JEANE BORDIGNON

Eu aprendi a cair

Quando digo que aprendi a cair, não é apenas uma metáfora. Aprendi de forma literal, depois de vários tombos nas calçadas “maravilhosas” da Grande Porto Alegre. Para os desavisados: sou uma pessoa com perda auditiva moderada, do tipo neurosensorial, faço uso de aparelhos auditivos. E para quem não prestou atenção nas aulas de biologia, o labirinto, uma das principais estruturas que comandam o equilíbrio, fica dentro do ouvido. Logo, o que afeta os ouvidos também afeta o equilíbrio.

Além disso, eu uso óculos multifocal, o que faz minha percepção dos obstáculos do chão ficar comprometida. Bem que eu tento andar com cuidado, com calma, devagar… mas ainda sou um ser humano que gosta de conversar e tirar fotos. Daí acontece de pisar em falso, tropeçar ou sei lá, às vezes parece que dá um tilt no sistema. Tem dias em que o reflexo funciona e eu consigo fazer o corpo voltar antes de chegar no chão. Mas tem outros em que a queda é mais rápida do que minha capacidade de reação. Caio feito uma jaca podre (pra não usar um exemplo mais nojento).

O curioso é que o ser humano é um bicho adaptável, ao que parece. Nas últimas quedas meu instinto tem sido de relaxar o corpo e cair macio, devagar. Assim, tenho evitado me machucar. No máximo um esfolado superficial ou uma dorzinha que nem de remédio preciso. Instinto de sobrevivência, talvez? Só sei que é divertido ver o espanto de quem presencia minhas quedas em câmera lenta e me vê levantando plena. Até parece um superpoder.

Gosto de dizer que sou “dura na queda”, como a persona da canção de mesmo nome composta pelo genial Chico Buarque e imortalizada na voz da diva Elza Soares.

“Bambeia, bamboleia

É dura na queda, custa cair em si”

(…)

“Mas para quem sabe olhar

A flor também é ferida aberta

E não se vê chorar”

Mas com quase 45 anos “no lombo” já aprendi também a não ficar no chão emocional. Sabe aquela velha máxima de “nada como um dia depois do outro”? É sobre isso. Acolher a dor e o penhasco, dar-se tempo para recobrar as forças e seguir em marcha novamente. A gente começa a entender que ninguém é feliz o tempo inteiro, a vida é oscilante como as ondas. Tem dias mais sombrios e outros mais coloridos.

Claro que terapia e um remedinho também ajudam. A gente precisa encarar nossos monstros para não deixar que eles nos sufoquem. E muitas vezes, há um desequilíbrio químico no cérebro, então só a terapia não é suficiente. Já tive meus preconceitos com tratamento psiquiátrico, muito por conta de um médico que me tratou de forma equivocada e não foi acolhedor. Hoje me entendo muito mais, e compreendo que preciso do acompanhamento de um psiquiatra quanto preciso de ginecologista, ortopedista e dentista. É qualidade de vida, sabem?

Mesmo assim, às vezes a tristeza visita… Então eu lembro de uma música da Legião Urbana que tenho quase como um mantra:

“Só por hoje eu não quero mais chorar

Só por hoje eu não vou me destruir

Posso até ficar triste se eu quiser

É só por hoje, ao menos isso eu aprendi”

Renato Russo escreveu essa canção na época em que frequentou o Alcoólicos Anônimos para tratar do vício. Mas o lema do A.A. serve para muita coisa na vida. Quando a gente diz que “só por hoje” vai permanecer em pé, está dando aquele tempo para que o sol nasça trazendo novas forças. Às vezes é só isso que a gente precisa: uma noite de sono e um novo dia para viver.

“Não sei onde estou indo

Só sei que não estou perdido

Aprendi a viver um dia de cada vez”

Gosto muito de citar uma frase do filme Kung Fu Panda, uma animação que todo adulto deveria assistir. O mestre Oogway dá ao jovem Panda um conselho que vale para muitos momentos da vida: “Sua mente é como essa água, meu amigo, quando fica agitada não consegue ver claramente, mas se permitir que se acalme a resposta fica clara”.

Então, o negócio é respirar e não decidir nada de cabeça quente. Mas também não vale ficar no chão, seja o real ou metafórico. Entender o processo de cair ajuda a levantar. Ou como cantava a grande Beth Carvalho:

“Reconhece a queda

E não desanima

Levanta, sacode a poeira

E dá a volta por cima”

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