Diego Saldanha, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Elites, Instituições e Agentes do Sistema de Justiça (LELIA-UFRGS), mestrando em Ciência Política e servidor da Câmara de Gravataí, colabora com o Seguinte:
Os movimentos que antecederam a aprovação das alterações no Imposto de Renda (IR) indicam que as lógicas do campo político podem absorver seus integrantes, promovendo um afastamento do meio do qual dependem. É sedutora, para os agentes políticos, a ideia de que, ocupando o espaço que ocupam, passam a independer daqueles que os elegeram. No entanto, salvo exceções historicamente consolidadas, a percepção de que se é imune à opinião pública pode encerrar a carreira de um político emergente.
Nesse sentido, uma estratégia de sucesso exige expertise no diálogo entre os interesses da base de apoio – o extracampo – e, simultaneamente, com as movimentações necessárias para a sustentação no jogo político. O descompasso nessa balança pode colocar o agente em situações de desgaste potencialmente irreversíveis.
A aprovação da isenção do IR na Câmara dos Deputados foi um exemplo desse fenômeno. O Governo Lula apresentou essa grande pauta à população usando a gramática da esquerda, posicionando-a como uma política de atenção às classes mais pobres. A aceitação dessa abordagem, contudo, conflitua com as interpretações mais recentes da realidade nacional, de valorização da tríade “liberdade, empreendedorismo e inovação” em detrimento de certo protagonismo estatal na vida pública.
A estratégia governista não teria colado tão bem não fosse o movimento oposicionista, iniciado pela direita no parlamento. Enquanto o governo concentrava-se em construir o discurso de atenção aos mais pobres, a direita manteve uma estratégia de salvação do antigo presidente, como se a manutenção de seu ideário e de seus mandatos dependesse exclusivamente da liberdade de Bolsonaro. O que, obviamente, não é verdade: há esquerdas sem Lula e há direitas sem Bolsonaro; não há espaço inocupado na política.
O movimento da direita, ante a inevitabilidade dos trunfos políticos advindos da proposta do IR (afinal, votar contra daria munição ao governo, votar a favor aprovaria uma grande bandeira do governo), foi no sentido de construir uma estratégia arriscada: condicionar a aprovação da pauta à anistia de Bolsonaro. Mas para isso, a direita na Câmara precisava do apoio do Centrão, que, por sua vez, também condicionou: não haveria apoio à anistia sem apoio à PEC da Blindagem. A direita brasileira, por dívida política ou por inabilidade estratégica, comprou a briga.
Não poderia haver quadro melhor para o governo: as forças de oposição estavam agora contra um interesse popular, que se materializava na busca por anistia e pela autopreservação. Para livrar-se da nova pecha, a de “defensor de bandido”, a oposição precisaria de uma grande construção argumentativa, que demoraria para se calcificar na opinião pública.
Os atos nas capitais do país, ocorridos em 21 de setembro, abriram o corte derradeiro e autorizaram o Senado a realizar o arquivamento da PEC da Blindagem. Como consequência, Hugo Motta (Republicanos), tendo cumprido o acordo junto à oposição, cumpriu o acordo com o governo e pautou o IR. À direita, já consumida pelo fracasso, em um movimento de contenção de danos, restou votar unanimemente a favor. No dia posterior, Nicolas Ferreira (PL), termômetro da direita nacional mais histriônica, postou vídeos polemizando outros temas e não tocou no assunto da isenção do IR.
O ocorrido demonstra que o jogo político continua dependente de fatores extracampo. Talvez por arrogância, ou por uma escolha estratégica inadequada, a oposição provocou um sangramento em si mesma. Ainda hoje ecoam vozes decepcionadas, de apoiadores posicionados à direita do espectro que viram seus representantes se esforçarem para “fugir da justiça”.