Não é de agora. Fux sempre representou a magistratura brasileira em sua maioria conservadora, marcada por valores tradicionais, contrária a mudanças estruturais, alinhada ao que Jair Bolsonaro simbolizou. Compartilhamos o artigo do sociólogo, cientista político, ensaísta e professor da UFRJ Paulo Baia, publicado na Agenda do Poder
No dia 10 de setembro de 2025 o Brasil não testemunhou apenas um julgamento. Assistiu a uma cena carregada de símbolos, um gesto que atravessou as paredes do Supremo Tribunal Federal e se espalhou pelo país como clarim de guerra. Luiz Fux, ao proferir seu voto, não falava apenas ao processo. Falava ao Brasil profundo, àqueles milhões que ainda se veem na imagem de Jair Bolsonaro, aos que respiram os valores do bolsonarismo, aos que encontram na toga conservadora a certeza de que sua visão de mundo permanece protegida.
Não é de agora. Fux sempre representou a magistratura brasileira em sua maioria conservadora, marcada por valores tradicionais, contrária a mudanças estruturais, alinhada ao que Jair Bolsonaro simbolizou. Esse perfil não é acidental, nem episódico. É a espinha dorsal de um Judiciário que, desde as primeiras instâncias até os tribunais superiores, guarda afinidade com a ordem social excludente, com o peso das hierarquias e com a rejeição a experiências de ruptura. O episódio do Juiz de Garantias foi uma peça de teatro exemplar. Quando o Congresso aprovou a criação dessa nova figura processual, a magistratura se rebelou. Fux, à frente do STF, paralisou a questão, colocando-a na gaveta por dois anos, retardando deliberadamente sua aplicação. Não foi descuido, foi coerência. Era a voz da toga conservadora ecoando de cima a baixo, o guardião fiel de uma classe que se recusava a abrir mão de sua própria lógica.
O voto de Fux, portanto, não pode ser lido como simples técnica jurídica. Foi ato performático, bandeira erguida diante de um país em conflito. Com ele, a extrema direita encontrou alimento, a direita tradicional ganhou fôlego, os conservadores sentiram-se legitimados, e até o centro difuso da sociedade, perplexo diante das turbulências, viu naquelas palavras uma ancoragem. Um gesto capaz de revigorar os herdeiros e substitutos de Jair Bolsonaro, que agora tentam sustentar o bolsonarismo sem o seu fundador em plena vitalidade.
O Judiciário, longe de ser neutro, tem lado. A imensa maioria dos juízes e desembargadores do país compartilha valores que dialogam com o conservadorismo social e político. É nesse ambiente que a narrativa bolsonarista encontra legitimidade, onde se erguem muros contra os movimentos sociais, onde o autoritarismo encontra guarida e verniz jurídico. Luiz Fux, mais do que um ministro, é a voz cristalizada dessa maioria. Seu gesto não foi solitário. Foi o eco de uma classe que, sob a toga, mantém acesa a chama de uma direita que não aceita o silêncio.
Esse voto é também um alerta. Muitos analistas olham apenas para a disputa entre o governo e a oposição no Congresso, ou para a batalha direta entre o STF e o bolsonarismo. Mas ignoram que ao menos 40% da população brasileira se reconhece nesse campo ideológico. Não se trata de minoria barulhenta, mas de uma massa ativa, com identidade e convicção, que vê em Fux e em seu gesto a confirmação de que sua narrativa ainda pulsa nas instituições.
O julgamento do dia 10 de setembro foi a materialização de uma anti-narrativa. Contra a história contada pelo governo Lula, pelos lulistas, petistas e pela oposição ao bolsonarismo, ergueu-se uma história paralela, feita de símbolos, de fidelidade e de resistência. O voto de Fux foi mais do que palavras no plenário. Foi bandeira desfraldada diante de um país dividido.
Nada disso é acaso. É continuidade. A magistratura brasileira se construiu em aliança com os pilares de uma sociedade desigual, mantendo-se impermeável a projetos democráticos de transformação. Fux é apenas a figura que mais visivelmente traduz esse espírito. É o rosto de uma toga que não se deixa contaminar pela pluralidade, que se vê como guardiã de uma ordem hierarquizada, e que transforma o conservadorismo em fundamento de legitimidade.
É certo que o Ministério Público ocupa posição similar, mas essa história merece outra análise. O que importa aqui é compreender como, em um só gesto, Luiz Fux condensou décadas de conservadorismo, reafirmou a identidade de uma classe e ofereceu aos milhões de brasileiros alinhados ao bolsonarismo a certeza de que ainda há trincheiras abertas em sua defesa.
Enquanto o país busca se reconstruir sob o signo da democracia, enquanto vozes clamam por direitos e pluralidade, uma parte significativa da sociedade encontra consolo na força simbólica do voto de Fux. O bolsonarismo, mesmo sem seu líder em plenitude, não desaparece. Sobrevive em narrativas, em símbolos, em gestos como esse.
Luiz Fux não apenas julgou. Ele sinalizou. Acendeu um farol que atravessou os corredores do Supremo e iluminou salas de audiência, gabinetes de desembargadores, púlpitos de igrejas, praças e lares de um Brasil conservador. O voto não foi só jurídico. Foi político, cultural, ideológico. Foi bandeira. Foi a prova de que a batalha de narrativas ainda está viva e que a toga, ao invés de neutralidade, pode ser também estandarte.
E assim, na história que se escreve a cada decisão, Luiz Fux se inscreve como personagem central. Uma bandeira erguida em meio ao vento que sopra da direita, lembrando a todos que o bolsonarismo não é apenas memória. É força viva, que encontra na toga conservadora o seu abrigo mais seguro.