“Temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a verdade. Somente a arte pode transfigurar a desordem do mundo em beleza e fazer aceitável tudo aquilo que há de problemático e terrível na vida”, escreveu Nietszche.
E eu concordo. A arte nos salva de enlouquecer, principalmente nesses tempos pandêmicos, em que a vida humana parece valer tão pouco. Quando escrevo ou faço meus artesanatos, acalmo o coração e a mente.
Enquanto costuro palavras e panos, também organizo meus pensamentos. E sinto uma energia única, que só quem faz arte entende. A gente se se sente mais vivo.
Também acredito que é uma coisa que nasce conosco. Minha mãe guardou minhas primeiras poesias, escritas na infância. É um caderninho simples, mas onde copiei os poemas com a letra mais bonita que a Jeane criança conseguia fazer, e ainda criei um desenhinho colorido para cada texto.
Ninguém me ensinou ou instruiu a organizar aquele caderno, foi algo espontâneo. Já havia uma artista dentro daquela menininha.
Ainda na infância, tentei aprender crochê e tricô, mas não tive muito jeito. Tentei o bordado também, me dei melhor, mas ainda não tinha paciência para um trabalho minucioso. Gostava mais de criar cartões, principalmente para meus pais.
Tive fase de pintura em tecido, de EVA, de dobraduras, de decoração de aniversário, de brinquedos para os primos mais novos, de desenhar… Em toda a minha vida, sempre estive criando alguma coisa. Entendo como uma necessidade.
Há alguns anos descobri o feltro e não larguei mais. Em momentos em que tudo parecia desmoronar, a costura me ajudava a manter a sanidade. Também é uma forma de acarinhar as pessoas que amo, com peças únicas feitas por mim.
A poesia é mais descarrego e instinto, difícil de planejar. Na maioria das vezes sinto que sou instrumento de algo maior, que escreve por meio das minhas mãos. Acho bem difícil escrever poesia a partir de um tema, poucas vezes deu certo.
Só sei que não me vejo sem escrever, sem criar. É tão fundamental quanto comer, dormir e respirar.
Quando meu sobrinho fez 8 anos, o presenteei com um violão. E algumas vezes disse a ele: “Quem toca um instrumento nunca está sozinho”. Em muitos momentos ele seguiu o conselho, e encontrou no violão um amigo que conforta.
Sintetizando as palavras de Nietszche, podemos dizer que a arte nos salva da vida. Vou concluir a coluna de hoje com alguns poemas que escrevi nesse sentido:
GOLES DE POESIA
Imagina beber poesia
Como quem bebe café?
Os versos descendo mornos pela garganta
Os versos despertando as células
Do mais-do-mesmo
Me dê mais uma xícara de palavras!
Que eu preciso tanto de café
Quanto de poesia
Para encarar a palidez
E a aspereza do dia.
LUDICIDADE
A cidade
Me rouba o lúdico
Acinzenta o olhar
– Tenta –
Metrificar meus batimentos
E quando a menina
Parece que vai sumir dos meus olhos
Minha criança enxerga
Novas formas de brincar
Todo dia, a cidade
Tenta me cegar
Toda tarde, a poesia
– Inventa –
E descobre
Novos motivos pra criar
Todo dia, a poesia
Me ensina a me reinventar.
TINTA AMARELA
Os girassóis
estão por toda parte!
E os campos de trigo
são tão imensos!
É preciso pintar!
É preciso pintar
enquanto o sol existe!
Como uma febre
que avança noite adentro…
É preciso pintar
as estrelas!
É preciso derramar-se
na tela em branco
até a última gota!
E no papel,
nas paredes,
em qualquer canto!
Como uma febre
que avança pela vida inteira.