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O vereador mais votado Leo da Costa (PT) defende a causa que reputo a mais nobre de Cachoeirinha, no momento: a salvação do Mato do Julio.
– Para salvar, é só cumprir a lei – diz o professor de escola pública, historiador, mestrando em ciência política, ambientalista e um dos fundadores em 2019 do Coletivo Mato do Julio, que aos 26 anos, em sua primeira eleição, recebeu 3.117 votos para exercer o mandato entre 2025 e 2028.
– Interpreto minha votação como um reflexo de que a pauta ambiental preocupa a população – avalia o morador de Cachoeirinha desde que nasceu, e que teve papel ativo em resgates e na ajuda aos atingidos pela enchente de maio.
Mesmo eleito pela oposição, Leo da Costa projeta fazer “uma ponte entre o movimento social e a Prefeitura”, e acompanhar os investimentos federais de R$ 2,9 bilhões, do PAC do Lula, anunciados para a Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, para contemplar obras como extensão do dique e novas casas de bombas em Cachoeirinha.
– Sou do movimento social. Gosto da base. De criar pontos de diálogo, não só xingar deus e o mundo – diz o filiado ao PT em 2021, que se demonstra preocupado com os resultados do partido na eleição.
– É um caminho ruim, decadente, que exige renovação, novas idéias – alerta, antecipando que não projeta candidaturas futuras a deputado ou prefeito.
– Há muito o que fazer neste primeiro mandato – diz, confirmando como uma das prioridades defender a sugestão do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí para que o governo federal desaproprie o Mato do Julio, como prioridade regional no enfrentamento à crise climática, das enchentes e inundações à seca e a poluição.
A sugestão para financiamento da compra da área privada orçada em R$ 200 milhões foi encaminhada ao ministério extraordinário da Redconstrução do Rio Grande do Sul em junho.
– A idéia é fazer um grande Central Park da Região Metropolitana – explicou à época o presidente do Comitê, o geólogo Sérgio Cardoso, alertando que ações ambientais para terem eficácia precisam ultrapassar fronteiras físicas e observar a região “como uma grande metrópole, onde cada município é um bairro”.
Por que considero a pauta do Mato do Julio a mais nobre do momento?
A inegável função da ‘floresta urbana’ na retenção das águas, para impedir alagamentos em toda região a partir do rio Gravataí, foi comprovada na catástrofe de maio, como já tratei em Comitê da Bacia do Rio Gravataí pede desapropriação do Mato do Julio ao governo federal; O Central Park do pós-enchente.
Cerca de 35% da água que inundou Cachoeirinha ficou contida na área de 200 hectares de mata e floresta preservadas, localizada entre a Av.M Flores da Cunha e a Freeway. O levantamento, a partir do cruzamento de informações do MapBiomas com dados da Defesa Civil, foi produzido pelo Coletivo Mato do Julio, que apontou que cerca de 7 a 8 mil pessoas a mais teriam sido afetadas pelas inundações se a floresta não existisse.
– Essa é uma floresta de banhado e de retenção hídrica. Ela funciona literalmente como uma esponja, que, quando encosta na água, segura a quantidade de água – explica o ambientalista, cujo estudo teve destaque no G1, da Globo.
Na reportagem Entenda como florestas urbanas podem amenizar impacto de enchentes em cidades, que usa o Mato do Julio como o bom exemplo, a ambientalista Lara Lutzenberger, bióloga e conselheira da Fundação Gaia, defende que florestas urbanas sejam reimplantadas porque, assim como a vegetação e paisagem natural, auxiliam a regular o clima e o fluxo das águas.
Clique aqui para assistir vídeo comprovando o papel de ‘esponja’ do Mato do Julio, mitigando inundações em regiões como o Parque da Matriz.
Como já tratei em uma série de artigos, o zoneamento da floresta no coração de Cachoeirinha pegou preço na revisão do Plano Diretor, cujo texto é de 2007 e a revisão está atrasada desde 2017, sob cobrança do Ministério Público, inclusive. A urbanização pode permitir, por exemplo, a construção de condomínios de luxo, e/ou de espigões, ao custo do desmatamento de parte da área.
O Mato do Julio é uma área privada. Um acordo foi firmado em 2020, entre o prefeito Miki Breier e os proprietários, prevendo a troca de uma dívida judicializada de R$ 25 milhões em IPTU pelo repasse para a Prefeitura de 10 dos 250 hectares da área avaliada em R$ 200 milhões.
O parcelamento de solo previa 35% de terras para a Prefeitura: 20% para arruamento, 15% para área institucional – à época se falou em um parque ecológico projetado para o entorno da Casa dos Baptista, edificação colonial de 1814 que não está sendo conservada – e 10% de área verde, sem possibilidade de construção.
Pelo que apurei, os interesses convergiam – e assim seguem no governo Cristian Wasem (MDB) – para inscrever a floresta como zona urbana. Para isso é preciso alterar o Plano Diretor, a partir de projeto enviado pelo prefeito e aprovado pelos vereadores.
O que ainda barra empreendimentos imobiliários é o Mato do Julio aparecer como “área especial de interesse ambiental” no Plano Diretor. Algo como uma ‘floresta urbana’, já que o restante dos 44 quilômetros quadrados de território de Cachoeirinha é considerado 100% zona urbana.
Na seção DAS ÁREAS DE ESPECIAL INTERESSE AMBIENTAL do Plano Diretor, dois artigos tratam disso.
Art. 153. As Áreas de Especial Interesse Ambiental são áreas naturais ainda preservadas, as quais podem ser tornadas Unidades de Conservação nos termos da Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, de acordo com os procedimentos previstos na mesma, quais sejam, estudo técnico e consulta popular, conforme indicativo da participação popular no processo de elaboração desta Lei.
Art. 154. São Áreas de Especial Interesse Ambiental, além de outras que possam ser apontadas pelo Plano Setorial Ambiental, e que devem ser objeto de procedimento para criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral, num prazo de até 3 (três) anos:
I – o Parque Municipal Tancredo Neves;
II – a área conhecida como Banhado do Shopping;
III – o Horto Florestal.
Parágrafo Único – As áreas conhecidas como Mato do Júlio e Fazenda Guajuviras, Áreas de Especial Interesse Ambiental, serão objetos de estudos técnicos e consultas públicas, de iniciativa do Poder Executivo, buscando determinar as características das mesmas, para certificar a viabilidade de criação de Unidade de Conservação de Proteção Integral ou de Unidade de Uso Sustentável, no prazo de 1 (um) ano da publicação desta Lei, quando então será definida a sua destinação e utilização.
Há, ainda, estudo da Metroplan sobre prevenção de cheias, concluído em 2018 a partir do PAC Prevenção de 2012, que recomenda respeitar uma ‘mancha’ sem empreendimentos na região próxima ao Rio Gravataí.
Ao fim, reputo ‘a pauta mais nobre’ porque tem alcance de gerações.
Em 2020, manifestei-me favorável ao acordo entre o governo municipal e os proprietários. No ano passado, mudei de posição, frente à inegável crise climática. Não tínhamos ainda vivenciado a catástrofe de maio deste ano.
Como não sou negacionista, no intervalo de três anos fui de Acordo do Mato do Júlio é bom negócio; Greta Thunberg fica para amanhã para Modo-Greta no Mato do Júlio: autorizar desmatar para construir em meio a crise climática é mau negócio; Para onde vai e de onde vem a água em Cachoeirinha.
Conclui, no artigo mais recente:
“(…)O amanhã chegou. A emergência climática obriga a ativar o modo-Greta. Apelo, prefeito: o mais recomendável é congelar a polêmica ao menos até termos estudos, projetos e financiamentos para saber de onde vem e para onde vai a água na região metropolitana.
A solução? Deixar como está para ver como fica. A legislação atual preserva o Mato do Julio e o direito coletivo. Os proprietários que busquem seus direitos individuais no Judiciário.
Eu já ativei o modo-Greta Thunberg (…)”
Percebam que, no desespero, antes mesmo daquela que em extensão foi a maior catástrofe ambiental da História do Brasil, já apelei para uma medida legalmente controversa, porque restava inviável o custo financeiro de uma desapropriação pela Prefeitura, que corresponderia a um terço de toda arrecadação de um ano de Cachoeirinha, incluindo verbas para salários, saúde e educação, por exemplo.
Hoje, com o dilúvio de verbas do governo Lula para socorrer e reconstruir o Rio Grande do Sul, a desapropriação é mais viável do que nunca. Se não avançar, que, como defende Leo Costa, se preserve a lei já existente.
O debate está lançado.
Veremos se o interesse na salvação ambiental é mais profundo que aquele que por vezes se oculta na lama remexida em grandes empreendimentos imobiliários.
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