RAFAEL MARTINELLI

PGR destrói tese da punição impossível de Bolsonaro e sua turma; vem cana

Bolsonaro, em depoimento no STF

Associo-me ao artigo do jornalista Reinaldo Azevedo, no UOL, Gonet destrói tese da punição impossível de Bolsonaro e sua turma; vem cana.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou, na noite de ontem, as alegações finais que defendem a condenação do “núcleo duro” que tentou desfechar um golpe de Estado no Brasil. Gonet pede que Jair Bolsonaro, Anderson Torres, Almir Garnier, Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Mauro Cid sejam punidos pelos crimes de 1) organização criminosa armada, 2) tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, 3) tentativa de golpe de Estado, 4) dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e 5) deterioração do patrimônio tombado. O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) escapou das duas últimas imputações porque dizem respeito ao dia 8 de janeiro de 2023, posterior à sua diplomação como deputado. O próprio STF suspendeu a Ação Penal quanto a esses dois crimes, atendendo a uma votação da Câmara, segundo o Parágrafo 3º do Artigo 53. O procurador-geral estendeu-se por 517 páginas, mas as cinco primeiras destroem a coluna que sustenta as defesas. Aqui e ali, prosélitos preferem muitas vezes abandonar o que está na lei para se fixar na própria opinião. Vamos ver?

Escreve Gonet:

“Para que a tentativa [de golpe ou de abolição violenta do estado de direito] se consolide não é indispensável, por certo, que haja ordem assinada pelo Presidente da República para a adoção de medidas explicitamente estranhas à regularidade constitucional. Neste caso, estaríamos, aí sim, no campo contíguo, senão próprio, da consumação do golpe (mesmo que mais adiante viesse a ser revertido). A tentativa se revela, porém, na realização de ações tendentes à materialização da ruptura ultimada das regras constitucionais sobre o exercício do poder, com apelo ao emprego de força bruta – real ou ameaçado.”

Impecável. As pessoas têm todo o direito de ter a sua opinião sobre o Código Penal, mas não o direito de ter o seu próprio Código Penal, e este pune a tentativa de golpe. Os que saem por aí a propagar a tese do “crime impossível” revelam, lamento dizer, má-fé e mau espírito. Estão, na verdade, a advogar a punição impossível, uma vez que um golpe consolidado faz as suas próprias leis: erige o poder discricionário e manda para as masmorras os democratas. Como os golpistas foram derrotados e como estamos numa democracia, eles não pagarão a pena segundo os seus valores — e as violências e ameaças que prodigalizaram —, mas segundo os nossos, que tentaram destruir. E, pois, não serão seviciados, mas tratados com a dignidade que deveria ser dispensada a todos os presos. Serão punidos pelo regime democrático, que é aquele em que nem tudo pode. Afinal, tudo pode na tirania para os tiranos e seus acólitos. Mas eles perderam.

O procurador-geral observa:

“Organização e método foi, a propósito, a tônica de todo o processo criminoso. Havia previsão de medidas de intervenção inaceitáveis constitucionalmente sobre o exercício das atividades do Poder Judiciário, elaboração de uma estrutura de poder a ser construída no desenrolar do golpe, bem como prisões espúrias e substituição de titulares de cargos públicos. Minutas de decretos instituindo essas providências foram encontradas com os denunciados, bem como até de discurso a ser proferido pelo ex-Presidente da República, logo após a consumação do golpe.”

Bolsonaro, o chefe

A Procuradoria-Geral da República trata Bolsonaro por aquilo que é, segundo revelam os autos:

“A denúncia revela, com precisão e riqueza de detalhes, a estruturação e atuação de organização criminosa, entre meados de 2021 e o início de 2023, com o claro objetivo de promover a ruptura da ordem democrática no Brasil. O grupo, liderado por JAIR MESSIAS BOLSONARO e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas, com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”.

As testemunhas

Gonet evoca o depoimento das testemunhas, especialmente dos comandantes militares:

“As testemunhas ouvidas em juízo, especialmente os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, confirmaram que lhes foram apresentadas, em mais de uma ocasião, minutas que decretavam medidas de exceção, cujos fundamentos não se ajustavam às hipóteses constitucionais e de consequências impensáveis no Estado Democrático de Direito. As providências previam anulação das eleições, prisão de autoridades públicas e intervenção em Tribunais. Os relatos assentaram que as medidas seriam assinadas tão logo obtido o apoio das Forças Armadas. Os Comandantes foram claros ao confirmar terem sido instantemente pressionados, inclusive por meio de ataques virtuais, a aderir ao intento disruptivo.”

O 8 de janeiro de 2023

É importante atentar para as considerações que faz Gonet sobre o 8 de janeiro de 2023. As provas demonstram à farta que os ditos “manifestantes” obedeciam à coordenação de golpistas que atuavam no próprio Palácio do Planalto, subordinados à Presidência da República. O procurador-geral evidencia como os acontecimentos daquele dia iluminam a trama sinistra que os antecedeu:

“Importa refletir sobre o resultado final da empreitada golpista. Em de 8.1.2023, apoiadores de JAIR MESSIAS BOLSONARO, munidos de artefatos de destruição, avançaram sobre a Praça dos Três Poderes em marcha organizada. (…) O evento dramático auxiliou a ressignificar toda uma série de acontecimentos pretéritos, que antes pareciam desconectados entre si. (…) O 8.1.2023, visto de forma retrospectiva, nada mais consistiu do que o desfecho violento que se esperava. (…) Desde o início de seus atos executórios, a organização criminosa desejou, programou e provocou a eclosão popular. ou a instabilidade social. Inicialmente, a revolta serviria como fator de legitimação para que fossem decretadas as medidas de exceção. O apoio popular para as medidas era forjado com a disseminação da desconfiança no processo eleitoral e da animosidade contra os poderes constituídos.”.

Intento golpista até o fim

Depois de relatar minuciosamente a intensa atuação dos golpistas palacianos na reta final do governo, Gonet demonstra a, vamos dizer, dedicação à causa, até o fim:

“Evidenciou-se que a organização criminosa contribuiu, até o último momento, para que a insurgência popular levasse o país a um regime de exceção. Todos os integrantes da estrutura criminosa conheciam o intuito de criação do cenário de comoção social. Essa sempre foi a tônica adotada pelo grupo desde 2021 — gerar desconfiança e animosidade contra as instituições democráticas. Todos aderiram à organização criminosa cientes do que defendia JAIR BOLSONARO e contribuíram, em divisão de tarefas, para a consumação do projeto autoritário de poder. O desfecho era previsto por todos, por ser esse o mote central do grupo, razão pela qual também é imputável a todos, na medida da culpabilidade individual (art. 29 do Código Penal).”

E o procurador-geral, então, individualiza as condutas, como pede a lei.

Golpe por outros meios

O processo vai chegando à reta final. Quando os golpistas dizem conhecer o desfecho, como se denunciassem um jogo de cartas marcadas, não o fazem por saber o que faria Gonet e o que farão os ministros do STF. Sabem, isto sim, o que eles próprios fizeram, como consta dos autos. E vão pagar.

E não pensem que os criminosos desistiram. Tentam agora dar um golpe por outros meios. Se não conseguiram quebrar as pernas das instituições, apelam para que Donald Trump o faça, sob o silêncio cúmplice de lideranças da direita brasileira, que se regozijam em ver o país tratado como colônia porque esperam os benefícios da eventual cumplicidade com o colonizador.

A história não vai se encarregar desses caras. Ela é o que fizermos, não uma instância abstrata que pune os maus e recompensa os bons. Essa gente vai até onde permitirmos que vá. Cana!

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