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Já é hora de resolver polêmica do Mato do Júlio em Cachoeirinha; Do estupro da professora ao medo do estupro ambiental há longo caminho

Área verde do Mato do Julio, onde fica a histórica Casa dos Baptista, fica no ’coração’ de Cachoeirinha

A luta de uma professora de 34 anos para escapar de uma tentativa de estupro ao meio da manhã último domingo no Parcão, na área que faz divisa com o Mato do Julio, para onde foi arrastada e conseguiu se livrar do criminoso, ainda não identificado, reacendeu uma polêmica do pré-pandemia em Cachoeirinha: o futuro da área privada cujos herdeiros tem uma dívida milionária em impostos cobrados judicialmente pela Prefeitura.

Reproduzo nota oficial Prefeitura anuncia medidas de segurança e reenvia projeto para solução definitiva do Mato do Júlio, divulgada pelo governo Miki Breier e, abaixo, sigo na milionária polêmica sobre a área verde, que vai muito além de seu cercamento, além de postar vídeo com fala do prefeito.

 

“…

A Prefeitura Municipal de Cachoeirinha esclarece que:

1) A questão da segurança em relação à área privada popularmente conhecida como Mato do Júlio é uma prioridade para o Executivo Municipal. Ao lado do desenvolvimento urbano, é foco central do projeto encaminhado ano passado à Câmara Municipal de vereadores.

2) Infelizmente, devido a questões político-ideológicas o projeto não teve sua tramitação concluída. A Prefeitura informa que irá reenviar o projeto à atual legislatura na esperança de que compreendam toda sua extensão e importância para a segurança da população de Cachoeirinha.

3) Mesmo que a solução definitiva passe pelo Plano Setorial da área, a Prefeitura está adotando todas as medidas possíveis para garantir de modo emergencial um maior cuidado com quem transita pela área.

4) O prefeito Miki Breier, após reunião realizada com todas as secretarias do Município, determinou o reforço da atuação da Guarda Municipal, a análise das imagens para identificação do agressor, a instalação de novas câmeras de videomonitoramento e 180 metros de cercamento em gradil de concreto de 2 metros em toda extensão de divisa do Mato do Júlio com o Parcão.

5) Em relação ao grave ato de violência ocorrido no final da semana, a Prefeitura informa que está atuando ao lado das forças de segurança do Estado no apoio à identificação e captura do criminoso.

…”

 

Sigo eu.

Como já me esforço para fazer desde 2019, vou tentar descomplicar a polêmica sobre a negociação entre a Prefeitura de Cachoeirinha e os herdeiros do Mato do Julio. Reafirmo o que escrevi em junho de 2020: não me parece o momento certo para o debate no ‘modo Greta Thunberg’. E reputo um bom negócio o acordo firmado pelo governo Miki Breier para o município receber 10 dos 250 hectares da área privada avaliada em R$ 200 milhões em troca de uma dívida judicializada de R$ 25 milhões em IPTU.

Para recordar: tudo parou em junho do ano passado, quando o Projeto de Lei complementar nº 4.463/20, que alterava o zoneamento da área no Plano Diretor da cidade, foi retirado da Câmara de Vereadores por orientação do Ministério Público.

O despacho da promotora Simone Annes Keunecke justificou a suspensão necessária devido a pandemia de COVID-19, “pois a participação popular nesse importante debate fica prejudicada, visto que não é possível a realização de audiências públicas para se tratar do tema”.

O MP foi instado pela Frente Parlamentar em Defesa do Mato do Julio e a Associação de Preservação da Natureza – Vale do Gravataí (APN-VG), que questionou a realização de audiência pública em 3 de março para apresentação do Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA) produzido pela empresa Profill sob encomenda dos proprietários.

O argumento de vereadores à época contrários e ambientalistas era de que o zoneamento urbanístico não poderia ser discutido antes da realização de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

Salvo engano, o Ministério Público não disse sim, nem não sobre a legalidade da audiência ou do zoneamento no despacho que você acessa clicando aqui. Apenas ‘recomendou’ a necessidade de audiências públicas com a participação da população, o que o distanciamento social para enfrentamento da pandemia não permitia. E, aí talvez a discussão seja retomada, ainda não permita.

Sobre a necessidade do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não localizo exigência neste momento, nem no despacho do MP e nem no Plano Diretor, que é o conjunto de regras que normatizam a ocupação do solo em Cachoeirinha.

Na seção DAS ÁREAS DE ESPECIAL INTERESSE AMBIENTAL, dois artigos tratam disso, mas sob uma condição especial: encampar o Mato do Júlio.

Art. 153. As Áreas de Especial Interesse Ambiental são áreas naturais ainda preservadas, as quais podem ser tornadas Unidades de Conservação nos termos da Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, de acordo com os procedimentos previstos na mesma, quais sejam, estudo técnico e consulta popular, conforme indicativo da participação popular no processo de elaboração desta Lei.

Art. 154. São Áreas de Especial Interesse Ambiental, além de outras que possam ser apontadas pelo Plano Setorial Ambiental, e que devem ser objeto de procedimento para criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral, num prazo de até 3 (três) anos:

I – o Parque Municipal Tancredo Neves;

II – a área conhecida como Banhado do Shopping;

III – o Horto Florestal.

Parágrafo Único – As áreas conhecidas como Mato do Júlio e Fazenda Guajuviras, Áreas de Especial Interesse Ambiental, serão objetos de estudos técnicos e consultas públicas, de iniciativa do Poder Executivo, buscando determinar as características das mesmas, para certificar a viabilidade de criação de Unidade de Conservação de Proteção Integral ou de Unidade de Uso Sustentável, no prazo de 1 (um) ano da publicação desta Lei, quando então será definida a sua destinação e utilização.

A interpretação que faço é lógica, porque há um “podem…” no texto da lei. Assim, entendo que os estudos só seriam necessários no caso da intenção de criar na área Unidade de Conservação.

Não é o caso – e aí não trato de vontades políticas, mas da realidade financeira.

O Mato do Júlio é uma área particular.

É por isso que entendo que a forma como foi conduzida a audiência seria ilegal apenas caso a Prefeitura tivesse a intenção de desapropriar a área para fazer um parque ambiental, o que, pelo custo estimado da área, demandaria um terço de toda arrecadação de um ano de Cachoeirinha, incluindo verbas para salários, saúde e educação, por exemplo.

Assim, não identifico irregularidades na audiência pública promovida pelo Conselho do Plano Diretor, que apresentou o EVA, deflagrou o processo de colher sugestões da comunidade e questionamentos técnicos e se encerrou em 3 de março.

O que se propôs em 2020, pelo acordo Prefeitura-herdeiros, era fazer o zoneamento da área, alterando o Plano Diretor por meio de projeto enviado à Câmara de Vereadores. Não se trata de uma licença ambiental. Qualquer autorização para construção demandará licenciamento da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Aí, com a encomenda de um EIA, e um EIA-RIMA, que no caso do Mato do Júlio teriam um custo estimado em R$ 5 milhões aos proprietários.

Pelo que apurei, não há nem como abrir um protocolo na Fepam para realizar um Estudo de Impacto Ambiental sem informar o tipo de zoneamento da área a ser pesquisada.

Bem observou o jornalista Eduardo Torres, na reportagem Acordo entre prefeitura e herdeiros do Mato do Júlio contraria pontos de estudo ambiental, publicada no Diário de Cachoeirinha, que estudo da Metroplan sobre prevenção de cheias, concluído em 2018, recomenda – grifo: recomenda – respeitar uma ‘mancha’ sem empreendimentos na região próxima ao Rio Gravataí.

Só que, incrível, esse trecho do outro lado da Free Way, o que a Metroplan considera com potencial alagadiço, já tem zoneamento e potencial de uso pelos proprietários; a parte lindeira a Flores da Cunha, a Casa dos Baptista e o ‘coração’ do Mato, não! Inclusive esse espaço que hoje está no ‘limbo’ é o único dos 44 quilômetros quadrados de território de Cachoeirinha que não é inscrito como ‘zona urbana’.

Seria um ponto para análise da Fepam na hora de liberar futuros empreendimentos, bem como a necessidade de preservação, que o jornalista aponta na matéria a partir do EVA, de "40 espécies de répteis, anfíbios, mamíferos e aves" e "143 espécies vegetais".

Parece-me incontestável que o zoneamento pode acontecer agora, mas qualquer uso da área pelos proprietários precisará, além de respeitar o Plano Diretor e o Código de Obras, adequar-se à legislação ambiental para receber licença da Fepam, o que demandará o EIA e o EIA-RIMA – cujo prazo chega até três anos para empreendimentos em área tão delicada.

É preciso lembrar também que qualquer empreendimento que venha a ser aprovado no Mato, conforme a legislação ambiental, ampliará a transferência de áreas para o município. O parcelamento de solo prevê 35% de terras para a Prefeitura: 20% para arruamento, 15% para área institucional – como o parque ecológico projetado para o entorno da Casa dos Baptista – e 10% de área verde, sem possibilidade de construção.

Assim, como não é o zoneamento que ‘autoriza’ o que pode ou não ser feito da área pelos proprietários, o acordo firmado pela Prefeitura com os herdeiros me parece um bom negócio: garante a posse para o município de áreas avaliadas em R$ 50 milhões em troca de R$ 23 milhões de um IPTU que pode nunca ser pago.

Muitos podem se preocupar com interesses ocultos em uma área que pode render bilhões em valores agregados:

– Ah, mas depois que o zoneamento for feito, a concessão da licença ambiental é uma consequência, já que ninguém segura a força do dinheiro!

Sob esse prisma, entreguemos tudo aos vigaristas porque desnecessária é a legislação ambiental, e inoperantes, ou corruptos, são todos os mecanismos de controle externo, como o Ministério Público, e de apelação, como o Judiciário.

Há ainda, e poucos falam disso, a possibilidade de a Prefeitura perder a disputa judicial travada com os herdeiros, que agora pode ser encerrada com o acordo entre as partes.

Seria o sonho dos que querem deixar o Mato do Júlio como está. Mas os R$ 23 milhões devidos em IPTU se tornariam, no máximo, R$ 1 milhão.

Cachoeirinha também não teria sua área garantida para fazer a perimetral às margens da Free Way, e de graça, já que pode vender ou trocar a área que também receberá próxima à Prefeitura pela realização da obra.

Não seria possível também explorar um potencial de crescimento ambientalmente responsável na área e seu entorno, já que, se for feito ali um condomínio de luxo, o que também traz receitas para o município, terá que ser vertical e preservando muito (combinemos: quanto mais natureza, mais valor de venda).

Ao fim, o acordo Prefeitura-herdeiros depende apenas da aprovação pelos vereadores do zoneamento, que o prefeito Miki Breier anuncia na nota oficial que enviará novamente à Câmara, e não de uma autorização para que se devaste o Mato do Júlio ou se cometam crimes ambientais. Se no futuro for intenção dos atuais, ou próximos proprietários, aí será o momento de entramos no ‘modo Greta Thunberg’ para preservar o que de direito tem que ser preservado.

 

Assista o que Miki disse sobre o Mato do Julio, nesta quarta, ao repórter cinematográfico Guilherme Klamt, do Seguinte:

 

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