SEGURANÇA

Por que Polícia Civil indiciou ex-secretária de Canoas em inquérito sobre eutanásias em massa de cães e gatos

Inquérito inclui trocas de mensagens

A Polícia Civil concluiu o inquérito sobre as eutanásias em massa de cães e gatos e indiciou a ex-secretária do Bem-Estar Animal de Canoas pelos crimes de maus-tratos, falsidade ideológica e associação criminosa. A informação foi revelada em reportagem de GZH, assinada por Guilherme Milman e Pâmela Rubin Matge.

Segundo a investigação, a ex-secretária teria ordenado a morte de centenas de animais, muitos deles sem necessidade clínica, durante o período em que chefiou a secretaria, entre janeiro e agosto deste ano. Outras duas pessoas também foram indiciadas: uma veterinária e o companheiro da ex-secretária.

De acordo com a delegada Luciane Bertoletti, responsável pelo caso, as provas indicam que as eutanásias eram realizadas de forma sistemática e sem critério técnico.

“A gente chegou à conclusão de que efetivamente havia, de forma sistemática, eutanásias realizadas sem critério dentro da Secretaria de Bem-Estar Animal de Canoas. Ela escolhia o cão que ficaria vivo e o cão que iria ser eutanasiado”, disse à GZH.

“Buscavam números”: mortes para reduzir custos e inflar estatísticas

Conforme a apuração policial relatada pela reportagem de GZH, a ex-secretária determinava as eutanásias para baratear custos de tratamento e abrir espaço para novos resgates, buscando “melhores resultados” em relatórios da pasta.

“O que se queria naquela gestão era realmente buscar números: maior número de atendimentos, maior número de consultas, maior número de procedimentos. Para fazer isso, havia necessidade de uma abertura de espaços para então chegar aos números que se queria”, afirmou à GZH a delegada Luciane.

A prática, segundo a investigação, violava princípios básicos do bem-estar animal, já que a eutanásia é aceita apenas em casos sem possibilidade de cura ou com sofrimento irreversível.

Nos últimos dois meses, a Polícia Civil ouviu 30 testemunhas, incluindo servidores, ex-funcionários e tutores de animais.

“A análise da prova testemunhal e documental indica que, muitas vezes, a única solução dada pelo órgão ao tutor do animal era a eutanásia e não o tratamento”, explicou à GZH a delegada.

Número real de mortes seria ainda maior

O relatório policial aponta que as eutanásias foram ocultadas dos registros oficiais. Um caderno apreendido com anotações de uma ex-funcionária lista 478 mortes entre janeiro e julho, enquanto o sistema da prefeitura registrava 450 casos.

“Houve realmente uma omissão proposital desses números”, disse à GZH a delegada.

Em 2024, mesmo durante o período de enchentes, haviam sido pouco mais de 300 casos.

“A discrepância mostrou que os dados de 2025 foram maquiados”, acrescentou a investigadora.

Por essa omissão, a ex-secretária também responderá por falsidade ideológica.

Segundo a polícia, nenhum documento de 2025 foi encontrado na secretaria. A suspeita é de que os materiais tenham sido descartados propositalmente para dificultar o rastreamento das mortes.

Outros indiciados e funções no esquema

Além da ex-secretária, uma veterinária da Secretaria de Bem-Estar Animal foi indiciada pelos mesmos crimes de maus-tratos, falsidade ideológica e associação criminosa.

O companheiro da ex-secretária responderá por associação criminosa, apontado como seu “braço direito”.

“Ele era uma figura frequente dentro da secretaria, o braço direito da gestora. Instalou câmeras internas e externas para que ela pudesse ter a visão de tudo que acontecia ali dentro”, relatou à GZH a delegada Luciane Bertoletti.

Uma quarta pessoa, dona de um sítio que servia de abrigo para animais ligados à ONG da ex-secretária, foi investigada, mas não teve participação comprovada nas práticas dentro da secretaria.

Mensagens revelam tensão e cobrança sobre mortes

A reportagem de GZH teve acesso a trechos de conversas entre a ex-secretária e a dona do sítio que acolhia animais de sua ONG. Em uma das mensagens, a interlocutora confronta a ex-secretária sobre o desaparecimento de um cachorro ferido:

“Certamente se morreu é porque mataram. E aí vou confirmar pra todo mundo que tu matas os cachorros. Era só tirar a pata”, escreveu a mulher.

As trocas de mensagens reforçam o padrão de decisões arbitrárias e a ausência de transparência na destinação dos animais sob responsabilidade da então secretária.

Prefeitura promete novas investigações

Em nota enviada à GZH, a Prefeitura de Canoas informou que vai solicitar o inquérito policial para subsidiar a sindicância interna já aberta após a Operação Carrasco, que revelou as primeiras denúncias.

O secretário de Transparência, Controladoria e Governo Digital, Gustavo Ferenci, disse que o Executivo pretende utilizar os elementos do inquérito para aprofundar a apuração administrativa.

“O inquérito irá auxiliar a dar mais elementos na apuração do Executivo”, afirmou à GZH.

Até o momento, seis servidores foram ouvidos na sindicância.

Defesas criticam falta de acesso aos autos

O advogado Gilson R. R. de Araújo, que representa a ex-secretária e seu companheiro, afirmou que a defesa foi surpreendida com o indiciamento, sem ter sido notificada formalmente.

“Mais uma vez a defesa foi pega de surpresa, sem ter acesso integral aos autos. O conhecimento acerca dos fatos para esse defensor é sempre através da imprensa”, declarou à GZH.

Já o advogado Carlos Ferrari, que defende a veterinária indiciada, disse que ainda não teve acesso à íntegra do inquérito, e que só se manifestará após a análise completa dos autos.

“A atuação profissional da minha cliente sempre foi pautada pelo conhecimento técnico e ético”, disse à GZH, acrescentando confiar que isso será demonstrado em eventual ação judicial.

Investigação na ONG

Apesar do indiciamento, a Polícia Civil informou à GZH que as investigações não estão encerradas. O foco agora é a atuação da ex-secretária como protetora de animais em sua ONG, que também é alvo de apurações paralelas.

A ex-secretária está em liberdade, mas poderá responder a processo criminal por maus-tratos qualificados, cuja pena pode chegar a cinco anos de prisão, além de sanções por falsidade ideológica e associação criminosa.

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