Associo-me mais uma vez ao jornalista Reinaldo Azevedo, em seu artigo Fux, que já condenou 400 vezes, dá voto vergonhoso sobre peixões do golpe. Sigamos no texto, publicado pelo UOL:
Não é preciso aguardar que o ministro Luiz Fux termine o seu voto para que concluamos que se trata de uma das peças mais vergonhosas jamais pronunciadas na história do Supremo. Assumindo um tom professoral, como se fosse um mestre a falar a aprendizes, com a voz alguns tons acima do habitual, o homem não está exatamente a ler um voto, mas a fazer um comício em favor dos golpistas.
Compete, no rigor técnico, com o “jurista” Silas Malafaia, destacando-se que o pastor tem ao menos a virtude de ser menos pernóstico. Nunca antes na história do direito tantos juristas e humanistas foram citados em defesa de criminosos. Prestem atenção! Este senhor seguiu o relator, Alexandre de Moraes, e os demais ministros em 400 condenações dos peixes mais miúdos do golpe. Ele resolveu ser a voz esganiçada do “garantismo da impunidade” no julgamento dos tubarões.
O que aconteceu entre aquelas votações e o caso da tal cabeleireira, quando, então, resolveu operar uma inflexão, deixando claro que já mirava a proteção aos grandões do golpismo? Quais forças passaram a operar na cabeça do ministro?
Fux votou pela nulidade de todo o processo, apelando a questões que já haviam sido examinadas pelos ministros: o foro, diz, deveria ser a primeira instância, não o Supremo, e permanecendo o caso no tribunal, que fosse então julgado pelo pleno, não pela turma. Alegou ainda cerceamento da defesa, que não teria tido tempo de examinar 70 terabytes de material colhido nas apurações, o que ele chamou de “bilhões de páginas” — hipótese, suponho, em que o processo seria concluído por volta do ano 2185… Comprou a tese do “data dump”, que ele chamou “document dump”, como se, efetivamente, todo e qualquer conteúdo extraído de celulares e computadores fosse relevante para o processo.
A tese foi inicialmente levantada pela defesa do general Braga Netto e, claro!, encampada também pela de Bolsonaro, como se houvesse no que eventualmente não se leu alguma informação que contestasse, por exemplo, os testemunhos dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica, respectivamente Freire Gomes e Batista Jr., sobre a minuta golpista. Não interessa. Para Fux, tudo deveria ser anulado. Insisto: duas das preliminares já haviam sido julgadas pela turma. Fux, pelo visto, só toma como decisões dos tribunais aquelas que contam com a sua anuência.
Imputações
Depois de votar pela nulidade nos três quesitos, anunciou uma mudança de ideia e votou pela validade da delação de Mauro Cid, que ele já havia esculhambado algumas vezes. Por quê? Sei lá. Talvez para tentar diluir a impressão de que não é exatamente um juiz a votar, mas um sabotador. Insisto: quando se tratou dos bagrinhos, este senhor acompanhou a condenação nada menos de 400 vezes. Por que, então, não pediu a nulidade? Quando menos, uma das razões por ele alegadas estava posta: a questão do foro.
Na sequência, Fux passou a examinar as imputações. Não reconhece a organização criminosa porque, em síntese, disse não ver a existência de um grupo estruturado e estável. Menos ainda a organização criminosa armada, a despeito de todas as evidências de violência.
Também não acata as imputações de crimes contra o patrimônio porque, diz, seria uma forma de responsabilização objetiva, já que não existiria uma determinação dos réus para que aqueles crimes fossem cometidos. Ignora que chefões do golpismo controlavam os acampamentos.
Ficou para a segunda parte do voto o exame dos crimes de tentativa de abolição do estado de direito e de tentativa de golpe de estado. Segredo de Polichinelo. Também vai afastá-los. Aliás, já fez isso quando a questão nem estava em julgamento. Deixou claro que não reconhece os dois tipos como crimes autônomos. Mais: entende que a tentativa não caracteriza o crime consumado — e que se dane o Código Penal — e vê no conjunto nada além de atos preparatórios, jamais executórios.
Em suma: Fux votou pela nulidade do processo três vezes. Na suposição, em sua mente divinal, de que nulidade não houvesse, afasta todas as imputações e absolve os golpistas. Aquele que sempre foi considerado uma espécie de Torquemada das ações penais — basta ver como se comportou nas votações dos chamados “mensalão” e “petrolão” — se tornou agora uma pomba do garantismo. Definitivamente, os golpistas amoleceram seu coração.
O futuro
Tudo indica que o resultado será um 4 a 1 pela condenação dos réus com divergências no caso das penas — e, sim, Fux poderá participar da dosimetria. Como se trata de um processo que padece, já se disse no tribunal, de excesso de provas, é claro que as defesas podem comemorar. E se abre uma perspectiva, ainda que remota, de que um dia se venha a anular o julgamento.
Digamos que um candidato de direita vença a eleição presidencial. Indicará três ministros: substituto do próprio Fux em abril de 2028; de Cármen Lúcia em abril de 2029 e de Gilmar Mendes em dezembro de 2030. Sempre escrevi aqui e disse em toda parte que os advogados de defesa apostavam e apostam numa virada política do jogo, já que resta pouco a fazer na esfera jurídica.
Mas precisavam de alguém que tivesse, digamos, a coragem de fazer o que Fux faz. E esse tipo de coragem ele sempre teve…