RAFAEL MARTINELLI

Pena até 38 anos: PGR denuncia Bolsonaro como chefe do golpe e organização criminosa armada; Leia trechos

Associo-me ao jornalista Reinaldo Azevedo em seu artigo PGR vê Bolsonaro na cena dos crimes, lê a história e chega ao 8 de janeiro.

Sigamos no texto.

Sabem aquele mesmo Jair Bolsonaro que foi almoçar nesta terça no Senado, que esbanjou confiança, dizendo já ter os votos na Câmara para aprovar a anistia a golpistas e que se jactou de liderar uma pesquisa à Presidência feita por sua turma? Pois é: acaba de ser denunciado pela Procuradoria Geral da República, sob a acusação de integrar uma organização criminosa para tentar abolir o estado de direito no Brasil e dar um golpe de Estado. Fosse só isso, a pena máxima possível seria de 28 anos. Mas é de 38… Por quê? Porque a PGR também lhe atribui “dano qualificado pela violência e grave ameaça” e “deterioração do patrimônio tombado” — além de uma majoração no caso da organização criminosa.

E isso significa que o Ministério Público Federal considera a óbvia conexão entre os atos de 8 de janeiro de 2023 e a tramoia golpista. Como se nota, é um chega pra lá na tese absurda da anistia. Se a aberração prosperar no Congresso, já sabem o que acontecerá com ela no Supremo.

Além de Bolsonaro, há outros 34 denunciados, com destaque para, digamos, o núcleo duro da tramoia golpista, como transcrevo da denúncia, Bolsonaro incluído. Eis aqui o núcleo duro do golpe, com, reitero, as imputações relacionadas também ao 8 de janeiro de 2023. Vamos lá:

“Evidenciou-se que os denunciados integraram organização criminosa, cientes de seu propósito ilícito de permanência autoritária no Poder. Em unidade de desígnios, dividiram-se em tarefas e atuaram, de forma relevante, para obter a ruptura violenta da ordem democrática e a deposição do governo legitimamente eleito, dando causa, ainda, aos eventos criminosos de 8.1.2023 na Praça dos Três Poderes. O Ministério Público Federal, por isso, denuncia:

O SR. ALEXANDRE RAMAGEM RODRIGUES pelos crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), observadas as regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).

O SR. ALMIR GARNIER SANTOS pelos crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), observadas as regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).

O SR. ANDERSON GUSTAVO TORRES pelos crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º, e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), observadas as regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).

O SR. AUGUSTO HELENO RIBEIRO pelos crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º, e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), observadas as regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).

O SR. JAIR MESSIAS BOLSONARO pelos crimes de liderar organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º, 3º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), observadas as regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).

O SR. MAURO CESAR BARBOSA CID pelos crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), observadas as regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).

O SR. PAULO SÉRGIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA pelos crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), observadas as regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).

O SR. WALTER SOUZA BRAGA NETTO pelos crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), observadas as regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).”

Notaram? Toda a articulação golpista desses protagonistas “deu causa” ao 8 de janeiro de 2023, conforme a PF já havia demonstrado, o que Paulo Gonet, procurador-geral da República, deixa claro em sua denúncia.

O mesmo Bolsonaro

No primeiro parágrafo deste texto, digo que “o mesmo Jair Bolsonaro”, ora denunciado, estivera mais cedo no Senado. Não empreguei “o mesmo” por acaso. Ao menos duas vezes, na entrevista que concedeu, acusou o TSE de fraudar a eleição de 2022, repetindo o que havia dito em uma live na semana passada a um aliado.

Esse senhor não prima pela contenção. Está se sentindo empoderado pelo “ataque dos cães” — como chamei, aqui, citando o Salmo 22 — de que Lula é vítima e, assim, achou por bem excitar a sua turma com as mesmas teorias conspiratórias que alimentou contra os tribunais.

Trabalho cuidadoso

Ainda não li as 272 páginas da denúncia do sempre contido, nunca buliçoso, Paulo Gonet, procurador-geral da República. Numa primeira mirada, vê-se que as imputações, além de calcadas em fatos que parecem irrespondíveis — uma grande chance para o trabalho de um bom defensor — também são a culminância, vista pela ótica do órgão acusador, de uma escalada do golpismo. O que se viu nos delírios de novembro e dezembro têm fatos antecedentes, como se lê na denúncia. Transcrevo:

PLANO DE FUGA

“Para melhor compreensão dos fatos narrados, convém recordar que, a partir de 2021, o Presidente da República adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional nos seus repetidos pronunciamentos públicos em que se mostrava descontente com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor. Essa escalada ganhou impulso mais notável quando Luiz Inácio Lula da Silva, visto como o mais forte contendor na disputa eleitoral de 2022, tornou-se elegível, em virtude da anulação de condenações criminais.

Em 22 de março de 2021, poucos dias depois de Lula da Silva haver superado a causa de inelegibilidade, o grupo de apoio do então Presidente da República, que formará o núcleo da organização criminosa, cogitou de o Presidente abertamente passar a afrontar e a desobedecer a decisões do Supremo Tribunal Federal, chegando a criar plano de contingenciamento e fuga de Bolsonaro, se a ousadia não viesse a ser tolerada pelos militares.

O cenário das pesquisas eleitorais se mostrava inclinado em favor do principal adversário antevisto, por quem os que cercavam o Presidente da República não escondiam marcada aversão, a ele se referindo com palavras de ultrage e menosprezo. O grupo terá percebido a necessidade de pronta arregimentação de ações coordenadas contra a possibilidade temida que se avultava. Começaram, então, práticas de execução do plano articulado para a manutenção do poder do Presidente da República não obstante o resultado que as urnas oferecessem no ano seguinte.”

PLANO DE INSURREIÇÃO

“Em 29.7.2021, Jair Bolsonaro deu curso prático ao plano de insurreição por meio de transmissão ao vivo das dependências do Palácio do Planalto pela internet. Retomou as críticas, embora vencidas, ao sistema eletrônico de votação e exaltou a atuação das Forças Armadas. A partir de então, os pronunciamentos públicos passaram a progredir em agressividade, com ataques diretos aos poderes constituídos, a inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores e com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse.

A articulação para esse fim envolvia assestar palavras de ódio, sobretudo em ambiente da internet, contra personagens da vida institucional do país identificados como inimigos do grupo, em especial os que tinham a incumbência de dirigir as eleições e zelar pela normalidade do processo. Autoridades públicas do mais elevado grau de responsabilidade no contexto das relações entre Poderes foram alvo de perseguições e de informações falseadas, em detrimento da regularidade da vida democrática.”

A REUNIÃO GOLPISTA NO PALÁCIO

“Nesse contexto, apurou-se que, em julho de 2022, o Presidente da República convocou reunião ministerial para concitar ataques às urnas e à difusão de notícias infundadas sobre o seu adversário no sufrágio que se aproximava. À altura, o concorrente já vinha sendo apontado como favorito. Na reunião, falou-se inequivocamente em “uso da força” como alternativa a ser implementada, se necessário. Nesse momento, um dos generais denunciados, a quem se conferia elevado prestígio no meio castrense, solta a frase incitadora e reveladora do ânimo com que os atos se inspiravam: “o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”.

REUNIÃO COM EMBAIXADORES: UM PASSO A MAIS

“Em seguida, ocorreu a reunião de 18 de julho de 2022 do Presidente da República com embaixadores e representantes diplomáticos acreditados no país, conduzida para verbalizar as conhecidas e desmentidas acusações sobre fraudes, por meio de truques informáticos, em vias de serem cometidas no pleito vindouro. O que parecia, à época, um lance eleitoreiro, em si mesmo ilícito e causador de sanções eleitorais, mostrou-se, a partir da trama desvendada no inquérito policial, um passo a mais de execução do plano de solapar o resultado previsto e temido do sufrágio a acontecer logo adiante.”

Ainda volto

Ainda volto a denúncia para chamar a atenção para um trecho da denúncia que a torna, de saída, histórica. Arremate-se com a volta ao princípio: Gonet não fatiou a história. E se ateve rigorosamente aos fatos.

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