Daniel Bordignon é um Karamázov, de Dostoiévski. Na loteria de toga, justiça – ou injustiça – parecem reservadas mais a ele do que a qualquer outro político nas eleições da aldeia. Decisão que valeu para ele na eleição de 2017, já não vale mais; da mesma forma que a ‘lei da ficha limpa’, fosse enquadrado hoje e não em 2008, poderia ter mantida a candidatura em uma eleição ganha.
Mesmo que o ex-prefeito seja somente um expectador, e não personagem principal, é história explicar a partir dele esse último dos Grandes Lances dos Piores Momentos, nessa chatice de judicialização das eleições de Gravataí, que já tem seu ‘Tapetão 2.0’.
Nesta terça, a juíza eleitoral Luciana Barcellos Tegiacchi não aceitou pedido da coligação Toda força para Gravataí (PSD, DEM, PV, PATRIOTA, SOLIDARIEDADE, DC, PROS), de Dimas Costa, para retirar liminarmente o prefeito Marco Alba da propaganda da coligação de Gravataí não pode parar (MDB, Republicanos, PSDB, PP, PTB, PSL, PRTB e PSB), de Luiz Zaffalon e Dr. Levi, por supostamente enganar ao eleitor “levando a crer que estaria concorrendo ao pleito de 2020, o que não é verdadeiro”.
Parece óbvio que o prefeito pode aparecer ao lado dos candidatos que lhe representam? Sim, só que em 2017, nas últimas semanas da eleição, e a pedido da coligação de Marco Alba, decisão judicial obrigou a retirada da imagem de Daniel Bordignon da propaganda da esposa Rosane Bordignon, candidata a prefeita na eleição suplementar em que perdeu a eleição por apenas 4 mil votos.
O tapetão se estendeu até o TSE.
Em 2019, Bordignon e Rosane foram absolvidos da decisão kafkiana, e aí me refiro a ‘O Processo’, e à personagem Josef K. perguntando “inocente de quê?”. Estavam ameaçados por uma inelegibilidade de 8 anos. O ex-prefeito poderia ficar fora das urnas até 2027, quando teria 69 anos. Os ‘Bordignons’ venceram por 6 a 1 no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e 7 a 0 no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
À época, tratei disso em Bordignon concorre a prefeito em 2020? Ele responde, entrevista na qual Bordignon rompeu o silêncio e criticou o prefeito:
– Sofro há quase 20 anos uma perseguição muito forte de Marco Alba, Jones Martins e Patrícia Alba, que representam o que há de mais forte no padilhismo (referência a Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil do governo Michel Temer). É aquela história: quem não tem voto, apela para os tribunais. A denúncia por eu pedir voto para minha esposa (Rosane Bordignon) foi feita pelo grupo do prefeito porque temiam perder nas urnas e precisar mais uma vez do tapetão.
Nesta terça, a juíza de Gravataí entendeu não haver “informação inverídica sendo levada ao eleitor” pela coligação de Marco Alba e remeteu a decisões tomadas pelo TSE a partir de 2018 – rol onde está a decisão do caso dos ‘Bordignon’.
Luciana Barcellos Tegiacchi cita como pilar o voto de Edson Fachin em julgamento envolvendo o uso da imagem de Lula na última eleição presidencial.
– Ante o exposto, e reforçando a prevalência da liberdade da expressão quando inexistente inveracidade, voto por julgar improcedente a Representação – decide a juíza.
Autoexplicativo, o grifo é meu.
Ao fim, reputo desnecessário o pedido de Dimas. Apostou na ‘loteria de toga’. Bastava ter falado com Cláudio Ávila para saber que o advogado e candidato a vereador por sua coligação foi absolvido em 2019 no mesmo processo que os ‘Bordignon’.
Entendo o mesmo sobre o pedido, e a decisão da justiça eleitoral na eleição suplementar de há quatro anos. Marco Alba hoje pode comemorar uma vitória de sua coligação sobre o adversário Dimas, mas, fosse 2017, e não 2020, e estivesse ele no lugar de Bordignon na época, teria sido excluído da propaganda de Zaffa.
A Bordignon resta dizer "eu já sabia!". Tempo não se devolve. Como bem sintetizou Beckett: não há como fugir das horas e dos dias. Nem de amanhã nem de ontem.
(Sem torcida ou secação, é apenas uma leitura baseada na premissa de que a balança da justiça mantém o mesmo equilíbrio entre políticos de qualquer lado da ferradura ideológica.)