Associo-me mais uma vez ao jornalista Reinaldo Azevedo, em seu artigo Correm rios de lágrimas de crocodilo; Bolsonaro preso é solução para reaças“, publicado no UOL. Sigamos no texto:
A hipocrisia é um tributo que o vício presta à virtude”, escreveu La Rochefoucauld, numa dessas frases insuperáveis, ainda que, num ambiente de homens viciosos, a gente deva ver com muito cuidado o que pretende se passar por “virtude”, mesmo que fingida. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) não são burros. Tanto o ex-vendedor de chocolates como o lírico da “cabeleleira”, que costuma “depedrar” a língua, são formados em direito. É evidente que sabiam que estavam expondo Jair Bolsonaro ao risco de uma prisão preventiva — que saiu na modalidade “domiciliar” — quando o colocaram nas redes sociais. “Está dizendo que Flávio tramou a prisão do próprio pai e que Nikolas prefere o Jair encarcerado?” Convenham: ele preso mais ajuda do que atrapalha a definição do nome da extrema direita para disputar a Presidência.
De resto, as motivações subjetivas, o que lhes passa no fundo da alma, os dramas que possam ter de consciência ou suas dúvidas existenciais não me interessam. Que conversem com seu psicanalista, pastor ou padre. Eu prefiro lidar com os fatos. O Artigo 312 do Código de Processo Penal não é, como escreveu o poeta Mário Faustino, um “arcano impossível de ler”. Como ambos escolheram pôr Bolsonaro nas redes, então o levaram a correr risco, cientes de que isso poderia ter consequências. Não precisamos escarafunchar a alma de cada um para concluir o óbvio. Basta consultar os desdobramentos.
Tanto Flávio como Nikolas vivem a angústia de definir um nome para disputar a Presidência com o apoio de Bolsonaro. Flávio se quer o “pragmático” da família: nem exagera nos horizontes escatológicos, como Eduardo, nem em chiliques como Carlos. Ameaça o país com um golpe em 2026 caso um eventual presidente de extrema direita conceda o indulto aos golpistas e o STF diga que não vale, mas, mesmo assim, quer-se negociador… Ele enxerga uma saída: quer Tarcísio de Freitas candidato à Presidência, a exemplo de parte considerável dos endinheirados — era assim, ao menos, antes do tarifaço; perdeu um pouco de “élan” vital depois disso… Nikolas se vê como a nova geração do bolsonarismo, mas tem um probleminha: é um “Ferreira”, não um Bolsonaro.
Eduardo não quer passar o bastão da extrema direita para um nome fora do clã, ainda que isso implique a derrota na próxima eleição. A oposição, como já escrevi, também é um lugar de poder. O deputado mineiro tem o seu eleitorado, com ou sem Bolsonaro, mas, para voos maiores — e não se enganem sobre as suas vastas ambições —, o seu grupamento ideológico não pode ser propriedade de uma família. O estranhamento já existe.
A prisão domiciliar de Bolsonaro é também um lugar político. Além de não recuperar a elegibilidade que lhe foi cassada pelo TSE, ficará longe das urnas pelo tempo que durar a condenação, acrescido de um tempo extra. Nunca mais vai disputar eleição. Na hora da dosimetria da pena, haverá poucos fatores favoráveis na ficha do futuro condenado.
É preciso que passe adiante o bastão. Correrão rios de lágrimas de crocodilo, vertidas pelos olhos de muitos dos seus aliados, que preferem o bolsonarismo sem um Bolsonaro, jogo que, é preciso que vocês saibam, Flávio até aceita — é um negociante de chocolates… —, mas Eduardo não.
Tarcísio grita na fila
Haverá, claro!, lamentos unânimes naqueles estranhos territórios da desrazão. Tarcísio se mostra fiel e comportado. Escreveu:
“A prisão de Jair Bolsonaro é um absurdo. A verdade é que Bolsonaro foi julgado e condenado muito antes de tudo isso começar. Uma tentativa de golpe que não aconteceu, um crime que não existiu e acusações que ninguém consegue provar”.
E seguiu adiante no seu papel de julgador do Supremo:
“Vale a pena acabar com a democracia sob o pretexto de salvá-la? Será que não está claro que estamos avançando em cima de garantias individuais? Já passou da hora das (sic) instituições tomarem iniciativas para desescalar a crise, acabarem com uma disputa que resulta em soma zero, que mostra incapacidade de resolver e mediar conflitos, que não gera outro efeito senão a perda de confiança”.
Isso é discurso de pré-candidato à Presidência. Observem: ao mesmo tempo em que ataca o Supremo — que está sob cerco de um governo estrangeiro —, apela a uma suposta conciliação, que, então, só poderia se dar entre iguais. E faz um aceno se ungido candidato, ainda que se deva desentranhar a promessa do discurso palavroso: “Hoje, cada um dos brasileiros de bem que acredita na liberdade, na democracia e na Justiça, [a vírgula é uma cortesia da sua gramática] está sendo punido também. Mas saibam, não vão calar o movimento. Força, presidente. Estamos com você”.
T arcísio ainda não desistiu de se candidatar a conduzir o país a uma crise institucional se eleito presidente. Afinal, só terá o endosso de Bolsonaro quem lhe prometer o indulto.
Encerro.
Pronto! Bolsonaro usará as horas livres, em casa, para decidir a quem passará o bastão. As circunstâncias impõem que antecipe o jogo, com a ajuda do “pragmático” Flávio e do buliçoso Nikolas. Se depender do senador, a coisa fica no colo de Tarcísio, que manda mais um aceno a Eduardo, que, no entanto, não acredita nele. Não lhe parece que seja o nome adequado para o que quer que tenha em mente. E olhem que o governador de São Paulo resolveu tratar o Supremo como inimigo. Topa ser um destruidor de institucionalidade – em nome da restauração de “confiança” –, mas o deputado pelo Estado do Texas faz pouco caso da sua sinceridade.