Paralisação dos rodoviários na manhã desta quarta acirrou ainda mais ânimos em uma crise sexagenária que tende a terminar só com a nova licitação em 2023
Com o 'vou para cima de vocês' que o governo deu à tarde ao Sindicato dos Rodoviários, apontado por parte da cúpula do transporte como responsável pela paralisação que estacionou os ônibus em toda a cidade na manhã desta quarta-feira, 1º, o novelão da Sogal ganha seu mais recente capítulo. E numa singular mistura de tregédia com farsa, tende a 'queimar o filme' de todos os envolvidos – menos o da própria empresa que já não tem 'filme' algum para ser queimado.
Explico. E começo dizendo que entendo os rodoviários, embora não lhes garanta a razão.
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Quem vive por dentro o dia da empresa está apavorado, sem rodeios. A Sogal não dá o menor sinal de ter um plano para manter seus compromissos fiscais, jurídicos, comerciais e trabalhistas. Ao que parece aqui de fora, ainda não faliu porque se escora em uma concessão pública e, assim, vai rolando o inevitável fim enquanto pode. Coitado de quem lhe concede a fidúcia: seus funcionários, especialmente, que já estão craques em malabarismos financeiros para por comida sobre a mesa.
Cruzar os braços, no entanto, não é a solução. A paralisação de hoje, embora especulada há semanas, só embaralha um enredo falho e viscoso em que a crise da empresa se transformou durante a pandemia. Quem pega ônibus também batalha para alimentar sua família e não é justo com quem mais precisa que para ir de casa para o centro só se tenha o recurso do aplicativo.
Uber e Cia. deveriam ser uma escolha, não a única saída.
À tarde, em nota, o governo rechaçou a paralisação e sugeriu recorrer à Justiça contra o Sindicato dos Rodoviários. Em junho, a entidade assinou um acordo com a empresa, a Prefeitura e Ministério Público do Trabalho. Depois do aperto de mãos, o governo comprou R$ 1 milhão em passagens, a empresa pôs em dia os atrasados de então e os rodoviários se comprometeram a não paralisar o serviço. Hoje pela manhã, integrantes da diretoria da entidade conversaram com motoristas e cobradores nos finais de linha e pedindo o retorno das atividades – o que começou a acontecer por volta das 11h.
Não tiro a razão do governo. E antes que os haters esculhambem, sem aval nem secação, só acho que os políticos merecem mais do que a eterna 'presunção de culpa', como bem define meu camarada Rafael Martinelli, do Seguinte: em Gravataí. Não há carisma sem arranhão numa crise como vive o transporte em Canoas.
Invariavelmente, essa conta acaba sendo do prefeito. A cada compra de passagens, menos a população aceita essa relação com a Sogal. Tudo é visto sob a ótica da pura desconfiança – e não é para menos. Aos passageiros de ônibus velhos e, por vezes, enguiçados nas esquinas, 'socorro financeiro', 'subsídio' e 'compra de passagens' soam como deboche – não como solução.
Então, de quem é a culpa?
Do sistema, diriam uns – e com razão. Mas, hoje, o sistema é representando por um personagem único nessa novela arrastada a contra-gosto da audiência. A Sogal parece não se importar com a fama de mau que lhe imputam. À imprensa, simplemente não atende mais. Qualquer informação se tem de lá ou vem da Junta, da Prefeitura ou é extra-oficial – sim, porque pessoas de lá também falam, só não são autorizadas a isso. E aí, quando os trabalhadores cruzam os braços, não há como não imaginar que num dos escritórios do prédio mais famoso da Armando Fajardo algum executivo, intimamente, veja o movimento com bons olhos: porque é a pressão dos trabalhadores que pode mover a montanha de um novo favor público ao caixa da firma.
A Sogal é uma empresa que se viciou em tudo isso. Tanto que não se ouve dela qualquer fala sobre qualidade, otimização de linhas, renovação de frota… agora, o papo é só subsídio. Mas que credibilidade a empresa tem para receber mais, perguntam todos?
Amanhã, nova reunião entre rodoviários, empresa e prefeitura deve dirimir as polêmicas da paralisação e apontar uma saída. Um paliativo, antecipo – quem sabe até uma nova compra de passagens. Enquanto um plano amplo para o transporte não for descortinado, vamos viver de socorros, passagens e contas caras para ir pagando.