gravataí eram comercializados a preços entre R$ 82 mil a R$ 112 mil.

Ao Monitor Mercantil, o coordenador dos cursos automotivos da Fundação Getulio Vargas (FGV), Antonio Jorge Martins, alerta que, como o foco do programa é o curto prazo, “talvez” não resolva os estoques acumulados de automóveis.

O especialista explicou que um dos motivos pelos quais pátios de montadoras e concessionárias têm ficado lotados é o encolhimento do poder de compra dos brasileiros ao longo dos anos e o paralelo avanço da tecnologia automotiva, com consequente encarecimento do produto.

Ao passo que os veículos foram ganhando cada vez mais artefatos tecnológicos, os preços subiram e a parcela da população com condições de comprá-los diminuiu, uma vez que os salários, mesmo sob reajuste, não acompanharam as altas cifras deixadas nas concessionárias. Essa tendência de aprimoramento tecnológico seguido de encarecimento não é uma exclusividade do mundo dos veículos, ressaltou.

– Em nível de mercado brasileiro, por exemplo, as televisões. À medida que vão aumentando seu poderio tecnológico, ficam cada vez mais caras. Existe, hoje, uma diferença entre o que as pessoas podem comprar e aquilo que está sendo oferecido. Então, por que hoje não se chama mais de carros populares? Porque os carros populares que existiam nos anos 90 eram carros desprovidos de segurança e conectividade. Era outro tipo de produto, que hoje não existe mais – apontou o especialista.

– Houve também uma mudança do próprio perfil de consumo da sociedade. Um exemplo prático: se nós oferecermos aquele celular tijolão, dificilmente teremos compradores. A realidade hoje do mercado é que, realmente, todo mundo tende a aspirar àquilo que tem mais tecnologia e, no caso do veículo, isso também se faz presente – acrescentou.

Disse mais:

– Na realidade, houve uma disruptura total do setor automotivo, entre o modo como ele funcionou ao longo dos últimos 100 anos e como passou a funcionar a partir dos anos 2000. Qual a grande diferença? Tenho um grande número de companhias que efetivamente possuem uma cultura analógica e outra que, de forma geral, já nasceram sob a ótica digital. Estas que nasceram sob a ótica digital têm muitas dificuldades culturais de se adaptarem a uma nova realidade de mercado, que é o fato de que, hoje, o setor se torna muito mais dinâmico do que era há 100 anos ou do que vem sendo. Esse dinamismo se dá, principalmente, pela inovação constante de tecnologia. Produtos que realmente requerem tecnologia crescem em preço.

Aí entra o exemplo da GM, e os carros ‘populares’.

– Isso está bem localizado em cima de algumas montadoras, que efetivamente estavam voltadas ao volume de produção e não à venda de produtos com maior conteúdo tecnológico e que efetivamente apresentam maior lucratividade, mas um menor volume.

Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla), Marco Aurélio Nazaré, elogiou a iniciativa do governo, mas fez advertências.

– Nós temos um endividamento muito alto da classe C para baixo, uma perda de poder aquisitivo, uma incapacidade de absorção de parcelas de financiamento, assim como uma taxa de juros extremamente alta. Porque um carro financiado em 36 vezes dobra de preço – disse, constatando que fica impossível de se absorver no orçamento a parcela, mesmo que seja parte do valor do carro, mesmo que se dê um valor de entrada, para a compra de um carro por pessoa física.

– Tanto que foi a classe média que comprou os carros que foram destinados nesse programa do governo e não a classe que, de fato, deveria comprar e que é o que o governo gostaria que comprasse – concluiu.

Vamos à pena de morte para o Brasil?

Nesta obviedade estamos associados, o ‘chefão’ dos metalúrgicos, o Nobel de Economia Joseph Stiglitz e eu: o vilão são os juros altos, em uma economia que só agora começa a dar sinais de recuperação.

– Ou o país, do trabalhador ao patrão, pressiona para o Banco Central baixar os juros, ou nem Jesus salva – avalia o dirigente que, como secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos puxa campanha nacional pela redução na taxa de juros.

É o ‘efeito pena de morte’ dos juros altos – 8% real –, denunciado inclusive pelo Nobel de Economia como “capaz de matar qualquer economia”, como já reportei em GM: após a festa dos 4,5 milhões de carros, a ressaca; A ‘pena de morte’ para Gravataí.

A expectativa em março era de que, sem uma mudança na política do Banco Central, ou uma intervenção do governo, como a que ocorreu com o programa de incentivos à compra de carros ocorre, o quadro de desaquecimento de vendas se prolongasse até 2024, com constantes suspensão de produção, conforme estudo de economistas do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do banco Bradesco.

 “Ao contrário do último biênio, em que a oferta era a principal fonte de desafios da indústria automobilística, a demanda deve ser o fator-chave para o cenário de 2023-2024”, assinalou o Depec, em relatório assinado pelo economistas Renan Bassoli Diniz e Myriã Bast.

Para efeitos de comparação, em 2019, as vendas de veículos no Brasil foram de 2,787 milhões de unidades. No ano passado, esse número caiu para 2,104 milhões de unidades, 24,5% a menos.

E os estoques estão recompostos, com a retomada do fornecimento global de semicondutores, cuja falta fez com que no pico da pandemia os estoques correspondessem a apenas 10 dias de vendas.

Conforme o levantamento do Estadão, no fim de fevereiro havia 187,4 mil carros nos pátios das montadoras e das concessionárias, suficientes para 40 dias de vendas, acima da média normal que é de 30 a 35 dias.

Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, disse à reportagem que o problema da falta de consumidores já vinha ocorrendo, mas no ano passado foi, de certa forma, “maquiado” pela falta de chips.

Ainda em março, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta crescimento de apenas 4% nas vendas em 2023. A previsão é era de que boa parte dos mais de 600 mil carros que deixaram de ser produzidos nos últimos dois anos por falta de peças seria vendida neste ano.

– Isso não deve ocorrer diante da perda do poder de compra do consumidor, inflação e juros altos, restrição dos bancos na liberação de crédito por causa da inadimplência e indefinições de políticas econômicas por parte do novo governo – profetizou, à época, Trujillo.

Estudo da S&P Global mostra que a indústria automotiva brasileira opera com quase 40% de ociosidade. A capacidade produtiva do setor é de 3,6 milhões de veículos ao ano com a maioria das fábricas operando em dois turnos. Se fosse em três turnos, seria de 4,3 milhões de unidades.

– Além de ajustes com férias coletivas, como já está acontecendo, é possível que ocorram demissões – previu Trujillo.

Ao fim, traduzindo do economês: tem carro no pátio, mas não tem gente com grana para comprar zero. Para completar o ciclone, não há previsão na queda de juros pela ‘República do Banco Central’. Inevitavelmente, funcionário da GM, Campos Neto vai roubar seu emprego, ou de algum colega, assim como acontece com a receita de Gravataí.

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