Operação Copa Livre

CANOAS | Copa Livre, a operação do MP que afastou prefeito, secretários e chacoalhou a política: o vendaval, as provas e o ’power point’

Agentes da Gaeco revistaram gavetas, armários e computadores na Prefeitura e na casa do prefeito na manhã desta quinta-feira. Foto: Tiago Coutinho/MPRS

Cidade acordou com a notícia de operação do MP na prefeitura e na casa de Jairo Jorge em dia de mil graus de tensão política

Ainda não era bem 6h da manhã quando telefones de assessores e secretários mais próximos ao prefeito Jairo Jorge começaram a pipocar de mensagens nesta quinta-feira, 31. Dia de Prefeito na Estação, nesse horário, já estaria em Niterói, onde atenderiam a população como costumava fazer todas as semanas desde que retorno ao paço, em janeiro do ano passado. Mas logo todos entenderiam que esta não era, nem de longe, uma quinta-feira como as demais.

Nesse horário, cerca de 20 agentes do  Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – Núcleo Saúde, com apoio do 1º Batalhão de Polícia de Choque da Brigada Militar acompanhavam promotores da Procuradoria da Função Penal Originária do Ministério Público ao apartamento do prefeito e à sede da Prefeitura, às secretarias de Planejamento e da Saúde para o cumprimento de mandados de busca e apreensão. Ao longo da manhã, a polícia cumpriu 81 medidas cautelares, conforme explicou o MP em coletiva perto das 11h. 24 contra pessoas físicas e 15 à empresas em endereços comerciais, residenciais e órgãos públicos em Canoas e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; São Paulo, São Bernardo do Campo, Barueri e Santana do Parnaíba, no Estado de São Paulo; Nova Iguaçu e Niterói, no Rio de Janeiro; e Contagem, em Minas Gerais, foram visitados pela polícia.

Era a Operação Copa Livre estendendo seus braços país afora.

Jairo Jorge foi informado de que, por ordem do desembargador Newton Brasil de Leão, da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, estava afastado do cargo de prefeito por 180 dias a partir daquele momento. Com ele, os secretários do Planejaento, Fábio Cannas, e da Saúde, Maicon Lemos. Dois funcionários públicos de carreira e um assessor direto do prefeito também. 

E esse foi o vendaval.

 

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Quando tudo começou

O nome da operação do Ministério Público, chamada 'Copa Livre', foi inspirada na investigação que deu origem ao caso: a contração do serviço de higienização e copeiragem na Prefeitura de Canoas. Em maio do passado, o governo abriu um processo para contração emergencial de uma empresa que fizesse o trabalho – a que ocupava o posto estava rigorosamente sem contrato e os pagamentos, portanto, no limite da legalidade.

O então diretor de licitações da Secretaria do Planejamento, responsável pela dispensa de licitação, decidiu desclassificar a empresa que apresentou o menor preço. Na época, ele entendeu que a vencedora não havia apresentado um documento referente ao dissídio da categoria de copeiros – o que poderia gerar um prejuízo aos cofres públicos no futuro em caso de inadimplência trabalhista com os empregados. A segunda colocada, com preço 23% superior, seria a contratada não houvesse um apontamento do Tribunal de Contas sobre o caso.

O diretor de licitações, um mineiro que chegou a Canoas indicado pelo partido Avante, foi demitido por Jairo Jorge. O caso foi contado em detalhes pelo blog no post Relatório do TCE amplia 'detalhes' que justificam demissão de diretor; há indícios de que irregularidade em empresas foram ignoradas, publicado em 20 de maio de 2021.

Concluída a auditoria do TCE, as informações apuradas foram enviadas ao MP que, em seguida, abriu a investigação. 

Onde está o 'rolo', segundo o MP

Às 10h30 da manhã desta quinta-feira, 31, enquanto agentes ainda vasculhavam mesas e gavetas na prefeitura e na casa de JJ em busca de algo a ser apreendido que ajudasse na investigação, a chefia do MP gaúcho envolvida na operação atendeu a imprensa no imponente prédio do número 80 na avenida Aureliano Figueiredo Pinto, à beira do Guaíba, na capital.

O subprocurador-geral para Assuntos Institucionais, Júlio Melo, o coordenador da Procuradoria da Função Penal Originária, Ricardo Herbstrith, e os coordenadores do Gaeco – Núcleo Saúde, Marcelo Dossena Lopes dos Santos e João Beltrame, contaram que a operação apura supostos crimes de peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, falsidade ideológica, supressão de documentos, fraude à licitação, organização criminosa e lavagem de dinheiro em contratações diretas, com dispensa de licitações, promovidas pela prefeitura de Canoas a partir de janeiro de 2021. Essa organização atuaria dividida em dois núcleos: um empresarial e outro político.

O núcleo empresarial seria formado por empresários de São Paulo, Rio e Minas. A partir da coordenação deles com o núcleo político, haveria a combinação para as supostas fraudes às contratações com dispensa de licitação. Ao todo, cinco contratos estão no escopo da 'Copa Livre', dois deles na Saúde: o de gestão do Hospital de Pronto Socorro de Canoas e da SAMU, que faz o atendimento médico móvel de urgência na cidade.

A empresa que assumiu a administração do HPSC com o encerramento das relações com o Gamp, no final de janeiro, é a ACENI – Instituto de Atenção à Saúde e Educação, com sede em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. É ela que detém o maior contrato em apuração pelo MP: algo em torno de R$ 51 milhões por seis meses à frente do pronto-socorro – ou R$ 8,5 milhões por mês. Já o SAMU é gerido pela CAP Serviços Médicos, com sede em São Paulo, ao custo de R$ 550 mil por mês – ou R$ 6,6 milhões por ano.

A licitação do SAMU foi aberta em agosto de 2021 e homologada a vitória da CAP em 5 de outubro. A ACENI foi contratada emergencialmente por dispensa de licitação de 27 de janeiro até o final de julho de 2022.

O que o MP diz ter contra JJ

Para a investigação do Ministério Público, Jairo Jorge seria o comandante do núcleo político desse suposto esquema montado para garantir a vitória das empresas participantes nas licitações de interesse do grupo. 

Essa alegação se sustenta no fato de Jairo ser o prefeito – e, portanto, o chefe do poder Executivo.

A relação do prefeito com o grupo teria surgido ainda durante a campanha eleitoral, com o aporte de recursos para disputa do pleito. E, agora, a descoberta do envolvimento de familiares de JJ reforçaria a tese da organização criminosa sob comando do prefeito. O pouco que foi apresentado das investigações da Operação Copa Livre no MP restaram resumidos em um vídeo – uma versão 2.0 do que seria o 'power point' que ficou famoso no caso de Deltan Dallgnol contra Lula.  Confira:

 

E esse é o 'neo-power point'. Sem torcida ou secação, alegações não são mais do que palavras se não estiverem sustentadas por provas. Não estou dizendo que não existam, nem o contrário: Canoas tem o direto de saber o que exatamente 'de tão grave' levou um desembargador a aceitar o pedido do MP para afastar um prefeito eleito e, ao mesmo tempo, 'nem tão grave assim' que o fez negar o pedido para prendê-lo.

Aqui, cabe o comentário: fazer Justiça não é o 'tudo ou nada' que se vê nas redes sociais. Não se mata ou santifica no devido processo legal: ele serve para que não se presuma culpa antes de clareadas as acusações – o que, no caso de JJ, ainda engatinha.

Do MP, tudo o que se ouviu oficialmente, foi isso – e não é pouco. Ainda haverá outros desdobramentos.

O tuíte de JJ e o video de Jader Marques

Já afastado da prefeitura, Jairo Jorge apresentou Jader Marques, o famoso criminalista gaúcho, como seu advogado no caso. Jader passou parte da manhã com Jairo no apartamento alvo da operação desta quinta-feira e, final do dia, ainda buscava acesso à investigação do MP. Em vídeo compartilhado pelo Twitter, Marques disse que, em nome da defesa do prefeito, recebe com serenidade as determinações da Justiça e que espera conhecer o teor da investigações que levaram ao afastamento do prefeito para tratar de todos os pontos arrolados na ação, "se possível, ao lado de Jairo Jorge".

 

Manifestação da Defesa de Jairo Jorge! pic.twitter.com/Tkdy46YHja

— Jader Marques (@JaderMarquesAdv) March 31, 2022

 

 

Também pelas redes sociais, JJ se mostrou indignado com a ação do MP. "Fui surpreendido, na manhã desta quinta-feira, 31, por uma ação do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Estou perplexo com as graves acusações e ataques à minha honra, mas sigo acreditando na Justiça e tendo a convicção de que todos os fatos serão devidamente esclarecidos", escreveu.

E a culpa é de quem?

Resumindo, o caso é grave. Há uma investigação, pelo menos seis meses de gravações e o que quer que tenha sido recolhido nos mandados de busca e apreensão. Há também uma instabilidade na confiança política que o governo dava à cidade. Há, ainda, a certeza de que os procedimentos de contratação na Prefeitura precisam de maior fiscalização, controle, treinamento para quem o faz e muita transparência.

Aguardemos que as provas sejam postas sobre a mesa.

 

 

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