RAFAEL MARTINELLI

A imbecilidade do negacionismo vacinal mata e superlota emergências em Gravataí e RS afora

Não chega a massa de ar polar que mantém os termômetros abaixo dos 10ºC: Gravataí e outros municípios gaúchos enfrentam uma tempestade perfeita na saúde pública. A cidade registra apenas 45% de cobertura vacinal contra a gripe nos grupos prioritários –– crianças de 6 meses a menores de 6 anos, idosos acima de 60 anos e gestantes ––, um índice alarmante frente à meta de 90% do Ministério da Saúde e ao risco elevado de complicações pela Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), cuja principal causa é a Influenza, que superlota hospitais, emergências e, o mais alarmante, UTIs.

Dos 68.535 integrantes desses grupos de risco no município pouco mais de 31 mil receberam a dose. É justo registrar que o dado é um contraste frustrante com os esforços da Prefeitura, que mobilizou sua rede de 30 unidades básicas com estratégias intensificadas: horários estendidos (até 21h30 em quatro unidades), vacinação noturna em escolas de EJA, ações em asilos (ILPIs), para acamados, shopping, empresas, e mutirões aos sábados programados para julho.

O apelo é feito diariamente à população, nos canais oficiais e na mídia. Mas há um inimigo mais profundo que a simples desorganização ou falta de acesso. Em release postado hoje no site do município pedindo à população para buscar a vacina, o secretário de Saúde, Régis Fonseca, destacou o caráter coletivo da imunização, enquanto o prefeito Luiz Zaffalon disse que “foi-se o tempo em que a eficácia de vacinas era questionada”. A fala creditada a Zaffa é por demais otimista, mas mexe no ‘vírus’ principal, no problema contagiante –– e lá vem o chato lembrar: o legado devastador das campanhas negacionistas antivacina da era COVID-19, que minaram a confiança da população em imunizantes de forma ampla. Famílias restam horrorizadas em intoxicar seus filhos, ou a si.

Dados estaduais e nacionais confirmam o fenômeno. No Rio Grande do Sul, apenas 37% das crianças estão com o calendário vacinal completo, índice que cai para 33% no país –– uma queda vertiginosa frente aos mais de 80% registrados há uma década. Entre adultos, a cobertura gaúcha é de apenas 52%.

– É uma imbecilidade que não só superlota emergências, mas tira vidas. Não se procura mais leito, que já não tinha, mas UTIs, que também não tem – diagnosticou ao Seguinte: Gilberto Barichello, diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), maior rede pública hospitalar do Sul do país, ao descrever o vento destrutivo do negacionismo vacinal.

Há o risco imediato de surto de gripe: com o frio intenso e a circulação do vírus Influenza, os grupos prioritários desprotegidos estão mais vulneráveis a complicações graves como pneumonia, internação e óbito.

Verifica-se um retorno de doenças eliminadas: o sarampo, doença altamente contagiosa e perigosa, já registrou um caso importado em Porto Alegre em abril de 2025, levando a Secretaria Estadual da Saúde a lançar nesta semana um plano emergencial de vacinação em 35 municípios de alto risco.

(As Américas já contabilizam mais de 7.150 casos em 2025 –– apavorem-se).

A conseqüência óbvia é superlotação das emergências. O Hospital Dom João Becker, de Gravataí, assim como as UPAs locais, e unidades de saúde de toda região metropolitana, são exemplos da pressão extrema.

Barichello atribui parte significativa desta sobrecarga à “tempestade perfeita” formada pelas sequelas da COVID, os impactos das enchentes e, centralmente, as internações evitáveis por doenças imunopreveníveis, agravadas pela baixa vacinação.

Estamos falando de mortes evitáveis, entenderam? Os dados são assustadores: quase 100% dos idosos que perderam a vida pela SRAG no RS em 2025 não estavam vacinados. Todas as mortes infantis por doenças respiratórias neste ano ocorreram entre não vacinados.

Para efeitos de comparação, em Gravataí, as mais de 1.124 vidas perdidas para a COVID-19 –– que em meses de 2021 chegou a matar 6 gravataienses por dia –– são um triste lembrete do poder protetor das vacinas, que evitaram cerca de 19,8 milhões de mortes globalmente.

Insisto pela 1.124ª vez. Enquanto movimentos antivacina disseminam desconfiança sem base factual, a ciência é categórica: vacinas contra gripe e COVID-19 são seguras e eficazes, com efeitos graves raríssimos; estudos populacionais massivos (como um com 10 milhões de jovens no New England Journal of Medicine) não encontraram aumento de mortalidade associado às vacinas COVID; o risco de complicações graves (como miocardite) é muito maior após a infecção pelo vírus do que após a vacinação; e sistemas de vigilância globais (OMS, CDC, EMA, Anvisa) monitoram constantemente e reiteram a segurança.

Reputo a própria credibilidade da medicina é posta em xeque por iniciativas como a enquete do Conselho Federal de Medicina (CFM) questionando a obrigatoriedade vacinal infantil –– alvo de investigação do MPF por desrespeitar a ciência, decisões judiciais (como as do STF) e colocar vidas em risco. A SBPC, SBI, SBP e SBIm repudiaram veementemente a ação do CFM, classificada como “negacionismo”.

Ao fim, comunguemos dessa missão de levar informação e compartilhar o apelo que está sendo feito pela Prefeitura de Gravataí, e outros municípios, para que todos os integrantes dos grupos prioritários procurem IMEDIATAMENTE a unidade de saúde mais próxima. As doses estão disponíveis.

Nem sei mais o que dizer… Talvez um apelo à lógica: mais gente morre sem, do que com vacina. É um tempo em que as pessoas querem, além da própria opinião, ter também os próprios fatos. Porém, infelizmente, no caso da saúde pública, não apenas se morre por eles, mas também se faz cúmplice, mata, ou seqüela.

Mata e seqüela os filhos.

Os filhos… os filhos…


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