Uma decisão judicial proibiu de forma definitiva que Centro de Tradições Gaúchas (CTG) promova eventos de “marcação campeira” ou qualquer prática semelhante que envolva marcação a fogo de animais em contexto competitivo ou de entretenimento.
A sentença, assinada pelo juiz Leonardo Baes Lino de Souza, da 1ª Vara Judicial da Comarca de São Sepé, na região centro-oeste do Rio Grande do Sul, foi proferida nesta segunda-feira (17). A decisão ainda é passível de recurso.
A ação civil pública foi movida pela ONG Princípio Animal após a realização, em junho de 2023, da “2ª Marcação Campeira” no município vizinho de Vila Nova do Sul. No evento, equipes competiam para ver quem conseguia imobilizar e marcar bovinos a ferro quente no menor tempo possível — prática que, segundo a entidade autora, envolve laçadas, torções, contenções violentas e configura crueldade animal.
A ONG tem fiscalizado eventos que exploram animais. Em Gravataí, por exemplo, já moveu ações relativas a rodeios.
Decisão destaca proteção constitucional à fauna
Ao analisar o caso, o magistrado recordou que a Constituição Federal proíbe práticas que submetam animais à crueldade e que, diante do risco de dor ou estresse, deve prevalecer o princípio da precaução. De acordo com os estudos científicos anexados ao processo, a marcação a ferro provoca dor intensa nos animais, e o caráter competitivo da prova tende a agravar esse sofrimento, já que o tempo é o elemento central da disputa.
“A ‘marcação campeira’ é inerentemente cruel, conforme demonstrado, e, não estando amparada pela exceção constitucional, sua realização configura violação direta ao comando protetivo do meio ambiente e da fauna”, escreveu o juiz na sentença.
O juiz também analisou o §7º do artigo 225 da Constituição, que permite exceções para práticas desportivas consideradas manifestações culturais, desde que reconhecidas como patrimônios imateriais pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
No caso, porém, documento oficial anexado aos autos confirmou que a “marcação campeira” não possui registro como patrimônio cultural. Com isso, a atividade não se enquadra na proteção constitucional destinada a práticas tradicionais, como ocorre com o rodeio e outras expressões reconhecidas.
Sem esse amparo, a prática deve ser julgada exclusivamente pela regra geral da proteção à fauna, que veda qualquer forma de crueldade, concluiu o magistrado.
Multa de R$ 100 mil
Além de proibir a realização de novos eventos, a sentença fixou multa de R$ 100 mil por evento realizado em descumprimento da decisão — medida que busca, segundo o juiz, garantir eficácia imediata à determinação judicial.
Como se trata de uma ação civil pública, a decisão tem efeito definitivo em primeira instância, mas o CTG ainda pode recorrer.





