CLAITON MANFRO

Olga Reverbel: a guardiã das palavras e do teatro brasileiro

Olga Reverbel é dessas figuras que parecem ter nascido para mudar o mundo à sua maneira, com sutileza e profundidade. Tradutora, escritora, dramaturga e professora, ela foi uma das mentes mais brilhantes do teatro e da literatura no Brasil. Nascida em Porto Alegre, em 19 de março de 1911, e falecida em 24 de setembro de 2008, Olga teve uma vida longa e intensa, marcada por sua paixão pelas palavras e sua crença no poder transformador da arte.

Pouca gente sabe, mas Olga começou sua jornada intelectual na área da música. Ainda jovem, foi uma talentosa pianista, frequentando aulas no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre. Foi a partir dessa vivência artística que sua conexão com a estética e a emoção começou a se moldar. Mas sua verdadeira paixão emergiu quando descobriu o teatro. A palavra escrita – e a falada – rapidamente se tornaram seu verdadeiro instrumento.

Entre os anos 1940 e 1950, Olga já era conhecida como tradutora de excelência. Seu trabalho ganhou destaque ao adaptar peças que seriam encenadas no Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul (TERS), onde jovens talentos do teatro gaúcho aprendiam e brilhavam sob sua orientação. Foi nessa época que ela consolidou seu nome como ponte entre a dramaturgia clássica e o público brasileiro.

Olga foi a responsável por traduzir peças fundamentais da dramaturgia universal, como O Jardim das Cerejeiras de Tchekhov, A Ópera dos Três Vinténs de Brecht e Bodas de Sangue de Federico García Lorca. Mas Olga não era apenas uma tradutora. Como observou o crítico literário Antônio Hohlfeldt: “Ela recriava o texto, dando-lhe uma nova respiração, uma nova alma, capaz de dialogar com o público brasileiro, sem trair a essência do original.”

Seus textos não eram adaptações apressadas. Ela mergulhava profundamente no universo dos autores que traduzia, estudando suas vidas, seus contextos históricos e suas intenções. Um exemplo notável disso é sua tradução de Mãe Coragem e Seus Filhos, de Brecht. Olga não apenas verteu a peça para o português, mas inseriu notas e comentários que ajudaram as companhias teatrais a compreenderem a obra no contexto do Brasil ditatorial dos anos 1960 e 1970.

E Olga não ficava apenas no palco. Sua atuação como professora de literatura e dramaturgia foi tão revolucionária quanto seu trabalho como tradutora. Lecionando em diversas instituições, como a UFRGS, ela ajudou a formar gerações de artistas e pensadores. Muitos dos grandes nomes do teatro gaúcho passaram por suas aulas ou foram influenciados por seu rigor intelectual e sua paixão pela arte.

Mas Olga também era uma mulher de convicções. Em tempos de censura e perseguição política, ela fez do teatro um espaço de resistência. Atuou nos bastidores para viabilizar montagens consideradas subversivas, e, como defensora da liberdade de expressão, colaborou com movimentos culturais que enfrentavam as imposições do regime militar. Ela tinha a habilidade de transformar o palco em um lugar de debate e questionamento, sempre com uma elegância que desarmava até os críticos mais severos.

E, claro, havia o lado pessoal. Olga era conhecida por seu humor afiado e por sua paixão pela boemia intelectual de Porto Alegre. Frequentadora assídua do mítico Café Colombo, adorava trocar ideias com outros artistas, jornalistas e escritores. “Conversar com Olga era como entrar em uma peça de teatro: tinha drama, humor e uma incrível capacidade de fazer você pensar”, lembrou a escritora Lya Luft em uma entrevista.

Seus escritos também merecem destaque. Entre suas obras mais memoráveis está o livro Do Teatro e da Vida, uma coleção de ensaios e memórias onde Olga reflete sobre a força da dramaturgia em tempos de adversidade. Outro trabalho notável foi sua peça inédita, A Sombra dos Girassóis, descoberta em seus arquivos pessoais após sua morte. O texto, que mistura poesia e crítica social, é uma verdadeira joia para quem quer entender o olhar singular de Olga sobre a vida e a arte.

Mesmo com toda a importância que teve, Olga nunca se acomodou no pedestal que a cultura às vezes reserva aos seus grandes nomes. Era uma eterna aprendiz, alguém que acreditava que a arte só existia se pudesse se renovar. Como disse Paulo Autran, que atuou em várias peças traduzidas por ela: “Olga nos dava as palavras certas, mas também nos ensinava a duvidar delas. Esse é o tipo de mestre que você não esquece.”

Olga Reverbel era isso: uma inquieta, uma tradutora de mundos e uma defensora da arte como um farol em tempos de escuridão. Hoje, seu legado vive não apenas nas páginas que escreveu e traduziu, mas em cada artista que encontrou, no teatro, uma forma de transformar a realidade.

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