RAFAEL MARTINELLI

#DasUrnas | Zaffa foi reeleito porque faz um bom governo em Gravataí, e mais

Zaffa, aos 71 anos, foi reeleito para o mandato 2025-2028 / Fotos Gabrielle Bech

No #DasUrnas, siga diariamente quem ganhou, quem perdeu, quem empatou e os números e análises da eleição de 2024.


Zaffa ganhou. Luiz Zaffalon (PSDB) teve uma vitória incontestável nas urnas, em Gravataí. Fez 64.125 votos, 51,17% dos válidos. Mais que os 57.659 votos (51,12%) de 2020, quando tinha como ‘Grande Eleitor’ Marco Alba (MDB), seu principal adversário nesta eleição.

Zaffa venceu porque fez um bom governo. É o óbvio ululante. Chegou a ter mais de 80% de aprovação em sua administração, mesmo enfrentando as conseqüências financeiras e emocionais do pior ano da pandemia que custou mais de mil vidas gravataienses e também três eventos climáticos extremos; um deles, a catástrofe de maio

– É um erro quando dizem que o povo não sabe votar – celebrou, na noite deste domingo, na festa da vitória em seu comitê central na parada 75, acrescentando que “esta cidade não tem coronel que mande aqui, quem manda é o povo” (veja o vídeo neste artigo).

Enfrentou dois gigantes. “Ícones”, como referiu no discurso. Daniel Bordignon (PT) e Marco Alba (MDB) foram prefeitos por dois mandatos, deputados estaduais e tiveram seus momentos que aparentavam interminável popularidade. Rivalizavam desde 1982 nas urnas, naquilo que batizei de ‘GreNal Político da Aldeia’.

Zaffa fez mais votos que os dois somados, em 2024. Do ‘ilustre desconhecido’, como foi chamado pelos ex-companheiros após o rompimento com o MDB, do 1% nas primeiras pesquisas da eleição de 2020, saiu das urnas às 19h deste domingo como um político inscrito na História de Gravataí.

O recorde de três mandatos conquistados nas urnas segue com o falecido Dorival de Oliveira. Mantem-se a sina de ex-prefeitos não conseguirem voltar ao poder, como já tinha acontecido com os também já falecidos José Mota, Abílio dos Santos e Edir Oliveira.

O ‘Zaffa político’ apareceu na campanha de 2024, da atração de partidos às ruas / Fotos Tiago Raupp


O ‘Zaffa político’ é um segundo fator decisivo na eleição. Quando do rompimento com os Alba, alertei que o prefeito enfrentaria um “Bem-vindo à política”. Que aconteceu. Portas se fecharam no PL e no PP, por exemplo. Zaffa se filiou ao PSDB, do governador Eduardo Leite.

A jogada de risco se mostrou acertada. Se a relação começou fria, com uma filiação pró-forma no gabinete do partido em Porto Alegre, o ambicioso Leite aos poucos identificou em Zaffa o potencial de vitória e o governo estadual avançou em obras como a elevada da ERS-118, a iluminação da rodovia, a sinalização para abertura de acesso à Av. Brasil, a parceria para duplicação da ERS-020 municipalizada e o anúncio às vésperas da eleição de um Tudo Fácil no Gravataí Shopping Center, além de Leite colocar o prefeito no centro do anúncio do investimento de R$ 1,2 bilhão da GM em Gravataí.

Por que foi uma jogada arriscada? A base de Zaffa sempre foi conservadora, talvez até mais à direita que a de Marco Alba. Apoiou Bolsonaro já no primeiro turno em 2018 e 2022. E um dos notórios delírios do bolsonarismo é considerar o PSDB como “esquerda” e apontar Leite como “apoiador de Lula”, pelo governador gay ter sido reeleito com votos do PT e ter subido a rampa junto ao presidente e governadores em defesa da democracia após o terrorismo do 8 de janeiro.

Para completar, Leite tinha sido alvo de uma campanha de críticas por Marco Alba em 2019, por, conforme o prefeito à época, “mandar o Mercado Livre embora”, um investimento de R$ 450 milhões e 2 mil empregos, além de ser entusiasta da instalação de um pedágio para manter a ERS-118 recém duplicada ao custo de  R$ 400 milhões em 20 anos de obras. 

Por estratégia política e apostando neste desgaste, Marco Alba se referia a Zaffa nos debates como “candidato do PSDB”.

Não colou como crítica. Zaffa teve habilidade para manter sua identidade conservadora e ampliou sua base de direita com apoio do PL e da nova cúpula bolsonarista comandada pelo deputado mais votado do Rio Grande do Sul, Luciano Zucco, sem usar o ex-presidente como ‘mito’ – pelo contrário, pouco se referiu a Bolsonaro durante a eleição; optou por apresentar o conservadorismo em bandeiras como as escolas cívico-militares, admitidas até pelo adversário petista na eleição.

Leite com Zaffa, em uma das duas vezes que veio fazer campanha em Gravataí


Zaffa também respondeu ao “Bem-vindo à política” com um “Obrigado, aqui estou!” ao formar a maior aliança partidária de eleições gravataienses: 11 partidos, 14 vereadores e um potencial deputado estadual, Dimas Costa (PSD); coligação que após abertura das urnas mantém ampla maioria para a governabilidade (14 em 21 vereadores) e inclui parte dos parlamentares mais votados em 2024.

Uma aliança ‘MarxDonalds’, sim, com lulistas, bolsonaristas e nem-nems, mas que teve o papel fundamental de apresentar os feitos de Zaffa nos bairros e vilas onde não era conhecido como Marco Alba e Bordignon.

Para ser eleito, era preciso criar no eleitor a associação do nome de Zaffa ao bom governo, até pelo projeto não ser muito diferente dos tempos de parceria com Alba, inegavelmente responsável pelas condições que permitiram Zaffa fazer o maior investimento da história do município.

Aí observo uma ‘esquerdizada’ de Zaffa que deu certo. Sob críticas de Marco Alba de que estaria endividando a Prefeitura, o prefeito dobrou a aposta e anunciou mais R$ 300 milhões em investimentos. Uso a expressão ‘esquerdizada’ porque governos de esquerda são acusados de populismo por tentarem ao máximo fugir da política fiscalista, de déficit zero.

Em outras palavras, Zaffa aplicou um ‘Prefeitura não é banco para dar lucro’, e sustenta a esperança de que os investimentos públicos vão atrair novos investimentos privados, aumentar as receitas e reduzir o endividamento.

Poderia ser Fernando Haddad seu secretário da Fazenda, mas é Davi Severgnini, fã de Paulo Guedes, há oito anos frente à pasta e que, nesta eleição, estreou como coordenador político de Zaffa. Antes mesmo de sua bem sucedida montagem da aliança para governar e fazer campanha, Davi já era identificado como um dos potenciais nomes para a sucessão do prefeito, ao lado do vice, Dr. Levi Melo (Podemos). Agora, então…

Levi também teve sua contribuição para dar estabilidade social a Zaffa. Raro na política, nunca brigaram. Para manter por perto o médico, que chegou a ser sonho de políticos do MDB para ser vice de Alba, Zaffa garantiu protagonismo, botando sempre Levi na foto e evitando aquele verbete do Millôr, de que “o ócio faz o vice”.

Há de se destacar também o papel da primeira-dama, Marlene, cujos relatos da simpatia sempre contam em uma eleição.

Zaffa entre Levi e Marlene, na festa da vitória, na noite do domingo


Outra resposta ao “Bem-vindo à política” Zaffa deu ao atrair o apoio de Dimas, segundo colocado na eleição de 2020. As medições de pesquisas internas demonstram que o ex-vereador, que tinha deixado o cargo de adjunto na Secretaria de Esportes do Estado para concorrer a prefeito, ao renunciar à candidatura e abrir apoio à reeleição, transferiu seus votos. À época do anúncio, Marco Alba ainda liderava as pesquisas. Com mais de 10% de vantagem.

Ex-PT, Dimas avançou também em votos de Bordignon, com uma influência imensuravelmente maior do que o vice também de esquerda escolhido por Marco, o vereador Thiago De Leon (PDT). Quando a eleição começou a se mostrar polarizada entre Zaffa e Alba, foi possível identificar em pesquisas o voto útil de eleitores mais identificados com o lado canhoto da força. E Dimas atraiu-os mais para Zaffa do que De Leon para Marco.

(Aqui vale um parêntesis para a história da política da aldeia. Após a eleição para o Conselho Tutelar, em outubro do ano passado, o vereador Clebes Mendes, do partido de Zaffa, atraiu Naimar Grasel, chefe de gabinete nos dois mandatos de Dimas como vereador. Naimar ocupava o mesmo cargo no mandato da vereadora Anna Beatriz da Silva, esposa de Dimas.

A saída de Naimar provocou uma revolta silenciosa em Dimas, que já tinha estabelecido relação com Zaffa, mas ainda era candidato a prefeito e se sentiu traído pelo assédio de um político do governo a sua apoiadora de mais de uma década.

À época, interlocutores tentaram aproximá-lo de Marco Alba, para uma ‘união de traídos’. Não prosperou. Um ano depois, Dimas acabou sendo decisivo a favor de Zaffa).

Reputo essa miríade de políticos garante ao eleitor eventualmente assustado ideologicamente com a reeleição de Zaffa uma porta aberta: há tão antagônicas forças no governo, que não faltarão diferentes lados da ferradura ideológica disputando o orçamento. O que será também um desafio para Zaffa.  

Zaffa e Levi com Dimas, na festa da vitória na noite deste domingo


O leitor mais identificado com Alba e Bordignon pode estar se perguntando: “Não vai escrever que houve abuso de poder político econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, como denunciado em Ação de Investigação Judicial Eleitoral que teve na noite de ontem parecer do Ministério Público opinando pela cassação da chapa Zaffa e Levi”?

Não sou juiz. Neste artigo faço uma análise política, não policial ou jurídica. Sobre a ‘loteria de toga’, para usar outra expressão do Millôr, há dias e dias para tratar em outra ‘eleição que nunca termina’ em Gravataí.

Ao fim, se algo me escapou na análise, ajudem-me, que volto ao tema em outra oportunidade. Inegável é que Zaffa teve uma vitória incontestável nas urnas. O ‘gerentão’ hoje é um político inscrito na história da aldeia dos anjos. Nem anjo, nem diabo. Um político. Um bom político.


Assista ao vídeo da festa e do discurso da vitória, produzido por Guilherme Klamt da SEGUINTE TV

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