Poluente dióxido de enxofre dobrou nos céus da cidade de 2020 para 2021 – reflexo da redução da atividade econômica no primeiro ano da pandemia. 'Vilã' do ar tem endereço e, sozinha, representa 15% do que municípiio arrecada em tributos
Respirar em Canoas fica um pouquinho mais difícil a cada dia. Embora a qualidade do ar seja considerada 'boa' na maior parte do tempo, em pelo menos um dia de 2021 ela foi considerada 'inadequada' segundo o relatório da qualidade do ar publicado pela Fepam no final de semana. Dos 364 dias monitorados pelo órgão estatal, o ar de Canos foi 'bom' em 323 – ou 88,7% do tempo. Em 40 dias, foi 'regular'. E em 23 de maio de 2021, 'inadequado'.
O documento informa que Canoas foi a única cidade a registra um nível inadequado do ar na Região Metropolitana de Porto Alegre. A Fepam monitora a qualidade do ar em cinco estações: Canoas, Esteio, Triunfo, Gravataí e Guaíba.
A concentração de ozônio sobre o ceú de Canoas, por exemplo, cresceu de 18,7 microgramas por metro cúbico em 2017 para 28,6 ug/m3 em 2021. O ozônio, que protege a atmosfera dos raios nocivos do sol, também é um poluente perigoso em altas concetrações próximo à superfície. Por ser extremamente reativo, o elemento provoca reações químicas especialmente quando misturado a compostos liberados por veículos, processos industriais e aterros sanitários – característica típica de cidades metropolitanas, como Canoas e Esteio.
O dióxido de enxofre, responsável por parte dos problemas respiratórios encontrados nas grandes cidades, também preocupa no relatório. Em 2020, a estação de monitoriamento de Canoas havia captado 7,8 microgramas por metro cúbico e, em 2021, o registro saltou para 15,2 ug/m3. O dióxido de enxofre, aliás, é o responsável pelo dia 'inadequado' de qualidade do ar em 2021: nesse dia, o registro chegou a 200,6 ug/m³ quando o padrão referenciado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) definido em 2018 é de até 125 ug/m³.
Trocando em miúdos, dá para concluir que a qualidade do ar em Canoas ainda é boa – mas fica mais poluído a cada dia, faça chuva ou faça sol.
O fatídico 23 de maio
O relatório da Fepam dedica um capítulo especial ao episódio de 23 de maio, quando a estação de Canoas registrou o pico de poluição e o ar na cidade foi considerado 'inadequado', segundo os padrões do Conama. Nesse dia, havia um centro de baixa pressão atuando sobre o Oceano Atlântico e ventos que atingiam a cidade a noroeste – de onde vinha um centro de alta pressão.
Essas condições climáticas teriam sido as responsáveis por gerar uma mistura tóxica: o ar da superfície e os poluentes emitidos sobretudo pela atividade da Refinaria Alberto Pascoalini, a REFAP. O fenômeno é chamado de 'turbilhonamento mecânico', como de uma centrífuga de lavar roupas.
A dispersão dos gases, nesse dia, não ocorreu como de costume e alta concentração de poluentes elevou os índices tóxicos monitorados pela Fepam.
A REFAP, aliás, é apontada como responsável direta pela qualidade do ar no município vizinho de Esteio, onde os índices são muito similares a Canoas – quando, eventualmente, não são mais altos.
Em 2019, a Câmara de Vereadores de Esteio propôs uma comissão para exigir da refinaria relatórios mais aprofundados sobre a emissão de poluentes na atmosfera que impactam diretamente na qualidade do ar na cidade. A empresa recebeu ofícios e notificações, mas, oficialmente, não deu resposta alguma.
Outro dado de 2019, este acompanhado pela empresa Aeromóvel, aponta Canoas com um índice de emissão de poluentes semelhante a países inteiros como Japão, por exemplo. isso significa que, sozinha, a cidade é responsável pela mesma quantidade de monóxido de carbono que o país oriental emite – muito em função da REFAP.
A empresa, responsável por mais de 15% da arrecadação do município – cerca de R$ 320 milhões por ano – tem seus mecanismos de defesa ambiental. Esses, no entanto, não estão tão disponíveis para avaliação pública.
Ao contrário do ar, que alcança o nariz de todos.