— Mas isso é pra tu ver, Neiva, é o que eu sempre digo: tem gente que não sabe dar valor as coisas.
— Pois eu não sei? Isso é o que mais tem no mundo, gente que não quer nada com nada. Ontem mesmo a filha do meu cunhado tava reclamando do filho mais novo dela, que tá lá, não quer saber de nada, não ouve nada do que a mãe dele ou o pai dele fala, só dá trabalho. Mas também, é um guri que sempre teve tudo na mão, nunca precisou correr atrás.
— Ah, pois é, mas é bem isso que acontece. É bem dessa juventude que não quer saber de nada.
— É, mas é o que eu disse pra ela: “a culpada disso foi tu mesma, porque não soube educar enquanto tinha tempo”. Fica dando liberdade, fazendo as vontades, aí dá nisso. Agora, pra ela tentar consertar, vai ser difícil.
Nesse momento, Luís, o rapaz que era o foco da conversa, tentava defender mais uma vez sua escolha de entrar em um curso de Gastronomia, perante seus pais, que insistiam em um curso “mais útil”. Ele sempre adorara a cozinha, mas a mãe nunca lhe ensinou nada, pois a obrigação de saber cozinhar era de sua irmã mais velha. Ele apenas precisava saber assar churrasco, e já era suficiente.
— Mas esse é problema dos pais hoje em dia. Eles nunca ouvem a gente enquanto é tempo, acham que já sabem de tudo. Aí não adianta a gente ficar falando. Tu não vê o caso do colega da minha filha? Faz tempo que ele comenta do filho dele, que é um preguiçoso, que não quer fazer nada. Ela dizia pra ele, “Jéferson, cuidado, tu tem que tomar as rédeas desse teu filho! Desse jeito, daqui a pouco tu perde o controle, e aí, em vez de tu mandar nele, ele é que vai começar a mandar em ti”. Adiantou? Adiantou nada. Agora o guri tá lá, vai cada vez pior no colégio, só quer saber de jogar, quase nem sai de casa.
— Mas e esses pais, nunca fizeram nada?
— Ah, mas ele dizia que não podia ser tão severo, que não é assim que tem que ser, que não sei o quê.
Agora o guri faz tudo o que quer. A minha filha conta cada coisa que tu nem acredita. Ela diz que ele chega a virar a madrugada na frente do computador, jogando. Um dia, a mãe entrou no quarto dele de manhã, e ele tava atirado em cima da mesinha, dormindo. Diz que não aguentou.
— Mas que barbaridade!
— Pois então. Cada vez que eu encontro ela, ela me conta uma coisa mais absurda que a outra. Eu só fico pensando, a falta que faz um bom laço, né? Tanto ficam falando que os pais agora não podem nem encostar nos filhos que é “crime”, aí dá nisso.
Ainda demoraria alguns anos até que o filho de Jéferson fosse diagnosticado com depressão.
— É, são essas “modernidades” que eu nunca vou entender, Dulce.
— Mas e que modernidade é essa? Cada dia que passa, parece que as coisas ficam cada vez piores. Vai ver se tinha esse tipo de coisa no nosso tempo? Não tinha.
— Mas é o que eu sempre digo! É só tu ver o caso a neta mais nova da Vera. Os pais sempre foram nessa de fazer as vontades, de não contrariar, e vestem a menina como se fosse um gurizinho! Tu olha de longe e não sabe se é guri ou guria. Eu digo pra ela, “mas, Vera, tu acha que tem cabimento? Onde é que esses pais tão com a cabeça?” Aí ela só disfarça, “é, não sei quê”. Eu só imagino o que devem pegar no pé dessa criança no colégio.
— Mas a criança não tem culpa, né?
— Lógico que não! Aí eu te pergunto, o que é que a gente faz com pais que nem esses?
Nesse momento, a pequena Joana, de 9 anos, não via a hora de voltar às aulas para encontrar seus amigos de colégio.
— Eu nem sei, Neiva, eu nem sei. Eu só sei que, nesses casos, eu até evito comentar. Tem pais que tu vê fazer cada absurdo, e aí, se tu comenta alguma coisa, eles se ofendem, e tu é que passa por ruim ainda. Mas isso é porque eles não querem ver, são um bando de acomodados que não querem se dar o trabalho de nada. Imagina se, no nosso tempo, isso ia acontecer?
— Ah, pois é! Pois é. Bom, pra minha filha, eu já avisei: “eu não te criei pra tu fazer uma coisa dessas com os teus filhos. Vê se cria eles direito”. Pelo visto ela entendeu o recado, porque, do meu neto, eu nunca ouvi nenhum problema.
Suzana, no espelho, tentava disfarçar a marca do tapa que ela levara de seu namorado, neto de Neiva, na noite anterior.
— E o teu filho, tá solteiro ainda?
— … ah, ele tá, no momento. Ele diz que tá bem por enquanto. Mas é aquela coisa: ele disse que teve um azar tremendo com as últimas namoradas dele, que só arrumavam problema. Então é o que eu digo: antes só do que mal acompanhado.
— É, bom, isso é. Mas é bom tomar cuidado, pra não terminar que nem o meu sobrinho, o Diego. Só queria saber de viagem, bateu perna por aí, gastou, e agora tá lá, sozinho, ele e os cachorros. Aí eu te pergunto: adiantou de alguma esse monte de viagem, pra terminar desse jeito?
Naquele dia, Diego acordara cansado, após ter passado a noite batendo papo, compartilhando histórias e divertindo-se com seus amigos; e ele ainda tinha que fazer os preparativos para o sarau literário que ele ajudava a organizar mensalmente. No meio de tantas coisas para fazer, ele teria de arranjar algum tempo.
— Que coisa bem triste, isso, né? A pessoa sozinha, assim, sem ninguém na vida.
— Ai, nem me fala. E ele ainda vem com aquela conversa de que não tem interesse em ter filhos. O que se vê de gente hoje dizendo isso. Mas ora! Se Deus nos deu o dom da procriação, quem somos nós pra contrariar a natureza desse jeito? Eu vou te contar, o ser humano tá cada vez mais perdido, mesmo.
— É uma coisa sem cabimento.
— Se bem que, se for pra ter um filho que nem o meu mais novo, também é brabo, vou te contar…
— O que foi que houve, dessa vez?
— Ah, tu acredita que ele acabou desistindo de vir pra cá nas férias dele?
— Ué? Mas ele explicou por quê?
— Que nada. Enrolou, enrolou, mas no fim não deu um motivo. Com certeza isso aí foi coisa daquela mulher dele. É um pau mandado, mesmo. Nem pra ter voz ativa com a mulher, aquele lá serve, eu nunca vi coisa igual. Eu sei, é meu filho, mas Deus que me perdoe.
— Mas tem mulher que é assim mesmo, Dulce, infelizmente.
Em seu íntimo, Sandra, nora de Dulce, estava aliviada que seu marido decidira não visitar a mãe naquele ano, e em vez disso fazer algum passeio a dois, ou até mesmo ficar em casa. Era cada vez mais difícil para ela lidar com a negatividade e a hostilidade da sogra, e ele percebera que não adiantava tentar resolver a situação. As tentativas eram sempre infrutíferas.
— E aí, é o que eu te disse: se tu tenta falar alguma coisa, dar uma opinião, tu ainda passa por ruim. Se o meu filho tá nessa, não foi por falta de aviso.
— Fazer o que, né? E a gente ainda sofre por eles.
— Ah, e como sofre! Mas parece que não adianta.
— E o mundo parece que tá cada vez pior, Dulce.
— Nem me fala! Nem me fala.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Suzana decidiu buscar ajuda. As flores dos jardins ergueram-se um pouco em direção ao céu.