Já faz um tempo que percebi algo interessante: os relacionamentos que tive foram ampliando meu gosto musical. Aos mais novinhos, eu cresci num tempo em que não existia internet, pelo menos não acessível a todos. A gente consumia as músicas que nos chegavam pelo rádio ou pela televisão. Quando conseguia juntar um dinheirinho, comprava um LP, mais adiante um CD. Mas eram caros para minha realidade, então ficava com os sucessos das poucas emissoras disponíveis naquela época.
E levem em conta também que fui adolescente nos anos 90, tempos em que as duplas sertanejas dominavam as mídias. Então eu era uma jovenzinha meio cafona, mas ao mesmo tempo com senso crítico para comprar o LP “Sobre todas as forças”, da Cidade Negra. Reggae nunca foi muito a minha praia, mas esse disco eu amo. E meu primeiro contato com o rock talvez tenha sido nas fitas K7 dos meus tios, que eu furtivamente escutava no rádio da vó. Depois descobri Legião Urbana e Raul Seixas, não lembro como.
Quando fiz 15 anos, ganhei meu próprio aparelho de som e comecei a fase Love Songs, com suas baladas românticas, e Pijama Show, onde conheci a fina flor do rock gaúcho (aí começou minha paixão pelo Duca Leindecker). Mais para o fim da adolescência, eu me dividia entre variadas canções nacionais e internacionais das trilhas de novelas, e os “tchês”, conjuntos gauchescos que faziam a cabeça da moçada naquela época. Quem viveu a era de “Guria”, do Tchê Guri, sabe do que estou falando.
No meu primeiro namoro sério, eu já tinha 23 anos. O nome do cidadão não vem ao caso, mas ele me apresentou dois discos importantíssimos: The Dark Side of The Moon, do Pink Floyd, não pegou muito… mas Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, eu guardei no coração. O moço era filho de uruguaios, então me fez conhecer vários artistas de países de língua espanhola, como Alfredo Zitarrosa, Luis Alberto Spinetta, Charly Garcia, Fito Paez e Joaquin Sabina. Deste último, uma música é especial, pois diz “Las amarguras no son amargas / Cuando las canta Chavela Vargas / Y las escribe un tal José Alfredo…” Não é lindo? As dores ficam mais leves com música e poesia!
Mas o artista favorito do citado rapaz era Vitor Ramil, que na época lançava o disco Longes. Olha o golpe baixo no início do namoro: o moço me levou pra assistir o show do caçula dos Ramil no Theatro São Pedro, que para quem não conhece, é o teatro mais bonito do Rio Grande do Sul. Eu saí de lá apaixonada… pela arte de Vitor. O namoro durou pouco, mas o artista nunca mais saiu da minha vida. Conheço todos os discos e até as obras literárias dele. Tenho cd e livro autografados e estou morrendo de saudade de vê-lo no palco. Vitor Ramil é um dos artistas de referência pra mim.
O relacionamento seguinte foi embalado por música celta e flauta de povos ancestrais. Tenho até hoje os cds de mp3 que o querido gravou para mim com discos de Enya e Kitaro. Depois teve outra pessoa que não foi um parceiro afetivo, mas que me fez aprender muito de música brasileira. Como eu não conhecia ainda Raphael Rabello e Guinga, gênios do violão? Nem a voz de anjo da Mônica Salmaso? E antes da minha “aventura carioca” tive mais uma relação breve, mas de tempo suficiente para chamar minha atenção para a obra genial do baiano Tom Zé. Eu conhecia “Namorinho de Portão” na versão da banda Penélope, mas o disco A Grande Liquidação é cheio de porradas sonoras que infelizmente continuam atuais. Enfim, nenhum dos citados até agora permanece na minha vida, porque tem gente que é apenas ponte… mas as músicas que aprendi a ouvir com eles entraram na minha vida para ficar. A lista de artistas que admiro só foi aumentando com o passar dos anos e dos pretensos amores.
Já contei em uma das primeiras colunas como conheci o Bernardo, meu ex-marido. Mas para resumir, foi a música que ele tocava na flauta transversa que fez eu me aproximar. Ficamos conversando, trocamos celular, e dali em diante não nos largamos mais. Como bom flautista, Be é apaixonado por Pixinguinha e Ian Anderson, o incrível líder da Jethro Tull. E claro que os cds e dvds da banda tocavam quase que diariamente na nossa casa. O casamento findou (permanece a amizade), e sigo tão fã de Jethro Tull que cogitei em ir ao show deles em Porto Alegre. Locomotive Breath e Heavy Horses ao vivo devem ser de arrepiar. Sempre que vejo algo da banda, mando pro Be no Whatsapp. Acho bonito que a música seja uma conexão eterna entre nós e ajude a mostrar que amor não acaba, se transforma.
Nietszche escreveu que “sem a música a vida seria um erro”. Não sei se seria mesmo um erro, mas com certeza seria mais triste, mais pesada e mais cinzenta. A música é ora um abraço que nos acalenta, ora uma injeção de energia, ora uma amiga querida que nos ajuda a organizar os pensamentos. E além disso tudo, as músicas marcam nossa história. Sempre tem uma trilha sonora, mesmo que às vezes a gente não perceba. É, a vida é cheia de som e fúria, Shakespeare tinha razão.