Será contada pela autópsia em 121 cadáveres os bastidores da maior e mais letal ação das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, realizada na terça-feira (28), contra o Comando Vermelho (CV). A parte visível desta história está sendo contada online por uma intensa e detalhada cobertura da imprensa. A ação policial foi batizada de Operação Contenção e envolveu 2,5 mil policiais, que equipados com veículos, aeronaves, fuzis e pistolas entraram nos complexos do Alemão e da Penha, onde vivem 110 mil pessoas, para cumprir 180 mandados de busca e apreensão e 100 de prisão. Foram recebidos sob forte tiroteio por traficantes do CV que haviam erguido barreiras nas ruas e usaram drones para jogar granadas nos policiais. No final do dia, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), 46 anos, anunciou que durante a operação tinham sido mortas 58 pessoas, sendo que quatro eram policiais: os sargentos do Bope Heber Carvalho da Fonseca, 39 anos, e Cleiton Serafim Gonçalves, 42 anos, e os policiais civis Rodrigo Veloso Cabral, 34 anos, que estava havia apenas 40 dias na corporação, e Marcus Vinícius Cardoso Carvalho, 51 anos, com 20 anos na polícia, onde era conhecido pelos colegas como Máskara. As identidades dos outros mortos serão conhecidas depois da autópsia do Instituto Médico Legal (IML). Assim terminou o primeiro dia da mais letal ação policial do Brasil.
No segundo dia da operação, na quarta-feira, como costumam fazer nestas ocasiões, os jornalistas realizaram o que se chama de “rescaldo”, que é a busca de esclarecimentos para fatos mal explicados e também uma oportunidade de encontrar alguma informação inédita que renda uma manchete. Encontraram muito mais que isso. Durante a madrugada, parentes e amigos dos traficantes do CV localizaram na Serra da Misericórdia, uma mata que existe entre o Alemão e a Penha, muitos corpos espalhados pela área. Colocaram dentro de veículos e levaram até a Praça São Lucas, onde foram depositados no chão, um ao lado do outro, 63 corpos. As fotos dos cadáveres enfileirados circularam o mundo. A versão oficial do que aconteceu na mata foi dada por Victor Santos, 55 anos, delegado da Polícia Federal (PF), que ocupa o cargo de secretário da Segurança do Rio de Janeiro. Em todas as operações policiais que acontecem na área, os traficantes do CV fogem para a mata. Desta vez, conta Santos, policiais civis fustigaram os traficantes para que fugissem para lá. Foi que fizeram. Não sabiam. Mas lá estavam sendo esperados no mato por efetivos do Bope, aquele batalhão do filme Tropa de Elite. O secretário disse que foi dada a opção para que se entregassem. Mas muitos escolheram o confronto. A versão dos familiares é que os que se entregaram foram torturados. O que realmente aconteceu será contado pela autópsia dos cadáveres. Além do IML, também deverá ser feita uma autópsia independente. O secretário disse que os mortos usavam uniformes camuflados e coletes à prova de balas. E que antes de serem levados para a praça os parentes e amigos retiram as roupas camufladas e os coletes. Há muitas perguntas soltas no ar. Uma delas: por que a polícia não isolou a área onde aconteceu o tiroteio no meio do mato? Optou por simplesmente virar as costas e ir embora?
Antes dos corpos na praça, o centro da cobertura jornalística estava concentrado na busca da explicação do motivo pelo qual o governador Castro resolveu fazer a operação sem compartilhá-la com o governo federal. Houve um momento tenso nesta história. No início, o governador disse que não pediu a parceria de Brasília porque em outras ocasiões havia sido negada. Então resolveu fazê-la por conta própria. O governo federal lembrou do sucesso que foi a Operação Carbono Oculto, que envolveu a PF, a Receita Federal, a Polícia Militar de São Paulo e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MPSP). A operação descobriu que o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, havia se aliado a falsificadores de combustíveis e estava lavando dinheiro operando na Faria Lima, como é conhecido o maior centro financeiro do Brasil e da América do Sul, numa referência à Avenida Brigadeiro Faria Lima, na cidade de São Paulo, onde fica a sede da maioria das empresas do setor. Esta operação congelou alguns bilhões de reais do PCC e tornou público os nomes dos aliados da organização criminosa. Por que algo semelhante não foi feito no Rio? Há uma longa lista de motivos. O maior de todos são as eleições de 2026. O governador e muitos dos seus secretários concorrerão a cargos. Na opinião dos especialistas, este foi o motivo de optar por uma operação midiática. O grande troféu seria a prisão do chefão do CV, Edgar Alves Andrade, 55 anos, conhecido como Doca ou Urso, que tem mais de 20 mandados de prisão. Ele conseguiu fugir e foi oferecida uma recompensa de R$ 100 mil por informações que levem a sua captura. No final da quarta-feira, a turma do “deixa disso” entrou na história do bate-boca entre Castro e governo federal. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o governador anunciaram a criação de um escritório de emergência para enfrentar o crime organizado no estado.
O fato é o seguinte. A operação não mudou nada no Alemão, na Penha e em outras regiões que vivem sob o domínio do CV. São áreas protegidas por construções que impedem o trânsito e dificultam o acesso da polícia. A população paga taxas para os bandidos sobre tudo o que consome. Os pistoleiros mortos serão substituídos pelo comando da organização criminosa. E segue o baile, como diz a gíria. Hoje, as áreas ocupadas pelo CV se tornaram esconderijos para criminosos de todo o território nacional. Nesta última operação, por exemplo, foram presos 33 bandidos do Pará. Lembro o seguinte. No final da década de 90, um dos líderes do CV, Luiz Fernando da Costa, 58 anos, o Fernandinho Beira-Mar, fugiu para o Paraguai e se instalou na cidade de Capitán Bado, que é separada por uma avenida de Coronel Sapucaia, no oeste do Mato Grosso do Sul. Instalou-se na fazenda do seu fornecedor de maconha, João Morel. Com apenas um celular conseguiu entrar em contato com os cartéis de produtores de cocaína da Colômbia e virou o jogo no tráfico de drogas. Até então, os traficantes brasileiros se abasteciam com atravessadores da droga. Beira-Mar conseguiu chegar aos produtores. Estive em Bado durante duas ou três semanas tentando falar com Beira-Mar. Estive perto de conseguir uma entrevista. Fiz contatos com um pastor que o acompanhava. Não consegui a entrevista. Beira-Mar atualmente está preso, cumprindo uma pena de 120 anos. Hoje, a principal renda do CV não é a droga. Mas as taxas que cobra da população que vive nas áreas dominadas pela organização.






