política

Daniel Bordignon e os 70 por cento; assina?

Daniel Bordignon, ex-prefeito de Gravataí

Daniel Bordignon me enviou o manifesto #juntos:

– Pretendemos lançar o movimento em Gravataí sexta. Assinas?

Assinei.

E produzi uma entrevista-aula sobre o momento brasileiro – à beira do precipício, só que já lá embaixo, olhando para cima – com o professor de história e jornalista, que por dois mandatos foi prefeito de Gravataí e deputado estadual, e hoje é presidente de honra do PDT.

Tem pergunta também sobre a aldeia.

Siga trechos da conversa, conforme fluiu.

 

Seguinte: Estamos mais próximos de 64; ou dos anos 70, quando um jovem metalúrgico era demitido por colar um cartaz no relógio-ponto pedindo “trabalho humano e justiça nos salários para todos”; ou então de testemunharmos uma democracia em amadurecimento?

Bordignon – É uma questão complexa. Antes: sou eu o metalúrgico que você fala, não?

 

Seguinte: Sim. A história é essa, não?

Bordignon – Tinha 18 anos. O lema da Campanha da Fraternidade era “trabalho e justiça para todos”. Fiz o cartaz em uma cartolina e acrescentei o “humano” e “salário”, já que na época o mínimo era de 70 dólares. Colei ao meio dia e à tarde fui demitido da Riopel.

 

Seguinte: Então, em que andar estamos, caindo e dizendo “até aqui tudo bem”?

Bordignon – Em 64 havia lastro para a tentativa golpe de estado. Havia um espaço na sociedade civil que hoje não vejo. Há um grupo reduzido, ideologicamente radicalizado, que apoia um presidente que trabalha pelo golpe. É época João Goulart era presidente e representava a continuidade da política getulista, do trabalhismo, que mesmo no golpe de 37 manteve uma linha de compromisso social. Getúlio iniciava os discursos com “trabalhadores do Brasil”. Houve uma consolidação da CLT entre a revolução de 30 e 42. A questão social deixou de ser caso de polícia e virou questão de estado e…

 

Seguinte: A instabilidade política sempre foi uma característica nacional.

Bordignon – Sim, Getúlio foi afastado em 46, Dutra foi eleito com uma política mais liberal e de abertura a setores internacionais, mas Getúlio volta em 50, em eleições democráticas. Com postura de desenvolvimento nacional cria a Petrobrás, a Eletrobrás, dobra o salário mínimo, que era uma política que custou o cargo de Jango, ministro do Trabalho. Ele demitiu Jango mas manteve o aumento no salário. A reação da direita veio, extremada na mídia com Carlos Lacerda, e também nas Forças Armadas, com, por exemplo, o ‘manifesto dos coronéis’ em 54. O suicídio de Getúlio, e seu pensamento nacionalista e a favor dos trabalhadores, a denúncia contra o imperialismo, que está na carta testamento, foi o que impediu o golpe. O povo se revoltou.

Juscelino, eleito em 55, tinhado sido prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas com apoio de Getúlio. Representava a resistência getulista contra a direita golpista de Juarez Távora, um coronel do nordeste. Á época o voto era separado para presidente e vice, e Jango como vice fez mais votos que JK, porque era ainda mais ligado à Getúlio. Foi um governo sempre sob ameaça, e tentativas, de golpe. Jânio, que vence em 60, era representante desse golpismo, mas o vice eleito foi Jango.

Quando Jânio renunciou, o golpe foi o parlamentarismo, permitindo que Jango assumisse sem plenos poderes. Em 63, um plebiscito confirmou o presidencialismo por 80%. Bolsonaro tem algo de Jânio, mas menos folclórico e mais brutal. Enfim, Goulart governou por pouco mais de um ano e apresentou as reformas de base, um governo para os trabalhadores, aí é aquela história que conhecemos: coloca-se na rua o espantalho do comunismo para enganar as pessoas.

O Brasil tem esse problema das Forças Armadas muitas vezes não se comportarem como instituições de estado, e se aliarem a setores da política. Quando não tem votos e apoio popular, a direita sempre está lá, batendo nos quartéis. As vivandeiras, como dizia Tancredo.

 

Seguinte: Como escreveu Marx em “O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte” (1852), “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Com o ‘espantalho’ do comunismo novamente nas avenidas das redes sociais, 2020 é a farsa, como 64, na ditadura militar, ou na de Getúlio, no ‘Estado Novo’, em 37?

Bordignon – É uma farsa. Mas faço ressalvas em relação a 37, que não foi um golpe fascista, ideológico. Em 41 Getúlio começou a negociar com os EUA, contra Alemanha e Itália, e enviou tropas para a Segunda Guerra, inclusive. O Estado Novo foi uma consequência de 30, 32, e a impopularidade do baronato de São Paulo. Getúlio fez um governo democratas, as mulheres passaram a votar. Cada tempo é um tempo. O Plano Cohen foi um pretexto, sim. Mas não foi um golpe fascista. Mas o que Marx escreveu provavelmente valeria até para Jesus. Lembra  Atos 2? (E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum / E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister / E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração). Os poderosos, quando é de interesse, criam espantalhos. Chamavam comunismo lutar pela jornada de trabalho de 8 horas, o escritor José Alencar chamava o abolicionismo de plano comunista… Enfim, são todos golpes, mas golpes diferentes. A questão brasileira é que temos instituições ainda frágeis, é o que se trata neste momento. “Democracia é o povo”, diz o presidente. Mas não funciona assim. O poder do povo também se expressa pelas instituições.

 

Seguinte: Liberdade para fazer o que quiser é regra dos direitos, para eles, e para os seus.

Bordignon – Sim. Vivemos um paradoxo de, supostamente em nome da liberdade, pessoas defenderem AI-5, serem contra investigar fake news, pedir o fechamento do Congresso, do Supremo. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1791, documento culminante da Revolução Francesa, já indicava que onde não há separação de poderes, não há democracia. Precisava contar passagens da nossa história para responder à pergunta inicial: somos 70%, a sociedade civil está mais forte do que em 64. O governo simula um golpe como blefe, para intimidar a sociedade e manter alimentado seu grupo de apoiadores mais fanáticos alimentados.

 

Seguinte: Ciro Gomes, ao Datena, disse que se o golpe tiver curso, a resistência vai “organizar a rapaziada da favela”. Não é tudo que Bolsonaro quer? No desdém com as mortes, e nos símbolos nazi-fascista que ele, e sua equipe comunicam nos últimos dias, ele parece forçar o caos, provocar o ‘Selva vs. Salve’ nas ruas.

Bordignon – Não concordo com o Ciro nisso. Sou contra qualquer confronto pela força. A violência é o combustível do fascismo. É uma resposta inadequada. Há espaço na sociedade para reagir ao autoritarismo sem cair nessa óbvia provocação.

 

Seguinte: Os protestos antirraciais nos EUA começaram com incêndios e saques, mas após a tentativa de Trump de criminalizar os movimentos, e a ameaça de apelar para as Forças Armadas, o povo seguiu nas ruas, mas de forma mais pacífica e apenas com incidentes pontuais. O Brasil está preparado para protestos que não sirvam de desculpa para um golpe militar?

Bordignon – São situações parecidas. O governo Trump é o governo Bolsonaro com 3 anos e meio, com um nível de provocação à sociedade e a agudização da pandemia, com mais de 108 mil mortos. O governo é uma certa cópia de lá, subserviente, bate continência para a bandeira americana. Mas a questão racial é diferente, no Brasil é bem mais escondida que lá. Mas é possível que protestos se reproduzam aqui, sim.

 

Seguinte: É identificável método nessa violência pelas redes sociais.

Bordiignon – Sim, trabalham no limite da verdade. Para muitos políticos hoje o mais importante não é a verdade ou a mentira, mas a força para difundi-la. As redes sociais deram voz a muita gente sem discernimento ou conhecimento história, uma sociedade da simplificação absoluta. Por isso é importante a investigação sobre fake news e, como faz o ministro Alexandre Morais, “seguir o rastro do dinheiro”. Na Itália e Alemanha, a ascensão do fascismo, do nazismo, foi financiada por grupos empresariais. A diferença, e por enquanto, é que a violência atacava instituições e adversários nas ruas, e hoje ataca pelas redes sociais. Recomendo o filme ‘Novecento’, de Bertolucci.

 

Seguinte: Após tantas barbaridades e crimes Bolsonaro tem ainda 30% de apoio mostra que a eleição não se deve apenas à “facada”.

Bordignon – Vou tentar responder da forma mas equilibrada possível… Bolsonaro cresceu em uma combinação de fatores. Um foi o esfacelamento dos partidos com o escândalo Petrolão. Por mais manipulações, estava toda noite na mídia um processo de extrema corrupção órgãos de estado. Isso causou desilusão e revolta, mesmo em pessoas que não são fascistas, são democratas. Tínhamos uma crise econômica, o PSDB reagiu mal à eleição da Dilma, contestando judicialmente mesmo sem nenhum crime; depois veio o Temer com um governo de escândalos… Na eleição o PT acabou representando para os indignados o que havia de mais carcomido pela corrupção. A reforma política é talvez a mais necessária. Nosso presidencialismo de coalização é um mecanismo de chantagens. Bolsonaro foi eleito contra isso e agora se alia ao ‘centrão’ para não sofrer impeachment. Não existe democracia sem partidos fortes, apenas personalismos, messias. Não existe quem possa salvar um país, e muito menos um estado ou município, sem um projeto político. É um momento dramático e angustiante, com um presidente como o principal responsável por 30 mil mortes, já que deseduca e desorganiza o país. Mas gosto de olhar pelo lado bom: são 70% que não concordam com essa política.

 

Seguinte: És favorável a um impeachment? A projeção é de queda de cerca de 7% no PIB, voltando aos patamares de 2010.

Bordignon – Um impeachment pode agudizar a crise, mas não parece haver saída. Um presidente não pode cometer crimes impunemente. O STF tem feito um papel histórico, como grande defensor processo democrático. A mudança talvez funcione até como uma redução de danos. Hoje te diria que vivemos um dia por vez. É preciso aguardar o resultado de investigações sobre o presidente, os filhos, sobre a anulação da eleição de 2018. Não parece ser possível fazer qualquer projeção, seja de um dia, uma semana. A crise não respeita nem domingos. Claro que Bolsonaro provoca, ao subir em um cavalo imitando Mussolini, e no dia seguinte postar uma frase fascista, ou ao beber leite, símbolo da supremacia branca quando os EUA explodem em protestos antirraciais. Mas não vejo clima para golpe.

 

Seguinte: Nem nacional, nem internacional, porque depois do golpe vem o dia seguinte…

Bordignon – Exatamente. Um golpe iria depois 27 governadores eleitos. Como? É uma aventura irresponsável. O ideal seria Bolsonaro renunciar. É um incapaz. Minimamente um governante, seja presidente, governador ou prefeito precisa unir as pessoas em torno de algumas questões, do interesse comum. Veja que há alucinados até contra a própria saúde.

 

Seguinte: Até Bush conseguiu unir os EUA após o 11 de setembro. Bolsonaro em meio a uma pandemia consegue desunir…

Bordignon – Até Trump ouve a comunidade científica. Bolsonaro adota uma política suicida, irracional. Parece aquele pessoa do Estado Islâmico, um camicase que vai se explodir e quer levar vidas junto. Parece o discurso de Hitler antes do suicídio.

 

Seguinte: O dia seguinte do golpe é o Brasil pária mundial, país de infectados. A história do ‘brasileiro cordato’ é uma mentira para quem vive no Brasil, mas junto à comunidade internacional sempre fomos vistos como um país mediador de conflitos. Hoje somos epicentro da morte e um gerador de conflitos, inclusive com a China, nosso maior parceiro comercial.

Bordignon – Antes da pandemia a economia já ia mal. Agora teremos ainda mais dificuldade de atrair investimentos. Será um sofrimento presente e para futuras gerações.

 

Seguinte: Para não dizer que não falei de flores: explique para o leitor o que é o #juntos, movimento semelhante ao #somos70porcento, puxado por Eduardo Moreira, meu candidato a presidente do Brasil.

Bordignon – A Rosane (Bordignon) gosta muito dele (Eduardo Moreira). O #juntos, ou o #somos70por cento representam os brasileiros democratas, que buscam o bom senso, o respeito a valores fundamentais da civilização. Aplique isso em 200 milhões de brasileiros e mensure a força dessa mensagem. São as pesquisas que quantificam esses 70%. Quando vi o manifesto, pensei: “precisamos trazer isso para Gravataí”. Tenho procurado, dentro do distanciamento social, pedir assinaturas para nossa comunidade, políticos, empresários, jornalistas que são defensores dos direitos civis como você… É uma unidade pela paz, pelo bem comum, não importa se você é de esquerda, de centro ou de direita. Somos irmãos nesse planeta. É uma pena termos que discutir democracia em meio a uma tragédia sanitária e econômica. Infelizmente, precisamos.

 

Seguinte: Uma consequência da pandemia é a morte do discurso do ‘estado mínimo’, não? Vou além: sem um projeto universal de renda mínima, a economia para, principalmente em países desiguais como o Brasil.

Bordignon – Essa é a grande discussão do ‘pós-pandemia’. Não é razoável que com toda tecnologia acumulada ainda tenhamos humanos sem ter o que comer. A renda mínima funciona. Prova o impacto na economia quando 50 milhões de brasileiros se tornaram consumidores com o Bolsa Família. Parece-me que chega ao fim a era do ‘homem lobo do homem’. Nossa luta é pelo estado de bem-estar social.

 

Seguinte: Como avalias a condução do prefeito Marco Alba na pandemia?

Bordignon – Errática. Tomou medidas corretas no começo, mas depois recuou. A pressão é grande, entendo, mas avalio que cedeu demais. A inauguração da Havan talvez sirva como símbolo: o prefeito é o exemplo para a cidade, não pode aparecer em uma aglomeração sem máscara. Não duvido da boa intenção dele, mas cometeu erros de avaliação e sucumbiu a pressões. Gostaria de deixar uma mensagem final…

 

Seguinte: Por favor.

Bordignon – Otimismo e esperança. Como no livro de Dom Pedro Casaldáliga, “creio na justiça e esperança”.

 

Seguinte: É de Casaldáliga a frase “na dúvida, fique ao lado dos pobres”.

Bordignon – Sobre isso, não tenho nenhuma dúvida.

 

LEIA TAMBÉM

EM VÍDEO: A esperança do Bordignon

 

O #JUNTOS

MANIFESTO ESTAMOS JUNTOS

Somos cidadãs, cidadãos, empresas, organizações e instituições brasileiras e fazemos parte da maioria que defende a vida, a liberdade e a democracia.

Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país.

Somos a maioria de brasileiras e brasileiros que apoia a independência dos poderes da República e clamamos que lideranças partidárias, prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores, procuradores e juízes assumam a responsabilidade de unir a pátria e resgatar nossa identidade como nação.

Somos mais de dois terços da população do Brasil e invocamos que partidos, seus líderes e candidatos agora deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de país.

Somos muitos, estamos juntos, e formamos uma frente ampla e diversa, suprapartidária, que valoriza a política e trabalha para que a sociedade responda de maneira mais madura, consciente e eficaz aos crimes e desmandos de qualquer governo.

Como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia.

Defendemos uma administração pública reverente à Constituição, audaz no combate à corrupção e à desigualdade, verdadeiramente comprometida com a educação, a segurança e a saúde da população. Defendemos um país mais desenvolvido, mais feliz e mais justo.

Temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos dos mesmos princípios éticos e democráticos. Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança.

Vamos #JUNTOS sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro.

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