RAFAEL MARTINELLI

Necessidade de STF se conter e de Lula ser mais conciliador é conversa mole

Associo-me mais uma vez ao jornalista Reinaldo Azevedo em Necessidade de STF se conter e de Lula ser mais conciliador é conversa mole.

Sigamos o texto.

Circulam por aí dois papos-furados, bastante influentes na imprensa e entre colunistas e poetastros do direito. Num caso, sustenta-se que o Supremo tem de voltar a seu leito, agir com moderação, interferindo menos na política. Mais um pouco, e ainda ovacionam a iniciativa de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, que tenta blindar o governo de decisões da Justiça, sob o pretexto de que a Suprema Corte se comporta como se Executivo fosse. Para registro: o “STF” deles tem muito mais poder do que o nosso, é fato, mas, se concluído o processo, ter-se-á um governo acima da lei, cujo sinônimo é “fora da lei”. Haverá de se inventar um nome para o regime. Democracia não será mais, ainda que a mutação se dê com a aprovação do Parlamento. Volto ao Brasil. A outra bobagem consiste em afirmar que o presidente Lula está a estimular a intolerância quando critica o bolsonarismo. É sério? Vamos ver.

Quem acompanha o que escrevo deve intuir que acho uma estupenda tolice essa história de que o “tribunal, passado o risco, tem de começar a agir com mais parcimônia.” Refuto a tese de que ele tenha atuado de forma excepcional. É uma falácia. Sustento ainda que remanesce o risco de recidiva fascistoide. Neste sábado, o Biltre Homiziado e Milionário de Orlando me deu razão. Voltarei ao “Não-Estupraria-Porque-É-Muito-Feia” mais tarde.

Para que eu pudesse engrossar o coro dos que pedem moderação, necessário seria que eu reconhecesse os momentos em que os magistrados foram além de suas sandálias, ou de sua toga, ainda que não tivessem outra saída. Quando isso aconteceu? Que ação empreenderam em tempos de guerra que não seria aceitável em tempos de paz? Demonstrem!

A acusação, por exemplo, de que o Inquérito 4.781, o das “fake news”, viola o sistema acusatório porque aberto de ofício, não a pedido do Ministério Público, é infundada. Estou entre aqueles que entendem que o Artigo 43 do Regimento Interno do STF, recepcionado como lei pela Constituição de 1988, autoriza o procedimento. Lembro:

“Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro”.

“Ah, mas isso diz respeito apenas ‘à sede ou dependência’ etc…” Pois é. Há a norma e há o tempo e as circunstâncias em que ela vigora. Indago: na era da votação virtual, essa tal sede é a de tijolos? A questão é bisonha. Ademais, já foi submetida ao plenário, que endossou a abertura da investigação por 10 votos a um.

“E a duração excessiva desse e de outros inquéritos?” Bem, terei de recorrer a um julgado do STJ de dezembro de 2021, na Sexta Turma. Transcrevo do site oficial:

“Em seu voto, o relator do habeas corpus, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou que o tempo transcorrido desde o início das investigações, por si só, não pressupõe a existência de constrangimento ilegal, sendo necessário avaliar a complexidade dos fatos em apuração.

O magistrado citou entendimento da Quinta Turma segundo o qual a constatação de eventual excesso de prazo ‘não é resultado de operação aritmética de soma de prazos’.”

Foi seguido de forma unânime pelo colegiado.

Ou se opina com leis e jurisprudência ou se opina com os cotovelos, como tem sido frequente por aí. O Inquérito 4.781 e os que o seguiram — e ignorar os fatos corresponde a condescender com a corrosão institucional — mantiveram intocadas as regras do jogo, ainda que a qualidade da democracia tenha sido rebaixada, com as instituições permanentemente agredidas por um impune e imune candidato a déspota. E concorreu para tanto a escandalosa inércia da Procuradoria-Geral da República.

Atenção! É fato que, numa situação em que a PGR se mostrou inerme — quando não buscou normalizar os arreganhos autoritários do “Não-Estupraria-Porque-Não-Merece,” por intermédio dos estupefacientes arrazoados irrazoáveis de Lindôra Araújo —, sobressaíram-se os togados como a barreira de contenção. Com efeito, não foram coniventes com a desordem, como aqueles fardados do DF que abriram passagem aos arruaceiros no dia 8 de janeiro.

Ocorre que nem mesmo a omissão do MPF levou os ministros além do que lhes reservam a Constituição e a jurisprudência. Que se saiba, não abriram ações penais ao arrepio da opinião do órgão acusador. Não é hora de voltarem à sua esfera de competência porque nunca a abandonaram. Nestes dias estranhos, em que não é assim tão raro encontrar perorações de fundo golpista até na outrora chamada “grande imprensa”, mais devem eles ficar atentos aos valores consagrados pela Carta.


O ataque de Roma


Essa ladainha tonta e frouxa de que é a hora da normalidade, como se anormal fosse defender a ordem constitucional, ressurgiu com força depois do ataque de que foram vítimas em Roma Alexandre de Moraes e seus familiares.

“Ah, o foro dos acusados deveria ser o Supremo?”

“Não é exagerado o mandado de busca e apreensão?”

Em tempos normais, o ataque de um grupo a um ministro e sua família não haveria de merecer especial atenção, ainda que o ato devesse ser punido com dureza. Mas vivemos tempos normais? “Ah, Reinaldo, você acaba de se contradizer e admite o que negou, a saber: a atuação excepcional”. Errado! Dados os inquéritos que apuram ações golpistas e congêneres, aplica-se a regra a do bom direito. Irresponsável teria sido ignorar o conteúdo — comprovado — das agressões, a cadeia de eventos que as antecede, de que os processos em curso são parte, e o crime que realmente se cometeu: atentado contra o livre exercício de um Poder.


Lula e a conciliação


Prima-irmã da tese da hipertrofia do Poder Judiciário é a acusação de que Lula descumpre uma promessa quando critica Bolsonaro porque isso não concorreria para a conciliação.

O agora presidente buscou o entendimento já como candidato. Olhem quem é seu vice e o histórico de ambos. Continuou nessa trilha ao escolher seu ministério e nela seguirá com a provável atração de PP e Republicanos. O arcabouço fiscal e a reforma tributária estão à direita da centro-esquerda. São, efetivamente, centristas.

Será mesmo que Lula estica a corda? Esperavam o quê? Piscadelas para fascistoides? Lhaneza com o “Acabou, porra!”? O conciliador que interessa ao futuro do Brasil é o que lança o maior Plano Safra da história, sabendo que boa parte daqueles que serão beneficiados pela grana esteve na base de apoio do ogro milionário. É claro que o agro é fundamental para a economia brasileira e que o país sai ganhando. É uma decisão técnica, que dispensa o rancor político. Conciliação.

O “extremismo de centro” — uma ideologia teratológica que só existe no Brasil — queria o quê? Que o presidente se abstivesse de fazer política e de demarcar os territórios de governo e oposição? Seria uma burrice.


O Rei do Pix e da Arruaça


Neste sábado, Bolsonaro esteve em Florianópolis para um evento do PL Mulher. Referiu-se aos baderneiros de 8 de janeiro — aqueles de quem alguns colunistas estão com peninha — nos seguintes termos:

“Hoje, temos aproximadamente 300 irmãos presos em Brasília, de forma covarde, de forma arbitrária. Esse sofrimento, se Deus quiser, chegará ao seu fim.”

A maioria dos presos partiu para a ação direta, para a depredação das respectivas sedes dos Três Poderes. Segundo o chefe da fraternidade, são, obviamente, seus “irmãos”, e as prisões seriam “covardes” e “arbitrárias”. É mesmo? Conhece cada processo? Sabe se está dada ao menos uma das razões previstas no Artigo 312 do Código de Processo Penal para que se mantenha a preventiva? Não sabe nada.

Bolsonaro está fazendo uma escolha. Deixa claro que tipo de militância abriga em suas hostes. Mais do que isso: é inescapável concluir que está a endossar, ao menos de forma tácita, o ataque de 8 de janeiro. O presidente Lula tem a obrigação de enfrentar tal delinquência sem ambiguidades.

Ah, sim: o folgazão também se referiu aos R$ 17,2 milhões que recebeu, via PIX, nos seguintes termos:

“Muito obrigado a todos aqueles que colaboraram comigo no PIX, há poucas semanas. Mais do que o valor depositado, quase um milhão de pessoas colaboraram, de R$ 0,20 a R$ 20 em média. Muito obrigado, dá para pagar todas as minhas contas e ainda sobra dinheiro aqui para gente tomar um caldo de cana e comer um pastel com a dona Michelle”.

Faz pouco caso da população. A imprensa continua a lhe dar uma colher de chá quando informa que ele recebeu essa bolada no primeiro semestre (até 4 de julho) e que a soma fabulosa se deve, provavelmente, à divulgação de seu PIX com o objetivo de arrecadar dinheiro para fazer frente a retenções judiciais. É sério?

A chave só se tornou pública no dia 23 de junho. Toda a grana que ele recebeu antes nada tem a ver com isso. Ou a bolada milionária caiu na conta em meros 12 dias? É uma piada.


Encerro


Quem chama golpistas de irmãos está emitindo um sinal político. Havendo a comunhão de convicções, então o pregador e seus fiéis pertencem à mesma igreja do ódio à democracia. Bolsonaro, ele sim, quer guerra, não conciliação.

O milagre do maná indica que o extremista de direita dispõe de instrumentos para mobilizar recursos milionários, ainda que essa história esteja mal contada. O fato é que dinheiro está lá.

De Lula, no que lhe compete e dentro dos limites do Executivo, espero tolerância zero com os que ameaçam a ordem democrática. E o mesmo digo sobre o Supremo. Hora de se recolher? Não pode fazê-lo quem não se assoberbou. Cumpra-se a lei. Que continue a ser a barreira instransponível dos que ousam desafiar a Constituição, as instituições e as leis.

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