RAFAEL MARTINELLI

A ‘elite’ vira-lata e os colaboracionistas da terra arrasada: quando o inimigo age de dentro — é também contra Gravataí

Ilustração de Morin

Resta pouco espaço para ambiguidade. Há uma realidade que se impõe: ou se está ao lado do Brasil e da soberania nacional, ou se opera — consciente ou covardemente — em favor da sabotagem e da terra arrasada.

O que testemunhamos hoje não é apenas uma tentativa de desestabilização do governo Lula, um jogo político às vésperas do ano eleitoral. É um projeto de destruição da própria nação, protagonizado por uma ‘elite’ antinacional, um bolsonarismo sabujo, e ‘colaboracionistas’ travestidos de analistas moderados — para os quais bravatas presidenciais servem de desculpa para submeter o país a uma subjugação colonial.

É uma ‘elite’ vira-lata — com perdão ao conceito de elite e, principalmente, aos vira-latas — em sua versão mais tóxica.

Para trazer os efeitos para planície: o Rio Grande do Sul é o segundo estado mais prejudicado pelo tarifaço de 50% que Donald Trump ameaça impor aos produtos brasileiros, com perdas estimadas em R$ 1,9 bilhão, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Em Gravataí, empresas como a Prometeon –– que tem os EUA como principal cliente de pneus –– estão no caminho do atropelo pela sanção com base na premissa mentirosa de que os EUA teriam prejuízo comercial com o Brasil. A GM mundial, sem detalhar a operação gravataiense e brasileira, projeta redução de lucro em US$ 5 bilhões por conta de tarifas de Trump mundo afora.

Fato é que o tarifaço contra o Brasil é, antes de tudo, um caso de humilhação deliberada, chantagem explícita e sabotagem consentida. O que Trump pede só uma república de bananas seria capaz de cumprir.

Como destacou o ex-primeiro-ministro português José Sócrates, ao ICL Notícias, “querer alterar uma decisão judicial através de ameaças de tarifas é um gesto desprezível que exige a rendição da soberania de um à soberania do outro”. Mas o mais estarrecedor não é a ousadia do imperialismo americano, mesmo tenha os EUA superávit comercial com o Brasil: é o aplauso entusiasmado que recebe de alguns dentro das nossas fronteiras.

O jornalista Reinaldo Azevedo foi direto ao ponto, no UOL: “Em nenhum lugar do mundo parlamentares, mesmo de extrema direita, se manifestaram contra os interesses do próprio país”. Mas no Brasil, sim. Temos um Eduardo Bolsonaro que agradece a Trump pela sanção contra a nação que o elegeu. E temos um exército de comentaristas covardes, que se associam a um inexistente “meio-termo” entre o Brasil e Bolsonaro.

A denúncia de Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, escancara o que está em jogo: Trump está usando o Brasil como palco para um teatro autoritário e chantagista, ameaçando com tarifas de 50% como moeda de troca para interferir em processos judiciais legítimos contra Jair Bolsonaro. Isso não é comércio. Isso é extorsão internacional. E o silêncio de parte da elite brasileira só reforça sua condição de cúmplice — ou pior, de colaboracionista ativo.

Aliás, a expressão ‘colaboracionista’ é assustadoramente precisa. Porque o que se vê é a repetição de um script infame, nos moldes da Europa ocupada nos anos 40: brasileiros trabalhando lado a lado com interesses estrangeiros contra seu próprio povo.

O caso das movimentações bilionárias na B3 — R$ 6,6 bilhões em contratos futuros negociados pouco antes do tarifaço — é emblemático. Como demonstrei no Seguinte:, com base em dados do ICL e denúncia de operadores do mercado, trata-se possivelmente do uso do mercado financeiro como arma de sabotagem, um caso escancarado de insider trading com motivação política.

Pior: os operadores dessas transações incluem nomes ligados ao trumpismo e ao bolsonarismo — como Howard Lutnick, atual secretário de Comércio de Trump, e figuras como Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, que admitiram ter conhecimento prévio das medidas. Isso não é política. Isso é crime contra o país. É o golpismo em versão 5G: com ativos digitais, operações de alta frequência e tweets de apoio à sanção estrangeira.

Como alerta o jornalista Marcelo Nogueira, no 247, o planejamento do golpe e o 8 de janeiro não foram episódios isolados, mas a continuidade de uma estratégia de ruptura institucional que agora se atualiza sob formas mais sofisticadas: chantagem econômica, guerra jurídica, desinformação coordenada e sabotagem digital. É a guerra híbrida em seu estado mais avançado — e o Brasil está sendo atacado por dentro. Um golpe por outros meios.

Não se trata, portanto, de uma disputa entre ideologias. Trata-se de uma ‘polarização’ entre quem defende o Brasil e quem deseja vê-lo ajoelhado. Entre quem aposta na soberania e quem lucra com a destruição. Insisto: não existe um “meio termo” no mundo real, para além dos discursos oportunistas.

Não adianta culpar Lula, do you understand?

Como mostrou Natália Viana, na Agência Pública, até o Pix — uma inovação brasileira que incomoda os interesses das Big Techs americanas e dos bancos privados — virou alvo. Não por ineficiência, mas por ser eficiente demais, gratuito demais, popular demais. Por ser brasileiro demais.

Em qualquer país com uma elite política e econômica séria, a resposta seria unânime: defesa intransigente da soberania nacional. Mas aqui, a elite vira-lata prefere correr para Washington, Nova York ou Palm Beach, pedir bênção a Trump e entregar o país em troca de migalhas ideológicas e dividendos em dólar. Como se o Brasil fosse uma colônia de luxo a ser saqueada por quem tem acesso à informação privilegiada e nenhum escrúpulo.

Goste-se ou não de Lula, o presidente da oitava economia mundial fez o que se espera de um líder com decência e dignidade: recusou-se a aceitar a chantagem. Disse: “Não é um gringo que vai dar ordens a este presidente”. A coisa é tão surreal que, quisesse Lula aceitar a ordem, não teria poder para cumpri-la. O Brasil é uma democracia, com independência de Poderes.

E é isso que está em jogo: não o destino de um partido ou governo, mas o próprio direito de o Brasil ser Brasil — com justiça própria, moeda própria, política própria.

Enquanto postava o artigo, deu na GloboNews: “Trump só ficará satisfeito se humilhar Lula, dizem senadores”. Lula e Brasil, queira-se ou não, são indissociáveis para a comunidade internacional. É o presidente eleito democraticamente. Qualquer humilhação a ele é uma humilhação ao país.

Hannah Arendt ensinava: “a banalidade do mal começa quando crimes deixam de ser nomeados e punidos”. O colaboracionismo precisa ser chamado pelo nome.

Como alerta Stiglitz, “o Brasil reafirma sua democracia enquanto os EUA a abandonam”. Mas isso só se mantém se o país não permitir que traidores com mandato, crachás de corretoras ou microfones de podcasts vendam seu futuro por vingança, lucro ou ideologia.

Ao fim, o Brasil está sob ataque — e parte do inimigo veste verde-amarelo. É hora de desmascarar, cobrar os sabotadores internos e reafirmar: a pátria não está à venda. É Brasil, não Brazil.


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