O juiz Ramiro Baptista Kalil, da 1ª Vara Cível de Cachoeirinha, revogou a própria liminar concedida ontem e determinou na tarde desta quarta-feira (26) o imediato restabelecimento do andamento do Impeachment 2.0, processo que pode cassar o prefeito Cristian Wasem (MDB) e o vice-prefeito Delegado João Paulo Martins (PP).
Cachoeirinha não vai dormir uma noite sem impeachments: há pouco o Impeachment 1.0 foi suspenso, como reportei em Justiça suspende também o Impeachment 1.0 e paralisa os dois processos contra prefeito e vice em Cachoeirinha; entenda.
A decisão no Impeachment 2.0 — proferida no despacho registrado nos autos do mandado de segurança do vice-prefeito — acolhe a manifestação da Comissão Processante, que informou ao juízo ter cumprido integralmente a ordem de ampliar o prazo de vistas de documentos, o que, segundo o magistrado, tornou a liminar sem objeto.
Com isso, o Impeachment 2.0 volta a tramitar integralmente.
A instrução — que inclui oitivas, coleta de provas e novos prazos de defesa — poderá ser retomada imediatamente.
Por que o Impeachment 2.0 havia sido suspenso
Conforme noticiado pelo Seguinte: na terça-feira (25), o juiz Kalil concedeu liminar ao vice-prefeito após a Comissão Processante limitar seu rol de testemunhas de 31 para 10.
O magistrado entendeu que o Decreto-Lei 201/67 é omisso sobre número de testemunhas por fato; o denunciado responde por múltiplas imputações; e a limitação imposta poderia gerar nulidade e comprometer o contraditório.
Por isso, suspendeu a instrução por até 10 dias, para manifestação da Câmara e do Ministério Público.
Na manifestação enviada ao juízo, a Comissão Processante sustentou que a liminar já havia perdido objeto e reiterou que vem atuando dentro da legalidade.
Em nota enviado ao Seguinte:, a comissão também defendeu a perda do objeto — leia em Justiça suspende andamento do Impeachment 2.0 em Cachoeirinha; Câmara alega que liminar perdeu objeto.
O juiz acolheu esse entendimento e liberou o prosseguimento.
O que é o Impeachment 2.0
O Impeachment 2.0 amplia o escopo do Impeachment 1.0, traz acusações mais robustas contra o vice-prefeito e sugere, inclusive, que a Câmara peça ao Judiciário o afastamento cautelar do prefeito.
O documento se baseia no Decreto-Lei 201/67 e organiza as acusações em oito eixos principais, apontando que Cristian e João Paulo teriam praticado atos “incompatíveis com a dignidade e o decoro do cargo”.
Os principais pontos são:
1. Ameaças e coação política contra vereadores
Após a abertura do primeiro impeachment, o prefeito teria passado a retaliar vereadores favoráveis ao processo, com exoneração de servidores ligados ao presidente da comissão, vereador Zeca dos Transportes.
Mensagens atribuídas ao assessor especial do prefeito, André Lima, citadas na denúncia, apontariam pressão política e clima de intimidação, com frases como “toda ação tem uma reação”.
O texto também usa como indício entrevistas ao Seguinte: e um vídeo da Band que atribui a Lima influência direta na gestão.
2. Contratações irregulares e favorecimento
A denúncia aponta indícios de contratos sem licitação, conflito de interesses e favorecimento a aliados.
Um caso destacado envolve o pai de um assessor do prefeito, contratado por microempresa de Gravataí para prestar serviços ao município, com pagamentos superiores a R$ 88 mil e notas fiscais que somariam mais de R$ 90 mil.
O texto descreve “favorecimento pessoal inequívoco” e ausência de justificativa técnica.
3. Pedaladas fiscais no IPREC
Segundo o documento, o prefeito teria deixado de empenhar contribuições patronais ao Instituto de Previdência dos Servidores (IPREC) e, posteriormente, parcelado dívidas sem previsão orçamentária.
Para o denunciante, a prática configuraria maquiagem fiscal, violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal e afetaria o equilíbrio das contas públicas em período eleitoral.
4. Pagamentos sem empenho e omissões ao Legislativo
O texto acusa o Executivo de pagar despesas sem empenho, de descumprir pedidos de informação da Câmara e de não detalhar o uso de R$ 80 milhões obtidos em empréstimo da Caixa em 2023.
O denunciante afirma que a falta de transparência “atenta contra a separação dos poderes”.
5. Novas acusações diretamente contra o vice-prefeito
Diferentemente da primeira denúncia — considerada frágil em relação ao vice — o novo pedido dedica grande parte das 64 páginas a atos praticados por João Paulo quando assumiu a Prefeitura interinamente.
As novas imputações incluem suspensão de licitação regular para, no dia anterior, firmar contrato emergencial de R$ 500 mil com empresa de limpeza; alegação de que o contrato seria superfaturado e teria finalidade política, com custo mensal de R$ 250 mil para 55 funcionários — valor descrito como “muito acima do mercado” e abertura de créditos especiais de R$ 4,8 milhões e R$ 583 mil com base em superávits fictícios, sem comprovação bancária.
Investiga-se, ainda, se os atos configuram “maquiagem contábil” e possíveis crimes de responsabilidade.
Se o relatório recomendar cassação e houver 12 votos, ambos perdem o mandato e ficam inelegíveis por oito anos.
O que acontece agora com o Impeachment 2.0
Com a decisão desta quarta-feira, a fase de instrução volta a correr; depoimentos, oitivas e diligências podem ser retomados; o prazo global de até 90 dias volta a contar; e o relatório final pode ser concluído ainda neste ano, se não houver novos entraves.
Para cassar prefeito ou vice, o relatório precisa ser aprovado por 12 dos 17 vereadores, número já registrado nas admissibilidades.
E o Impeachment 1.0? Ainda segue suspenso
Enquanto o Impeachment 2.0 foi liberado, o Impeachment 1.0 continua paralisado por decisão do juiz Cássio Benvenutti de Castro, da 2ª Vara Cível.
Nesta terça-feira (26), o magistrado determinou suspensão total dos atos processuais, cancelando oitivas marcadas para 27 e 28 de novembro e determinando que a defesa tenha prazo “razoável” para analisar documentos do TCE-RS e da Justiça Eleitoral.
Assim, apenas um dos processos voltou a andar.
Nem uma noite
A reviravolta de hoje desmonta um cenário que durou poucas horas: pela primeira vez desde o início da crise política, os dois processos de cassação estavam simultaneamente congelados.
O quadro havia se formado poucas horas após a Câmara rejeitar, por 10 a 5, o pedido de impeachment apresentado pelo prefeito contra a presidente do Legislativo, Jussara Caçapava (Avante) — o que seria o Impeachment 3.0.
Com a revogação da liminar do Impeachment 2.0, volta a haver risco real e imediato de avanço do processo que mais ameaça prefeito e vice, especialmente porque trata de atos do vice durante exercício interino da Prefeitura e envolve quatro imputações distintas.
Se o relatório recomendar cassação e houver 12 votos, ambos perdem o mandato e ficam inelegíveis por oito anos.
Ao fim, Cachoeirinha não dormiu nem uma noite sem impeachments — possibilidade que aventei poucas horas atrás.
E, como as comissões processantes corrigem cada erro apontado por prefeito e vice, administrativa ou judicialmente, é possível que cheguemos à sexta-feira com Impeachment 1.0 e Impeachment 2.0 em funcionamento.
Prazo de vida, Cristian e Delegado estão ganhando. Mas, a cada erro corrigido, também se reduz proporcionalmente a chance de, ao fim do processo, encontrar falhas no rito que justifiquem uma anulação pelo Judiciário.
É uma escolha. Com a prefeita Rita Sanco (PT) e o vice Cristiano Kingeski (PT) não deu certo, em Gravataí, em 2011. Após a cassação, tentaram 22 medidas judiciais para anular o impeachment que, no curso do processo, também tinham ajudado a corrigir.






