a coluna da jeane

Histórias de jornalista – 3

Jeane Bordignon no sítio do Seu Pedro

Depois de um ano como jornalista contratada, precisei deixar o jornal para focar na faculdade e terminar o curso. Conquistei o diploma em fevereiro de 2007, e pouco depois o Silvestre, que então estava editor do Diário de Cachoeirinha (que também era do grupo CG), me chamou para trabalhar na cidade vizinha. Lá fui eu. E na minha passagem pelo DC, aconteceram duas matérias que hoje me parecem que foram prenúncio da missão que viria logo a seguir.

A primeira foi numa tarde em que avisaram que havia um cavalo abandonado e ferido num terreno ali perto. Peguei a câmera pequena (o fotógrafo estava na rua com algum colega), botei bloco e caneta no bolso e andei até o terreno, num sol de fritar os miolos. O cavalo estava tão fraco que não conseguia se levantar.

Passei pelo meio da cerca e cheguei perto, falando com carinho que estava ali para ajudá-lo. E o bicho ergueu a pata, com o machucado bem na minha direção. Ele tinha entendido e estava me mostrando a pata ferida (era um buraco que até dava para ver o osso). Acreditem, o cavalinho esperou eu fotografar e só depois baixou a pata. Conversei com algumas pessoas q estavam ali, voltei pro jornal, escrevi a matéria e fiz contato com órgãos que poderiam recolher o bicho. Infelizmente, não lembro o desfecho.

A segunda matéria foi de apertar o coração. Recebemos uma denúncia sobre uma cadela que além de espancada pelo “dono”, passava tanta fome que havia comido os próprios filhotes (pode ter havido algum exagero nessa parte, as fêmeas costumam comer os filhotes que nascem muito fracos ou defeituosos). Depois de alguns contatos, a pobrezinha foi resgatada por uma protetora e levada para um canil, onde ficaria até estar apta para adoção.

Fui com o fotógrafo Fernando Planella até o canil onde estava a cadela. Era uma pitbull, mas tão magra que dava para ver as costelas. Um filhote sobrevivente havia sido resgatado junto, e tinha um machucado na cabecinha (quem bate num bebê?). O Planella e eu chegamos perto da grade da baia onde mãe e filhote estavam e a cadela recuou muito amedrontada, acho que até tremia. Uma pitbull com medo de gente. E a raça desses cães que é considerada perigosa… Não sei que destino a cachorra teve, mas nunca esqueci daquela carinha assustada.

Uns meses depois, o Rafael me convidou para voltar ao CG. Uma das primeiras pautas acabou sendo o dia em que mais ganhei lambidas na vida, hehe. Um protetor chamado Seu Pedro havia falecido recentemente e deixado cerca de 400 cachorros (é isso mesmo, 400 cães!) que ele abrigava em um sítio, todos recolhidos das ruas. Alguns voluntários tinham assumido os bichinhos, e eu fui até o sítio para contar como estava a situação, também porque o pessoal precisava de doações para dar conta daquela bicharada toda.

Logo na entrada, tinha uma pequena gorducha cheia de cicatrizes, mas muito faceira, que mal me viu foi pulando em mim. Se eu fiz cafuné nela? Com certeza! Se eu pudesse tinha levado aquela pitoca para casa. Enquanto a pequena me lambia, um grandão bem idoso tentava latir, mas quase não tinha forças, o latido mais parecia uma tosse. Era um daqueles casos típicos de cão de guarda que quando fica velho demais para guardar a casa, é largado na rua feito lixo.

Então fomos para a parte onde ficava a galera mais dócil. Os cães mais brigões ficavam em canis separados. Fui entrando devagarinho, e logo eu estava cercada de cães de diversas cores e tamanhos. Por instantes quase esqueci que estava lá a trabalho, e queria ser aquela divindade indiana de vários braços para acarinhar todos ao mesmo tempo. Voltei para o jornal com a roupa cheia de poeira e pêlos, mas a alma leve…

Logo nos meus primeiros dias dessa nova fase de CG, o Rafael perguntou se eu queria fazer parte do novo projeto que ele por enquanto estava construindo sozinho: a página Amigo Bicho, seção do jornal dedicada aos animais. Claro que eu aceitei e em pouco tempo passei a ser a responsável pela página que, não nego, era meu xodó. E acho que do Rafael também.

Como a intenção era também ser um espaço para divulgar bichinhos para adoção e tirar dúvidas, ia um telefone de contato na página (no caso, o meu ramal). Eu já atendia os leitores em geral, estava acostumada com as ligações. Mas teve um dia em que eu quase perdi a paciência…

A bonita ligou para o jornal querendo saber onde podíamos recolher o cachorro dela, porque não podia mais ficar com ele. O motivo? Ele era grande e fazia muito cocô! Sim… a mulher teve a coragem de ligar para o jornal para dizer isso. Dá raiva só de lembrar.

Na minha mente xinguei de muitas palavras que minha mãe não aprovaria, mas mantive a compostura e respondi que apenas podíamos divulgar o cão para doação, se ela nos enviasse uma foto. Acham que enviou? Claro que não. Mas jamais esqueci dessa história, foi o ápice do absurdo. Se não quer limpar as cacas, que não pegue bicho para cuidar, né? (E fica a dica: ração de boa qualidade deixa o cocô mais sequinho e firme, mais fácil de limpar. Além de ser bem melhor para a saúde dos animais!).

A página era semanal, e uma das minhas ideias foi publicar as leis que protegem os animais, em trechos. Também ressaltávamos sempre a importância da castração, que além de evitar ninhadas indesejadas, também previne piometra e câncer, além de deixar os bichinhos mais calmos. Quem já viu uma gata no cio sabe o desespero que as fêmeas ficam para sair para a rua. E lugar de gatos é dentro de casa!

Deu para notar que virei militante da causa animal, né? Sempre gostei de bichos e cresci convivendo com várias espécies. Mas com certeza a página Amigo Bicho me trouxe uma grande bagagem. E me tornei daquele tipo que não se importa em bancar a chata que dá lição sobre como tratar os animais. Sim, sou sou daquelas que quando chega na casa de alguém, cumprimenta primeiro os bichinhos e depois os humanos…

Só não consegui ainda chegar ao patamar evolutivo do Rafael e da Thiane (companheira dele), que abraçaram o veganismo há anos. Já não como carne vermelha nem de porco há muito tempo, também não bebo leite, mas ainda não consigo viver sem queijo, e consumo ovos, frango e peixe com moderação. Estou no caminho, um dia eu chego lá.

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