JEANE BORDIGNON

Cuidar de quem?

Mulheres são socializadas para o cuidado desde o início da vida. A gente ainda está de fraldas e chupeta, mas já dão uma boneca no nosso pequeno colo e incentivam a “fazer o nenê naná”, “dar papá”, acalmar o choro (lembram das bonecas que tinham um mecanismo de choro nas costas?), trocar fralda e roupinha. Nem aprendemos a ser filhas ainda, e já estamos brincando de ser mãe.

É assim que as meninas são condicionadas a olharem muito mais para os outros do que para si. Primeiro vem as necessidades dos filhos, do marido, dos pais, dos amigos, do cachorro, do gato… Se der tempo, a mulher cuida de si. Mas que tempo, se está sempre em função de outro ser?

Um dos meus principais motivos para não botar uma criança no mundo é a consciência de que nem dou conta de cuidar de mim direito, como vou cuidar de uma pessoinha que vai ser minha responsabilidade full time? E que vai ter mim um modelo, um exemplo? Maternidade é o trabalho mais difícil que existe. Um erro seu pode impactar em toda a vida daquele ser humano. É, sou paranóica demais para essa missão.

E mesmo com essa consciência, já esqueci de mim muitas vezes e me doei mais do que podia no cuidado com parceiros, com amigos. Além disso, apesar de ter sido uma neta muito presente, até hoje tem uma cobrança interna de que podia ter dado ainda mais de mim para minhas avós. Como se um pouco mais de atenção pudesse ter feito diferença, não só no tempo que pude compartilhar, mas no fim da vida delas.

Com meus pais, então, é constante a sensação de que nunca vou fazer o suficiente. Ainda mais que já entramos naquela fase em que os papéis se invertem. E eu também não sou mais uma menina, os 44 estão quase batendo aí. Por mais que a cabeça esteja melhor do que nunca, o corpo sente a idade, dói e cansa muito mais. Então, cada vez mais é necessário que eu cuide de mim mesma para poder cuidar de quem precisa de mim.

Sabem aquela instrução clássica que a gente recebe no avião? “Passageiros que viajam com pessoas que precisam de ajuda, primeiro coloque a máscara de oxigênio em você, para depois auxiliá-los” Pois é, serve para a vida. Ninguém consegue ajudar o outro se não estiver respirando, andando, pensando direito.

Mas nós mulheres somos ensinadas que sim, a gente dá conta de tudo e mais um pouco. E só entendemos a grande falácia disso quando já estamos indo ao psiquiatra para tratar de ansiedade e esgotamento, ao ortopedista para tratar dores por todo o corpo, ao gastro para tratar do estômago que dói ou de um refluxo que você de repente passou a ter, ao dentista para tratar do bruxismo e até de dentes quebrados de tanta tensão, ao neuro para tratar da enxaqueca, e ainda adiando de ir ao dermatologista para ver porque os cabelos caem tanto. Ufa!

Se a gente não pára e olha para si, em algum momento o corpo vai obrigar você a parar. E não vai ser de uma forma delicada. Mas num baque forte que te obriga a adiar vários planos. Nessa pausa forçada, você pode repensar até o ritmo da vida. Talvez o mais importante seja entender que você não dá conta de tudo, não pode controlar tudo, e a maioria das coisas vão acontecer sem a sua interferência.

Sabe onde realmente você faz diferença? Na própria vida e no próprio cuidado. Ninguém vai cuidar de você como você mesmo. “Viver é afinar o instrumento / De dentro pra fora / De fora pra dentro”, escreveu Walter Franco, na linda canção Serra do Luar. E é isso, viver é constantemente ajustar o instrumento chamado corpo para que possa tocar bem a música da nossa vida.

Uma atividade física pode ser um carinho que a gente dá a si mesmo. Um copo de água fresca, Uma refeição saudável. Uma sessão de psicoterapia. Uma boa noite de sono. Um bom papo com amigos. Um bom livro, uma boa música, um bom filme… Passar um creme na pele, lembrar do protetor solar, usar um xampu novo, fazer uma maquiagem mesmo que simples… Às vezes nem precisa muito tempo para mudar o dia. Pequenos momentos em que a gente olha para si já vão carregando nossa bateria interna.

Aí sim a gente tem mais força para as tantas missões do dia a dia. Mas não podem ser elas o centro da nossa vida. Mais uma falácia alimentada principalmente na mente das mulheres durante séculos: priorizar-se é ser egoísta. Não! Na verdade, é amor próprio. E uma mulher que encontra seu amor próprio não aceita mais migalhas nem submissão, né? Mas isso é assunto para outra coluna.

Cuide do seu bem maior: você. 

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade