A reação mais previsível a quem critica sem muitos rodeios qualquer tipo de manifestação dita artística é a do preconceito cultural.
É disso que posso ser acusado agora ao dizer que a cantoria sertaneja urbana de sofrência é hoje, em sua imensa maioria, o lixo da música brasileira.
Podem me acusar de ser preconceituoso, sem problema. O fato de que boa parte desse pessoal tem vínculos fortes com o fascismo, e não só com o agro é pop, só amplia a repulsa pela pior ‘poesia’ que o chamado cancioneiro brasileiro já produziu.
É a música mais rasa, a mais previsível, a mais esquemática, a mais repetitiva. Cantores sertanejos estão hoje para essa música, que ofende suas raízes pretensamente rurais, como as réplicas da estátua da Liberdade da Havan estão para os espaços urbanos. São imitações grotescas do que pretendem imitar.
E agora ainda ficamos sabendo, por reportagem de Pedro Martins na Folha, que esse Zé Neto, que atacou Anitta e a Lei Rouanet, teve o show em que criticou a cantora patrocinado pela prefeitura de Sorriso, no Mato Grosso.
O jornalista Demétrio Vecchioli, citado por Martins, descobriu que Zé Neto recebeu R$ 400 mil para cantar e depois atacar Anitta. Pegou dinheiro público liberado pelo prefeito.
O sujeito sabe que a Lei Rouanet não mexe com dinheiro público. Os recursos da lei, liberados por empresas, são uma forma de concessão consagrada mundialmente que patrocina a arte em troca de abatimentos em tributos a serem pagos.
Ah, mas tem muita gente escutando, cantando e dançando esta arte pobre. Tem. Tem gente votando em Bolsonaro. Tem gente que acorda e dorme ouvindo essas músicas de Zé Neto e de assemelhados.
Vecchioli descobriu mais. Que Zé Neto já recebeu dinheiro público (este sim dinheiro do povo) de prefeituras de cidades de pequeno e médio porte do interior de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Os
cachês vão de R$ 180 mil a R$ 550 mil.
A reportagem de Martins mostra que os sertanejos, geralmente atuando em duplas, são os que mais recebem cachês pagos por prefeituras. A ‘arte’ bolsonarista é bancada por prefeitos bolsonaristas.
O jornalismo passa a dever, a partir dessas informações, uma imersão nesse mundo, para que os cidadãos das cidades patrocinadoras dos shows tenham acesso a esses contratos.
É de se perguntar se essa música bolsonarista não estaria movimentando, em pequenas e médias cidades, engrenagens poderosas com a dinheirama paga aos sertanejos.
A reportagem da Folha mostra outro detalhe importante. A Lei Rouanet, atacada pela extrema direita, hoje assegura no máximo a captação de R$ 3 mil para um artista solo. E a burocracia é enorme.
Já os sertanejos têm acesso direto a verbas liberadas pelos prefeitos. Sob que condições?
Os músicos ditos sertanejos, que de sertanejo não têm quase nada, são as vozes do bolsonarismo patrocinadas com dinheiro de todos nós.
Os sertanejos anti-Lei Rouanet são cínicos moralistas que mamam no dinheiro de prefeituras que muitas vezes dizem não ter recursos nem para a merenda escolar.