RAFAEL MARTINELLI

A conta histórica da pandemia: a chance de oferecer justiça para as famílias destruídas pela covid — 1.124 em Gravataí

Foto mostra retirada do container que armazenava corpos no hospital de Gravataí no auge da pandemia

O inquérito aberto pelo ministro do STF Flávio Dino contra Jair Bolsonaro, três de seus filhos, ex-ministros e aliados, a partir do relatório da CPI da Covid, tem potencial para representar um acerto de contas com uma das maiores tragédias da história recente do Brasil.

A acusação de incitação ao descumprimento das medidas sanitárias tem relação direta com a vida e a morte de milhares de brasileiros. Em Gravataí, significa uma resposta às 1.124 famílias que perderam entes queridos e dizer: suas dores não serão esquecidas.

No auge da pandemia, corpos eram armazenados em um container ao lado do Hospital Dom João Becker, enquanto a média diária chegava a seis mortes. Entre março de 2020 e hoje, foram 43.108 infecções registradas no município.

É impossível apagar da memória a imagem de UTIs lotadas, do hospital de campanha abarrotado e dos enterros sem despedida.

A CPI já havia apontado que pelo menos uma em cada quatro mortes no Brasil poderia ter sido evitada. Em Gravataí, isso significa que cerca de 500 pessoas poderiam estar vivas.

São vidas arrancadas por escolhas políticas que colocaram cloroquina no lugar de vacina, discurso no lugar de ciência, negacionismo no lugar de solidariedade.

E o estrago não terminou com o fim da Emergência de Saúde Pública declarada pela OMS em 2023.

O legado é a covidiotia: campanhas antivacina que derrubaram a cobertura infantil a 33% em 2025, contra 80% há dez anos. Um risco real de retrocesso histórico em doenças já controladas, como a poliomielite.

Pior: a desconfiança na ciência se normalizou. Não por acaso, ainda hoje circulam fake news sobre vacinas, enquanto médicos e entidades, como o Conselho Federal de Medicina, alimentam discursos perigosos que põem crianças em risco.

O obscurantismo é uma das doenças crônicas oriundas da pandemia.

É preciso registrar para as futuras gerações: políticas públicas baseadas em evidências salvam vidas; o negacionismo, não.

Insisto, para que o tempo não seja cúmplice silencioso de novas tragédias: 1.124 gravataienses perderam a vida na pandemia, mas ao menos metade dessas mortes poderia ter sido evitada.

A investigação aberta pelo STF não devolverá ninguém às suas famílias. Mas é um gesto de memória, verdade e responsabilidade. A banalização da morte não pode ser naturalizada. A justiça pode ser lenta, mas não deve ser omissa.

A covid-19 custou ao Brasil 715 mil vidas. A Gravataí, mais de mil. A conta histórica está em aberto.

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