Projeto de autoria de Perpétua Almeida precisa de 38 assinaturas para tramitar. O Seguinte: reproduz a entrevista publicada pela Agência Pública
Ao meio-dia da última sexta-feira, a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC) já havia telefonado para dez colegas para pedir apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de sua autoria, que visa barrar a presença de militares da ativa em cargos da administração pública.
Em uma semana ela coletou 51 assinaturas, totalizando 133, e espera alcançar nos próximos dias as 171 necessárias para o texto começar a tramitar.
O projeto passou a ser visto entre parlamentares como uma medida urgente depois que o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, livrou o general Eduardo Pazuello de punição por participar de uma manifestação no Rio de Janeiro de apoio a Jair Bolsonaro (sem partido), em 3 de junho. O Estatuto Militar e o Código Disciplinar do Exército proíbem que integrantes da força participem de atos políticos.
Em entrevista à Agência Pública, Perpétua contou que ouviu de membros do Exército que antes desse episódio o presidente tinha como plano promover Pazuello, general três estrelas, para quatro estrelas após sua saída do Ministério da Saúde “porque o grande sonho do Bolsonaro era botar o Pazuello como comandante do Exército”. Em vez disso, ele o nomeou chefe da Secretaria de Estudos Estratégicos, com salário de R$ 16 mil, além dos vencimentos da caserna. Apesar da pressão para ir para a reserva, Pazuello segue sendo um general da ativa.
A deputada avalia que “o melhor caminho para o Congresso evitar a movimentação e a politização das Forças Armadas” é a aprovação da PEC de sua autoria. O texto estabelece que, para exercer cargos de natureza civil na administração pública, o militar com menos de dez anos de caserna deverá afastar-se da atividade; e os com mais de uma década de serviço, ao tomar posse no governo, passam automaticamente à reserva.
Perpétua Almeida disse que conversou com militares da reserva e da ativa antes de apresentar a proposta e garantiu que a PEC foi bem recebida no Exército, na Marinha e na Aeronáutica. O texto conta com a assinatura de deputados de 18 partidos: Cidadania, DEM, MDB, Patriota, PCdoB, PDT, PL, Pode, PP , PSB, PSDB, PSL, PSOL, PT, PTB, PV, Rede e Republicanos.
Em seu quarto mandato na Câmara dos Deputados, Perpétua Almeida tem uma atuação em prol dos interesses das Forças Armadas. Foi secretária de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa durante a gestão de Aldo Rebelo, no governo de Dilma Rousseff, e tem trânsito entre influentes generais da reserva como Eduardo Villas Bôas – ex-comandante do Exército – e Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional.
Qual era o contexto do país quando a senhora apresentou a proposta da PEC? Teve alguma fala ou ação específica do presidente que te motivou a apresentar o texto?
Eu apresentei o texto há exatamente um ano, em 12 de junho de 2020. Antes de apresentar o texto, eu ouvi muita gente, da ativa e da reserva. Ouvi também ex-ministros. A gente vinha observando que era preciso separar governo e Forças Armadas. Tem hoje uma confusão na opinião pública acerca do que é governo e do que são as Forças Armadas. Isso porque o presidente gosta de ficar dizendo “meu Exército”, “as minhas Forças Armadas” e em qualquer momento ele fica lançando mão de militares que estão na ativa para ir para o governo. Isso gera uma confusão de fato. Em junho, quando eu comecei as conversas e vi essa movimentação do presidente, eu imaginei que isso não ia ficar bom para as Forças Armadas.
Naquele momento, estava mais em evidência o general Ramos, que era militar da ativa e foi nomeado secretário de Governo. Depois o presidente chamou outro, mais outro, depois chamou o Pazuello. Pazuello foi primeiro como secretário executivo. E, como eu sei – eu conheço como funcionam as Forças pela relação que eu tenho –, eu vi que o comandante de uma Força não tem como negar ao presidente da República quando ele chamar qualquer nome da ativa pra lá.
Se você pegar o espírito do constituinte em 1988, ele procurou distanciar as Forças Armadas dessa disputa política. No artigo 14, quando a Constituição trata dos direitos políticos dos brasileiros, ela trata também dos militares. A Constituição não proibiu o militar de participar da vida política do país, mas botou regra. Então ela diz como é que o militar vai disputar uma eleição, como é que ele vai ser elegível.
E aí eu peguei o espírito daquele momento – em defesa das instituições, em defesa da separação do governo e das Forças Armadas – e transferi para o artigo 37 da Constituição, que trata da ocupação dos cargos na administração pública. A regra é: se o militar da ativa tem menos de dez anos de serviço, ele pede um afastamento. Até porque o militar com menos de dez anos de serviço não tem altos postos na carreira dele, ele não é o que está em evidência. E se ele tem mais de dez anos de vida militar na ativa, se ele quer participar, então ele tem que ir para a reserva. É o mínimo que tem que fazer.
Se as Forças Armadas são instituições de Estado e elas não servem a governos, mas ao Estado brasileiro, é preciso, minimamente, separar essas coisas.
O Bolsonaro gosta da ideia de ficar botando militar no governo o tempo inteiro para passar a ideia de que tem os militares na mão, ele manda nos militares.
É claro que o presidente pode tirar e botar ministros, inclusive o ministro da Defesa, inclusive os comandantes das Forças. A Constituição da República diz que o presidente da República é o comandante em chefe das Forças Armadas.
Acontece que acima dele está a Constituição, e a Constituição coloca essa separação de Forças Armadas e governo. Mas o presidente gosta de fazer essa confusão.
Não tem na história recente do Brasil, nesse período democrático, nenhum presidente que fez essa lambança que o Bolsonaro está fazendo com os militares. Isso é ruim.
A senhora conseguiu coletar mais assinaturas para a PEC após a decisão do comandante-geral do Exército de não punir o ex-ministro Pazuello. Como está sendo esse processo de coleta de assinaturas?
No ano passado, o momento que eu colhi mais assinaturas – cerca de 50 – foi depois de um episódio em que o ministro Ramos, que era ministro da Secretaria de Governo, e que era general da ativa, esteve em uma solenidade do Exército no Rio Grande do Sul fardado com todas as estrelas no peito. Aquilo gerou muitas falas no plenário da Câmara e repercutiu na imprensa. Criou um constrangimento para o Exército e para as outras Forças. Eu me lembro que na época se questionava: o ministro Ramos está nessa solenidade como general quatro estrelas do Exército, ou ele está como ministro de Estado? Aí, depois a PEC parou um pouco. Eu também parei de mandar, de cobrar assinaturas.
Quando veio essa situação do Pazuello, a PEC voltou ao debate. Vários parlamentares mandaram mensagem para mim, pediram para assinar. A imprensa começou a bater, começou a lembrar da PEC, e de lá para cá a gente já está com 133 assinaturas, em uma semana.
A senhora acredita que o presidente da Câmara, Arthur Lira, vai ser um aliado para a tramitação dessa proposta?
Eu tomei a decisão de só acionar o presidente da Câmara quando eu completar as assinaturas, porque eu acho que é melhor. Na semana passada, eu não estava na reunião de líderes, mas vários líderes abordaram o presidente sobre a PEC, dizendo que era importante votar a PEC, e me falaram que o presidente respondeu assim: “Olha, e acho importante fazer essa discussão e acho muito importante que a gente inclua também nessa comissão da PEC a questão da quarentena dos juízes e policiais” [que desejarem se candidatar a cargos eletivos].
A senhora tem uma relação próxima aos militares. Como está sendo a recepção deles à proposta? Alguma articulação para impedir que a PEC seja apresentada?
Eu não senti ainda nenhuma articulação dos militares da ativa contra a PEC. Até porque, no fundo, eles sabem que isso ajuda eles. É melhor um comandante ter um presidente da República que a todo tempo tira um de seus generais da ativa para ir para o governo, esse comandante começa a falar em nome do governo, depois sai, depois volta para a Força? Isso é bom para a Força? Ninguém quer isso. O grande beneficiado com essa proposta são as Forças Armadas.
A senhora tem uma relação com o general Villas Bôas e com o general Sérgio Etchegoyen? A senhora chegou a conversar com eles sobre a proposta?
Eu cheguei a falar no ano passado com vários deles, não só com os dois, com vários. O Etchegoyen, por exemplo, tem uma seguinte opinião: “Acho importante, mas eu acho importante que trate carreiras de Estado, para não ficar parecendo que é uma discriminação contra as Forças Armadas”. Há quem defenda que se inclua todas as carreiras de Estado. Eu não sou contra, mas isso é uma mudança que tem que ser feita no debate da comissão interna, na comissão especial.
Eu falei ano passado e tenho falado este ano com vários militares da Marinha, Exército, Aeronáutica que estão na ativa, que estão na reserva. Tenho escutado um pouco a opinião deles, tenho sondado como estão as coisas. Eu evito tratar desse assunto com os comandantes. Eu já tratei com alguns generais que viraram hoje comandantes, mas não vou retomar, não vou colocá-los numa situação de constrangimento.
Alguns analistas apontam que foi o posicionamento do então comandante do Exército Villas Bôas, em 2018 – que ameaçou o Supremo sobre a eventualidade de conceder a Lula um habeas corpus para concorrer às eleições –, que teria dado o passe livre para os militares se manifestarem politicamente. Qual sua opinião?
Se a gente acreditar que o comandante do Exército ameaçou o Supremo, estaremos desacreditando na força do Supremo, da importância dessa instituição. Eu acho que o Villas Bôas não tinha poder nenhum para ameaçar o Supremo. Eu penso que ele expressou ali um pouco um sentimento que ele estava tendo internamente, na ativa e na reserva, e acho que ele deve ter pensado: “É melhor eu me posicionar do que deixar a tropa se posicionar”. A gente desconfia, através das conversas daquela época, que tinha muita gente incomodada, mas eu não vejo aquilo como ameaça ao Supremo. Quem interpretar dessa forma está dando ao Exército o poder que eles não têm. A não ser que eles quisessem dar um golpe.
Mas a senhora acredita na possibilidade de golpe com o apoio de membros das Forças Armadas?
Eu penso que, se essa possibilidade existisse, o Bolsonaro já teria feito isso. Esse é o grande desejo do Bolsonaro. Um dos motivos pelos quais ele demitiu os comandantes anteriores e o Ministro da Defesa é porque eles nunca se aventuraram nos anseios antidemocráticos do Bolsonaro. Sempre passaram para ele o que a Constituição permite. Ele não gosta disso. Penso que ele quer muito, mas não tem turma para isso.
Eu acredito que as Forças Armadas hoje olham para o país e veem o país com a Constituição madura, por mais problemas que tenham. Eu não estou dizendo com isso que esse não é um desejo do Bolsonaro. É um desejo de Bolsonaro, mas ele não tem eco nas Forças Armadas. Tanto que ele procura envolver as polícias estaduais, ele procura armar o país, porque ele quer contar com alguma coisa em algum momento para se aventurar.
Se o presidente da República se aventurar a um golpe, ele é preso antes de realizar o golpe. Porque tem uma Constituição para ser cumprida, né?
O general Paulo Sérgio Nogueira perdeu a sua autoridade após a decisão de não punir o ex-ministro Pazuello. Quais as atitudes que o Congresso Nacional deve tomar para coibir manifestações políticas de militares, que devem proliferar à medida que vamos nos aproximando do período eleitoral?
O melhor caminho para o Congresso evitar o envolvimento e a politização das Forças é aprovando a nossa PEC. Eu penso que o general comandante do Exército ficou com um pepino no colo para explicar por que tomou aquela decisão. É difícil de aceitar. O Pazuello deveria ter sido punido e merece ser punido. Por que o comandante não fez isso?
Para falar sobre isso, eu preciso me colocar no lugar de quem está lá. Por exemplo, você acha que alguém das Forças Armadas e que leva essas instituições a sério confia hoje no Bolsonaro, com o que ele vem fazendo com as Forças?
Eu penso que já passou a fase dos militares se enganarem achando que comandavam e que mandavam no Bolsonaro. O Bolsonaro é o mesmo cara que eles expulsaram do Exército por indisciplina.
Eu fico me colocando no lugar do comandante do Exército. Ele foi pressionado pelo presidente Bolsonaro a não punir Pazuello. Todo mundo sabia que o Pazuello seria punido. O próprio vice-presidente da República falou sobre isso. Todo mundo com quem eu conversei. Aí vem a questão do presidente, que não aceitava que o Pazuello fosse punido. O comandante do Exército tinha ali uma decisão entre a cruz e a espada. Se ele pune o Pazuello, diferente do que o presidente queria, ele teria algumas situações. Primeiro, qual é a segurança que ele tinha de que o presidente não ia vetar a decisão dele? Segunda questão: um comandante nomeado pelo presidente da República faz algo que o presidente não quer que faça. Ele iria continuar? Ele mesmo ia pedir para sair.
Então, eu acho que o comandante ficou se perguntando se o Exército brasileiro não ficaria numa situação muito mais difícil trocando o comandante em menos de três meses por questões políticas. Eu acho que ele ponderou. E deve ter negociado porque o Bolsonaro chamou o Pazuello primeiro para o governo. Ele deve ter negociado: “Leva ele porque a gente não quer ele aqui”.
O que não deve ter sido também a solução que o Bolsonaro queria porque ele não queria mais levar o Pazuello para o governo. O Bolsonaro queria, inclusive, que o Pazuello, quando voltou para as Forças, fosse promovido a quatro estrelas. Porque o grande sonho do Bolsonaro era botar o Pazuello como comandante do Exército.
A senhora ouviu dos militares que isso era um desejo do Bolsonaro?
Já ouvi falar não só que o Bolsonaro queria que o Pazuello fosse promovido quando voltou para o Exército, como que ele não queria que o Pazuello fosse punido porque o grande sonho dele era transformar o Pazuello em comandante do Exército em algum momento.
A senhora sempre atuou junto aos militares no Parlamento. Como era essa articulação e como ela mudou?
Desde que eu sou parlamentar, eu conheço a assessoria parlamentar do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e do Ministério da Defesa. As assessorias das Forças Armadas e do Ministério da Defesa funcionam muito bem na Casa, são extremamente dedicadas. Villas Bôas já foi assessor parlamentar do Exército e construí uma relação excelente com ele. O Ramos já foi assessor parlamentar também.
Na sua trajetória na Secretaria de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, como a senhora percebia as relações da cúpula das Forças Armadas com o governo Dilma Rousseff e o que acha que mudou em relação ao governo Bolsonaro?
Na minha opinião, as Forças Armadas se iludiram achando que poderiam comandar o Bolsonaro. Eles já estão vendo que não conseguem. O Bolsonaro tenta criar relações individuais, com um ou com outro, com a tropa mais embaixo, ele tenta passar por cima dos comandos. Eu hoje olho a relação do presidente com as Forças Armadas como uma relação formal, mas de muitos atritos.
No governo da ex-presidente Dilma, também existiu uma insatisfação?
Existiu, e penso que a gota d’água ali foi a questão da Comissão da Verdade. E acho que ali ficou uma coisa mal resolvida de ambos os lados. Nem os militares ficaram satisfeitos com a Comissão da Verdade nem os familiares e militantes envolvidos ficaram satisfeitos. A Dilma botou orçamento, a Dilma reforçou os projetos de Defesa, tinha uma relação boa com os comandos. Na cabeça das Forças Armadas, eles acham que essa situação da ditadura já foi resolvida lá atrás, por acordo, com a questão das anistias. Eles acham que aquilo já estava resolvido.