O prefeito de Gravataí Luiz Zaffalon (PSDB) e o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí Valcir Ascari, o “Quebra-Molas”, alinharam discursos e estratégias em defesa da General Motors diante do avanço dos carros chineses, especialmente da montadora BYD. O encontro entre os dois ocorreu na última semana e tem como pano de fundo a crescente importação de veículos elétricos em regime SKD — ou seja, quase prontos, com apenas a finalização no Brasil.
– Estamos falando de carros que chegam ao país até pintados. Só se monta o pneu aqui. Isso não é produção nacional. É risco real de desemprego em massa, especialmente no Sul do país – adverte Quebra-Molas, destacando a preocupação não apenas do sindicato local, mas da Confederação Nacional dos Metalúrgicos.
A crítica ocorre no momento em que a BYD opera sua nova unidade em Camaçari (BA) com esse modelo de montagem e pressionava o governo por redução tarifária. O movimento causou reação imediata das gigantes GM, Volkswagen, Toyota e Stellantis — todas com produção local consolidada — que se manifestaram por carta conjunta ao presidente Lula.
O documento denuncia concorrência desleal, risco à engenharia nacional e perda de empregos. A pressão surtiu efeito: o governo rejeitou o pedido da BYD e antecipou a retomada gradual da alíquota de importação, embora tenha concedido um alívio temporário com cotas livres de imposto até janeiro de 2026.
Gravataí como epicentro da indústria gaúcha
A mobilização ganha ainda mais peso quando se considera o papel central de Gravataí na indústria nacional. Conhecida como “Terra da GM”, a cidade viu sua história transformada desde a instalação da planta da General Motors, em 2000. Hoje, a fábrica emprega cerca de 5 mil trabalhadores, direta e indiretamente, representa metade da arrecadação do município e já produziu quase 5 milhões de veículos. A projeção para 2025 inclui novos investimentos de R$ 1,2 bilhão para a produção de um SUV inédito, voltado à eletrificação.
– O que está em jogo não é só o presente, mas o futuro da nossa cidade – alerta o prefeito.
– A GM colocou Gravataí no mapa do mundo. Agora, o risco é sairmos dele se aceitarmos que carros quase prontos entrem no país como se fossem fruto de cadeia produtiva brasileira.
Em discurso enfático, o prefeito também relacionou o cenário à baixa produtividade brasileira, apontando o Brasil na 78ª posição global: “Os chineses, pela eficiência e custo de mão de obra, acabarão com a indústria automotiva se não houver reação. Precisamos de 10 a 15 anos para nivelar a competição. E isso exige proteção estratégica.”
Alerta sindical e mobilização política
Segundo Quebra-Molas, a questão já foi levada ao vice-presidente Geraldo Alckmin e será pauta de audiência com o governador Eduardo Leite.
– Não vamos assistir passivos enquanto postos de trabalho desaparecem. O que a BYD está fazendo, com apoio de isenções, é matar o emprego industrial gaúcho – diz o sindicalista.
Gravataí já sentiu o impacto recente da retração no setor. Em abril, um layoff temporário atingiu cerca de mil trabalhadores da GM, reflexo da queda na demanda pelo Onix. A negociação, no entanto, preservou salários e garantiu qualificação profissional.
A planta de Gravataí segue como exemplo de excelência produtiva: conquistou a certificação Zero Aterro, abriga 13 sistemistas no modelo de condomínio industrial e atrai novos investimentos.
Concorrência ou chantagem? A versão da BYD
Do outro lado da disputa, a BYD acusa as montadoras tradicionais de tentarem manter monopólio às custas do consumidor. Em carta aberta, a montadora chinesa afirma que a reação de GM, VW, Toyota e Stellantis é “chantagem emocional com verniz corporativo” e que a empresa está apenas democratizando o acesso a veículos elétricos de qualidade.
“O incômodo das concorrentes não tem a ver com impostos, mas com a perda de protagonismo. A tecnologia deixou de ser um luxo para poucos e virou realidade para muitos”, diz o comunicado.
Protecionismo x modernização: o dilema do Brasil
A decisão do governo federal buscou um equilíbrio. De um lado, antecipou o retorno das alíquotas de 35% para veículos desmontados; de outro, zerou o imposto temporariamente até janeiro de 2026 para 45 mil veículos elétricos ou híbridos em regime SKD e CKD, permitindo a continuidade da operação da BYD enquanto a nacionalização avança.
Para o setor produtivo de Gravataí, no entanto, esse alívio é um risco.
– O Brasil tem que decidir se quer ser plataforma de produção ou apenas mercado consumidor. Nós, em Gravataí, já fizemos nossa escolha. Aqui se produz, se emprega, se inova – conclui Zaffa.
Gravataí e a GM em números
: PIB: R$ 12,4 bilhões – 4ª maior economia do RS
: Complexo automotivo: 5 mil empregos diretos e indiretos
: Investimentos acumulados da GM desde 2000: R$ 6 bilhões
: Novos investimentos anunciados: R$ 1,2 bilhão (SUV elétrico)
: Contribuição da GM para a arrecadação municipal: cerca de 50%
: Orçamento municipal em 2025: R$ 1,2 bilhão