Quem me segue no Twitter @exmartinelli já acompanha deste ontem uma polêmica que começou mal deve terminar bem no que importa para os usuários do único hospital que atende pelo SUS em Gravataí.
O vereador Bombeiro Batista (PSD) apresentou requerimento na Câmara pedindo explicações à Santa Casa por ter sido barrado por assistente social no Dom João Becker ao tentar ao fiscalizar denúncia de familiares por negligência no atendimento de paciente.
O parlamentar também solicita apuração de suposto “desvio de conduta por parte da servidora”.
Na argumentação cita o artigo 32 da Lei Orgânica do Município (LOM) que diz que “os vereadores têm livre acesso aos órgãos da administração direta ou indireta do município, mesmo sem prévio aviso”.
Bombeiro está errado.
A funcionária, que não é servidora pública, cumpriu sua função.
A explicação está na justificativa do requerimento do próprio vereador: a LOM garante acesse dos vereadores aos órgãos da administração direta ou indireta do município.
Mesmo que, por filantrópico, o Becker/Santa Casa receba recursos públicos, e atenda pelo SUS, é uma instituição privada. Não é um hospital público.
Pode ter pacientes em macas, ser alvo de críticas por atendimento ruim, falta de humanização, mas isso não permite vereador, prefeito, deputado, governador, senador ou presidente da república entrar no hospital quando quer.
Até por uma questão de saúde.
Estamos numa pandemia, lembram?
Acertou durante a sessão o vereador Dilamar Soares (PDT) ao alertar que o papel constitucional da Câmara é convocar os responsáveis por fiscalizar o contrato e o atendimento pela Santa Casa e a Prefeitura.
– Hospital não é circo – resumiu o também vereador Paulo Silveira (PSB).
Nem palanque caça-cliques, acrescento.
É compreensível a preocupação de Bombeiro, que certamente se sente impotente frente a denúncias e pedidos de ajuda, comuns a hospitais do Brasil. Mas pra quê entrar lá? Para filmar, bater foto? Não basta chamar os responsáveis para depor na Câmara? Vereador não é jornalista.
No Rio de Janeiro, vereador responde a comissão de ética por suposto abuso de autoridade ao entrar, sem autorização, em unidade de saúde e em abrigo para crianças e adolescentes. Órgãos públicos, não privados. As denúncias partiram do Ministério Público e do Cremerj, o conselho regional de medicina.
Sobre o caso, o professor de Direito Constitucional, Saul Tourinho Leal, disse ao G1 que as atividades de fiscalização fazem parte da atividade parlamentar desde que não desrespeitem a lei e nem representem abuso de autoridade.
– É necessário que essas fiscalizações, que são relevantes, são importantes, continuem a missão do parlamento e, no caso, da Câmara de Vereadores, não se dê de maneira a confrontar a Constituição Federal, a cruzar esses limites, colocando as pessoas em risco, especialmente num momento de pandemia. Em último caso, para além de uma decisão judicial, pode-se dar o ponto de partida para uma eventual quebra de decoro parlamentar, exatamente por um abuso no exercício de direito – analisou.
Logo depois que tuitei Bombeiro – que, registre-se, ao menos no 6 de maio em que foi barrado respeitou a orientação da Santa Casa e não forçou a entrada – apresentou requerimento para o superintendente do hospital Antônio Weston depor na Câmara.
O presidente da Câmara Alan Vieira (MDB) também leu o tuíte da polêmica e, para agilizar as explicações sem a necessidade de aprovar requerimento e expedir convites, agendou por telefone, já para terça, a partir das 17h, o depoimento do diretor médico do hospital, Fernando Issa, e do secretário da Saúde, Régis Fonseca.
Ao fim, mais do que medir os cliques de cada um no Grande Tribunal das Redes Sociais, os vereadores poderão conhecer melhor o contrato de R$ 50 milhões por ano da Prefeitura com o Becker e ouvir sobre como está agindo em Gravataí a ‘grife’ Santa Casa para que os gravataienses não chamem mais seu único hospital de ‘açougue’.
Terça chegaremos ao que importa – ou deveria importar – na ‘casa do povo’. Explicações. Informação para poder cobrar com justiça e responsabilidade, de olho na realidade e não na urna.
Fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos: é muita demanda para um único hospital, mas também é muito dinheiro público envolvido.
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