Em uma festa de traço, tinta e admiração explícita, 85 talentosos desenhistas de humor e artistas visuais retrataram Luis Fernando Verissimo em caricaturas, ilustrações, charges. Por três dias, uma pracinha da capital gaúcha virou galeria de arte ao ar livre, com dimensão à altura dos grandes salões de humor. E tudo em homenagem ao inspiradíssimo autor de mais de 80 livros e várias séries adaptadas para a tevê.
Esta potente exposição resultou do esmerado garimpo do seu curador, Guaraci Fraga, que já coletava desenhos sobre LFV. Humorista, próximo do homenageado desde 1973 e amigo de caricaturistas, cartunistas, chargistas, quadrinistas, ilustradores e artistas visuais, Fraga convidou desde os mais famosos até alguns não tão conhecidos. Obteve adesão imediata de profissionais e amadores, que se sentiram honrados em participar
Na mostra, LFV não estava sozinho: O Analista de Bagé, Ed Mort, a Velhinha de Taubaté, a Família Brasil e As Cobras posaram ao lado do criador na representação caricata. E não podiam faltar os onipresentes saxofone e máquina de escrever, além da sua postura discreta e reservada.
Com estilo único de humor, o escritor, roteirista de tevê, quadrinista, autor de teatro, músico, pai de família, gourmet, fanático pelo Inter e queridíssimo cronista do Brasil teve sua pluralidade traduzida com graça. Revisor de jornal e até astrólogo interino, assim ingressou na Zero Hora, em 1967. Lá, brilhou por décadas, até ser demitido em 2017. Colunista do Extra Classe desde a primeira edição, há 25 anos, é um dos orgulhos do jornal.
Elenco plural
Arte: Cláudio Souza
Pela envergadura da homenagem, o evento uniu um elenco nunca antes reunido, a partir de mestres da caricatura brasileira, como Baptistão, Cau Gomes, Dalcio, Fernandes, Cavalcante e Lula Palomares. Incluiu veteranos do humor nacional, como Laerte, Angeli, os irmãos Chico e Paulo Caruso, Renato Aroeira, Alcy Linares, Edgar Vasques e Santiago. E envolveu talentos de várias gerações, desde Adão Iturrusgarai, Rodrigo Rosa, Rafael Sica, Rafael Corrêa, Benett, Jota Camelo, Bruno Ortiz e Max Ziemer. As artistas gráficas Carla Pilla, Fabiane Langona, Helô D´Ângelo e Mauren Veras formaram o competente naipe feminino na mostra.
Um dos Mestres Disney no mundo, o quadrinista gaúcho Renato Canini teve participação póstuma. E assim desfilaram nomes de todas regiões do país, dos mais antigos à gurizada, em um mix de técnicas que vão desde velhos desenhos a caneta em folhas soltas, carvão e aquarelas, até às avançadas pranchetas digitais.
Conhecido pelo ‘silêncio eloquente’, mas de exuberante narrativa, LFV traduziu como ninguém a realidade brasileira em suas crônicas. Em 50 anos, produziu (se estima) cerca de dez mil textos para os mais destacados jornais e revistas do país. Referência de opinião crítica, sua posição balizou a interpretação sobre os acontecimentos políticos. Opositor desde a ditadura militar até o atual presidente, a quem chama de “cataclismo”, afirmou que a guerra civil começou há anos, só não saiu no Diário Oficial.
Arte: Dalcio
Homenagem da cidade
– Não é necessário justificar o significado do escritor, poeta, desenhista, jazzista, caricaturista Luis Fernando Verissimo. Ele é um nome nacional, reconhecido internacionalmente e escolheu ficar aqui em Porto Alegre – destaca a ex-secretária de Cultura da capital Margarete Moraes.
Ela nutria um desejo antigo, que era fazer uma homenagem a LFV.
Quando jovem, o escritor viveu um tempo nos EUA e no Rio de Janeiro até que, em 1964, recém-casado com a Lucia e pai da Fernanda, regressou à casa onde nasceu, na capital gaúcha. Aqui teve Mariana e Pedro, aqui reside até hoje, na mesma casa onde viveu seu pai, o escritor Erico Verissimo.
Margarete é uma das atuais curadoras do Espaço Cultural Amelie, anfitrião e promotor da exposição. Sua localização, na Vieira de Castro quase esquina com a Jerônimo de Ornelas, tem tudo a ver com a homenagem: é em frente à praça da mostra. Para cumprir a tarefa, quatro amigos do homenageado foram chamados: Fraga, Eugênio Neves, Leandro Hals e Fabio Zimbres.
Bom de texto e de traço
– É justamente um de seus talentos menos lembrados, a caricatura, a linguagem escolhida para a demonstração de reconhecimento”, comenta Fraga, que contou com a parceria dos artistas gráficos gaúchos Eugênio Neves, Leandro Hals e Fabio Zimbres para a empreitada, batizada de “Caríssimo Verissimo – Uma aclamação gráfica aos 85 anos de LFV.
– Como faltaria fio e tear para tecer mais loas ao LFV, nada mais certeiro do que homenagear o mestre com caricaturas, ele mesmo um bamba do traço – registra Hals, editor gráfico da mostra, e que preside a Grafistas Associados do RS (Grafar).
– A quantidade de desenhistas que aceitaram o convite, muitas vezes criando uma caricatura especial, mostra o quanto o LFV é uma pessoa querida pelos colegas. Nos acostumamos com a presença dele, como alguém de casa, e, francamente, temos sorte pela proximidade, mas ele é realmente uma figura nacional, que mexe com todos. Entre os desenhistas, ele é respeitado também pelo desenho e não apenas pelo texto – expressa o quadrinista, ilustrador e artista visual Fabio Zimbres, designer do projeto.
– Estar num espaço público vai ao encontro do espírito do Verissimo, que tem comunicação direta com seus leitores. É uma homenagem indiscutivelmente merecida. Ele representa a nossa cultura local de forma muito expressiva e tem proximidade muito grande com esse grupo que se expressa graficamente pelo desenho – acentua Eugênio Neves, produtor do evento.
– Não temos tamanho para presentear o Verissimo. Mas podemos, em uma pequena praça da nossa cidade, da cidade dele, em um local que é público, onde todos podem ter acesso, mostrar o quanto gostamos dele. Com a criatividade e a inteligência traduzida nas ilustrações dos cartunistas que o retratam – resume Margaret Dorneles, proprietária do Baden Cafés Especiais e também do Espaço Amelie.
Este humanista retratado, que já confessou abandonar todas as utopias, menos a de desejar o fim da fome no mundo, demonstra receio em relação ao futuro do país que voltou ao mapa da fome e a recordes de desemprego e desigualdade. Essa temida guinada conservadora aponta que será necessário estar muito mais presente nas praças públicas, munidos fortemente de humor, atitude e contundência.