RAFAEL MARTINELLI

Não é possível que Leite abra mão de 300 milhões da cobrança pelo uso da água, 25 mi só na Bacia do Gravataí. MPRS aciona judiciário; O pobre defensor de bilionário

Rio Gravataí

É um absurdo que no pós-enchente, não por inação, mas pela aparente convicção de não implantar a cobrança pelo uso da água, o governador Eduardo Leite (PSDB) siga abrindo mão de arrecadar mais de R$ 300 milhões por ano para enfrentar cheias e secas – R$ 25 milhões só para a Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí.

Calma, e em tempos nos quais pobres viraram advogados de bilionários é preciso explicar: custará centavos na sua conta de consumidor. Quem paga mais para salvar o rio, no volume da venda e produção, é a Corsan privatizada, que comercializa o ‘produto água’, e gigantes como a GM, que usa a água como insumo; explico ainda neste artigo.

Terça-feira o Ministério Público Estadual solicitou ao 2º Juízo da Vara Cível e Ações Especiais da Fazenda Pública de Porto Alegre que julgue procedente a Ação Popular 5006486-82.2022.8.21.0001 e determine que o governador implante imediatamente a cobrança pelo uso da água.

“(…) A omissão estatal quanto à implementação da cobrança pelo uso da água ensejou o ajuizamento de ações civis públicas em outros estados (…)”, alerta o MPRS, citando Goiás e Minas Gerais, estados onde o judiciário determinou a cobrança.

A petição também cita o protagonismo do Comitê Gravatahy e do Comitê da Bacia dos Sinos, que tem priorizado a cobrança como instrumento de gestão das águas.

Dia 10, em Viamão, plenária do CBHGravatahy votará os valores para uso da água na bacia, calculados com apoio técnico do professor doutor em engenharia de recursos hídricos e ambiental pela Universidade da Califórnia, Guilherme Marques, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Ufrgs.

– É um instrumento fundamental para fazermos gestão e distribuirmos o uso das águas dentro da Bacia, seja subterrânea ou superficial – explica o geólogo Sérgio Cardoso, gravataiense que preside o Comitê de Gerenciamento da Bacia do Rio Gravatahy.

Diz a petição do MPRS:

“(…) Desde 2014 o Ministério Público Estadual, por meio das Promotorias Regionais Ambientais de Bacia Hidrográfica dos Rios Gravataí e Sinos vem investigando a ausência de Agência de Águas e a não implementação da cobrança pelo uso da água no RS, Estado do Rio Grande do Sul, com violação expressa do disposto no art. 171, §3o., da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, da Lei Federal 9433/97 e da Lei Estadual 10.350/94, que institui o Sistema Estadual de Recursos Hídricos. Até hoje a cobrança pelo uso da água não foi implementada, além do que a SEMA ainda não atualizou o Plano Estadual de Recursos Hídricos, datado de 2014, necessário para viabilizar tal cobrança (…)”.

Segue, aí com um Dos Grandes Lances dos Piores Momentos – o governo negando dinheiro:

“(…) o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Procurador do Estado Juliano Heinen, à época lotado na Secretaria Estadual do Meio Ambiente, reafirmou que não tinha a intenção de implementar a cobrança pelo uso da água, pois não considera relevante tal valor para investimentos nos comitês de bacia (…)”.

O MPRS informa ainda que “(…) pelo menos desde o ano de 2019 os comitês de bacia não recebem do Estado do Rio Grande do Sul quaisquer recursos do Fundo de Recursos Hídricos – o que, por si só, dificulta ou inviabiliza o funcionamento dos colegiados, integrantes do Sistema Nacional (e Estadual, por conseguinte) de Recursos Hídricos (…)”.

Segue:

“(…) A existência de tal instrumento financeiro é sobretudo relevante diante do quadro de Emergência Climática que está sendo enfrentado pela humanidade, em especial pelo Estado do Rio Grande do Sul, que desde julho de 2023 já enfrentou um ciclone e três inundações dramáticas (setembro e novembro de 2023 e maio de 2024). Veja-se que, dentre os objetivos da Lei Federal 9433/97 consta “a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais” (art. 2o., III), o que mostra sua sinergia com a Lei Federal 12.608/2012, que institui o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil e adota a bacia hidrográfica como unidade de análise das ações de prevenção de desastres relacionados a corpos d’água (art. 4o. IV) (…)”.

E conclui:

“(…) Ou seja, na fase em que o Estado do Rio Grande do Sul se encontra, em que necessita de recursos para reconstrução e para o aprimoramento da gestão pública em múltiplos níveis, não é possível que o Poder Executivo Estadual siga renunciando à oportunidade de financiamento das políticas públicas em prol da proteção ambiental e da segurança hídrica (…)”.

CLIQUE AQUI para ler a petição na íntegra, assinada pelas promotoras Annelise Monteiro Steigleder (Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre); Roberta Morillos Teixeira (Promotoria de Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí) e Ximena Cardozo Ferreira (Promotoria de Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos).

Nota técnica do IPH também defende a cobrança.

“(…) Ao contribuir para atingir metas de qualidade da água, melhorar a garantia da disponibilidade de água no futuro, resolver problemas de escassez e vulnerabilidade a eventos críticos (ex: estiagens), implementar programas para redução na poluição (ex: poluição rural difusa), ampliar o monitoramento e aumento na eficiência do uso da água, o Plano de Bacia irá tornar a bacia hidrográfica mais bem preparada e adaptada para enfrentar os desafios futuros (como estiagens prolongadas) e evitar impactos severos (como a perda de qualidade da água) além de conflitos entre usuários (…)”, diz o estudo, que você acessa com gráficos CLICANDO AQUI.

Você também acessa o modelo de cobrança pelo uso da água na Bacia do Gravataí CLICANDO AQUI.


A conta dos 300 milhões


Como já reportei lá em 2022 em Custa centavos o ‘milagre’ para salvar o Rio Gravataí; A cobrança da água, fosse dividida equilibradamente a conta da ‘venda’ do ‘produto água’ que é retirado das maiores bacias da região (aí incluo Sinos e o Guaíba), mais de R$ 2 bilhões já poderiam ter sido investidos para garantir o abastecimento de mais de 1 milhão de pessoas com qualidade, quantidade e sustentabilidade, conforme levantamento da associação das prefeituras da Grande Porto Alegre (Granpal).

Os cálculos apresentados naquele ano em seminário da Granpal por Rodrigo Flecha – engenheiro civil, com especialização em engenharia sanitária e ambiental pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestrado em ciências e técnicas do meio ambiente em Paris e doutorado em economia do meio ambiente e dos recursos naturais pela Universidade de Paris (Sorbonne) – eram de que as 9 regiões gaúchas poderiam arrecadar até R$ 300 milhões anuais.

A bacia do Gravataí até R$ 25 milhões por ano; a dos Sinos R$ 37 milhões e a do Lago Guaíba R$ 46 milhões. Seriam quase R$ 110 milhões na região, exclusivamente para investimentos nos rios e meio ambiente.

Um exemplo local é o programa de revitalização da nossa bacia, que inclui 13 micro barramentos, que evitariam a falta de água de todo verão, primavera, outono e inverno em Gravataí, e tem orçamento de R$ 8,5 milhões; dinheiro ‘garantido’, com licenciamento ambiental concluído em maio, mas ainda não executado pelo Governo do Estado.


Quem tem que ‘pagar o condomínio’


Os ‘pagadores’ da cobrança pelo uso da água seriam as companhias de saneamento, como a Corsan, hoje propriedade da AEGEA, e o DMAE; indústrias (entre elas gigantes multinacionais como a GM); produtores rurais (arrozeiros, por exemplo); mineradores e outras atividades que exploram o Gravataí, Sinos e Guaíba.

– É como se a Bacia Hidrográfica do Gravataí fosse um condomínio, onde todo mundo paga pela limpeza, coleta do lixo, manutenção e reformas necessárias. Gostamos todos do Rio? É necessário que quem vende produtos usando água como insumo pague para mantê-lo vivo e utilizável – defende Sérgio Cardoso.

– Os recursos da cobrança permitiriam aos municípios executarem obras de segurança hídrica, para que todo verão não vivamos a loteria da falta de água, e também mitiguemos as cheias. Não adianta a Corsan fazer um grande reservatório na Morada do Vale e não ter água no Gravataí para captar. O custo será de centavos na conta – conclui o geólogo e ambientalista.

O prefeito de Gravataí Luiz Zaffalon, com a experiência de quem já presidiu a Corsan gaúcha, já disse ao Seguinte: ser um entusiasta da cobrança.

– Sou a favor. O Ceará cobra desde 1996 e outros estados também. É muito barato para todos. Em cidades mineiras custa R$ 0,80 por conta média de água e o recurso pode ser usado para obras necessárias. Com os recursos poderíamos ter prontos micro barramentos e instrumentalizar formas automáticas e tecnológicas de controles de poluição, níveis do rio, qualidade da água e etc. Se não existe cobrança ninguém se preocupa com o consumo. A agricultura e a indústria irão racionalizar o uso – disse Zaffa, no artigo que referi acima.

– É bom pra todos: meio ambiente e para usuários que terão água sempre. No Nordeste cobram porque lá é a solução para eles, já que a água é escassa. Para Gravataí (50%), Alvorada (100%) e Viamão (95%), que dependem do Rio, é vital. Somos o Ceará do Rio Grande do Sul – alertou à época, concluindo:

– Lei existe. Infelizmente aqui no RS só se discute, discute e… nada.

Para efeitos de comparação, ao menos até a privatização, a Corsan perdia metade da água que capta.

Ao fim, a pauta está na mão do judiciário. Resta claro que, sem um comando judicial, o governo estadual seguirá desrespeitando a lei e não vai instituir a cobrança.

Hoje a responsabilidade pelos rios é exclusiva do Estado. Juridicamente, seguiria. Mas, para usar o exemplo regional, a operação de recursos da cobrança da água seria feita em conta vinculada à Bacia do Gravataí. Os recursos não seriam drenados para o caixa único, nem dependeriam da ‘agilidade’ do Estado para tocar os projetos e obras.

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