Nem os vínculos afetivos entre os artistas e a região foram suficientes para comoção pública. O Seguinte: reproduz a opinião de Lucas Prata, publicada pela Época
Fernando Zor, músico de uma das duplas sertanejas mais populares do Brasil, a Fernando & Sorocaba, costuma compartilhar em seus perfis nas redes sociais sua paixão pela pesca. Um dos seus destinos favoritos é o Pantanal. Em agosto esteve com sua ex-namorada, a cantora Maiara da dupla Maiara e Maraísa, pelo Rio Taquari, no município de Alcinópolis, divisa dos estados de Mato Grosso do Sul com Mato Grosso. As fotos da região ilustram também publicações de sua empresa de artigos para pesca amadora.
Um mês depois, o fogo que já destruiu 10% de todo bioma da região pantaneira, chegou ao Parque Estadual das Nascentes do Taquari no mesmo município da pescaria das postagens. Nas redes do cantor, silêncio sepulcral. Não há um mísero post falando sobre a tragédia em um dos seus destinos favoritos.
Também não é coincidência que a maioria das celebridades do gênero mais popular do Brasil sigam caladas, exceção feita a um burocrático post feito por Luan Santana, filho do Mato Grosso do Sul. É alinhamento.
Desde que o governo Bolsonaro se elegeu, o apoio dos protagonistas do sertanejo virou institucional. Os valores ecoados pelo gênero encontraram refúgio no imaginário bolsonarista. Boa parte da base de fãs das duplas também é apoiadora do presidente.
Se a política que vem de Brasília sobre o meio ambiente é de desdém, minimização e até valorização retórica de práticas ilegais de exploração, o universo sertanejo compra ou, se não concorda, não faz esforço para confrontar. Mesmo que a destruição de um dos mais importantes ecossistemas do mundo esteja em questão.Mesmo que muitos desses artistas tenham ligação afetiva com a região. Mesmo que a necessidade investimento sobre preservação seja uma obviedade.
O custo de um posicionamento contrário ao pensamento bolsonarista é alto. Marília Mendonça foi a única sertaneja popular a aderir ao movimento #Elenão na campanha eleitoral de 2018. Sofreu ameaças, apagou postagens e não tocou mais em assuntos que margeiam a política desde então.Segue calada sobre os incêndios, inclusive.
O fogo no Pantanal tem ainda um segundo pano de fundo. Perícias do Governo do Mato Grosso apontam ação humana deliberada no início dos incêndios. Falar das queimadas significaria tocar indiretamente no papel do agronegócio. Justamente a cadeia econômica financiadora de boa parte dessa indústria musical que virou seu braço cultural extraoficial.
Por trás do silêncio de cantores como Gusttavo Lima, Henrique & Juliano e Zé Neto&Cristiano há descaso, há estratégia comercial, há receio de desagradar, há dinheiro em jogo. Mas há também uma absurda desconexão – por opção – com o papel que figuras públicas têm como agentes de denúncia, demanda que (parecia) virar obrigatória a qualquer celebridade pop contemporânea.
O sertanejo tem estrutura suficiente para se manter como o ritmo hegemônico das rádios e serviços de streamings do Brasil, mas a postura de suas estrelas apequena sua relevância e seu potencial de transformação social. Entristece, mas não surpreende.