opinião

O que levou Marco Alba a anunciar abertura de empresas; o ’crime’

Despacho da Procuradoria Geral de Justiça recomenda cumprir calendário do governo estadual ou apresentar justificativas sanitárias

Está em cima da mesa do prefeito Marco Alba ‘recomendação’ do Ministério Público estadual para adequar o isolamento social de Gravataí ao Decreto 55.154, publicado em 1º de abril pelo governador Eduardo Leite, com as datas de reabertura do comércio dia 16 e a volta às aulas dia 30 de abril.

A adequação foi publicada na tarde desta segunda no Diário Oficial de Gravataí e você lê as proibições e obrigações para liberações clicando aqui.

Uso as aspas por que de ‘recomendação’ a ameaça do MP não tem nada. No inciso III do despacho a que o Seguinte: teve acesso o procurador-geral de Justiça do RS Fabiano Dallazen alerta que “eventual descumprimento das medidas determinadas no Decreto 55.144/2020 poderá ensejar a responsabilização do gestor municipal por crime de responsabilidade, conforme previsão expressa no Decreto 201/67”.

Usando como exemplo a história recente da aldeia, o Decreto 201 é aquele publicado em 1967 por Castello Branco, um dos articuladores do golpe militar de 64 que o fez ditador Castello Branco, e documento usado para legalizar o golpeachment que cassou a prefeita Rita Sanco e o vice Cristiano Kingeski, em 2011.

A ‘recomendação’ do MP faz a ressalva de que a municipalidade, ou seja, a Prefeitura, “havendo o interesse local, somente poderá ser mais restritiva que a mencionada legislação estadual”. Só que a restrição maior “deverá estar embasada por uma norma sanitária”.

Traduzindo do juridiquês, se o prefeito decretar uma quarentena maior que o governador, será responsável por provar com laudos sanitários a necessidade da medida, caso seja processado pelo Ministério Público ou por algum comerciante – para dar um rosto, o vendedor de carros usados Vilmar Mattos, um dos puxadores das ‘carreatas da morte’, por exemplo.

Marco Alba chamou uma reuniu na tarde desta segunda não para demitir o secretário da Saúde Jean Torman, como ao que tudo indica está fazendo o presidente Jair Bolsonaro com o ministro Luiz Henrique Mandetta, mas para pedir suporte à equipe técnica do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus para analisar a curva do vírus e preparar até o fim da semana um estudo que demonstre se Gravataí deve contrariar o decreto estadual e estender o isolamento por mais tempo.

– A análise agora é minuto a minuto – explica o prefeito, consciente dos alertas do Ministério da Saúde de que o pico do contágio acontece entre 6 e 21 de abril, além de preocupantes previsões de que o Rio Grande do Sul pode ter uma onda mais forte de internações no inverno.

– Se for necessário, mudo a data. Se a infecção pela COVID-19 apresentar crescimento exponencial, nem o sistema de saúde de Gravataí não tem condições de tratamento, da mesma forma que não tem a Itália ou os estados Unidos – admite, já na contagem regressiva para o SUS colapsar.

Ok, mas se o prefeito não é favorável ao ‘liberou geral’ –  da mesma forma que 85,5% da população, conforme levantamento produzido pelo Seguinte:/Studio Pesquisas entre os dias 25 e 30 de março, e você acessa em EXCLUSIVO | Pesquisa mostra que Gravataí aprova o ’fecha tudo’ de Marco Alba – por que liberou a retomada da construção civil para esta terça, 7, e a indústria dia 13?

A quarentena para a construção civil e indústria tinham sido uma ‘invenção’ de Gravataí, repetida apenas em Porto Alegre e Caxias. Cachoeirinha, por exemplo, manteve o funcionamento, respeitando as normas sanitárias, conforme decreto estadual.

– Não é motivo para pânico. Para os mais frágeis à crise econômica, que são os operários da construção civil, é possível manter normas sanitárias adequadas. Os grandes da indústria já têm protocolos rígidos, o que facilita a aplicação das novas medidas de proteção e higienização necessárias. Não tenho dúvidas que uma DANA, por exemplo, será um lugar seguro – argumenta o prefeito.

O que tu achou?, é a pergunta que mais ouço de interessados realmente, mas também de interessados do mal, pelo telefone, em áudio ou mensagens nas redes sociais, desde a live de Marco Alba na tarde do domingo.

Primeiro, não sou profissional do achismo. Procuro me orientar pela ciência, ouvir especialistas e usar dados oficiais. Tenho estudado muito a pandemia para não escrever bobagens. Vamos a alguns fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos.

O mundo atingiu 1,3 milhão de casos nesta segunda.

Se levamos 3 meses para chegar aos 100 mil casos, abril começa passando do milhão, com 100 mil confirmações por dia e o potencial de chegar a 200 mil até o fim do mês.

De acordo com levantamento da universidade Johns Hopkings, em atualização das 14h (de Brasília), o número de mortos em decorrência de complicações da COVID-19 era de 73.703 mortes e 1.324.907 casos de contágio no planeta. Mais de 275 mil se recuperaram.

O Ministério da Saúde também atualizou os números da pandemia no Brasil na tarde desta segunda-feira. Até as 14h eram 12.056 casos e 553 mortes confirmadas. Foram 67 mortes e 926 novos casos nas últimas 24 horas.

O Rio Grande do Sul tem 481 casos e sete óbitos. Gravataí chegou à marca dos 10 casos e, entre 95 notificações, 11 aguardam o resultado do teste. Não há mortes comprovadas.

A chamada ‘taxa de letalidade’ brasileira, calculada com o percentual de mortos entre todos casos confirmados, está em 4,6%.

Como o Brasil testa quase que somente pacientes que procuram as emergências apresentando dificuldade respiratória, e contabiliza nas estatísticas como mortes por COVID-19 apenas pacientes submetidos à testagem, e os resultados demoram entre 10 e 15 dias, especialistas recomendam multiplicar os números por 30.

Assim, Gravataí já teria potencialmente 2.850 notificações, 270 casos confirmados de COVID-19 e outros 330 já testados e aguardando o resultado. Se todos apresentassem sintomas agudos, e precisassem ser atendidos na rede de saúde municipal, nem esvaziando o Hospital Dom João Becker, a UPA e o SUE 24H haveria leitos disponíveis – temos 1 leito para cada 1500 pessoas.

De UTI, há 1 leito para cada 23 mil pessoas; respiradores, 1 para cada 11 mil habitantes, já que o hospital de Gravataí não é referência para tratamento da COVID-19 (o são o Clínicas e a Santa Casa, em Porto Alegre, e o Universitário, em Canoas).

Para efeitos de comparação, em épocas ‘normais’ de partos, acidentes, enfartos, AVCs e eteceteras, a taxa média de ocupação dos cerca de 200 leitos e 12 de UTI é de 95% para públicos, e 80% para privados na rede municipal de saúde.

No ‘hospital de campanha’ que começa a ser erguido nesta terça atrás do Hospital Dom João Becker serão 10 leitos, mas nenhum para tratamento intensivo. A estratégia em Gravataí é fazer uma triagem, diagnosticar a suspeita de contágio e manter o paciente estável até abertura de leito de UTI nos hospitais de referência.

Em Gravataí, antes da crise do coronavírus, só escapávamos do 100% de ocupação por 0,3%. Mais: a UTI do Dom João Becker sempre esteve lotada nos últimos 10 anos!

Conforme relatório da Abin, a agência de inteligência brasileira, 10.385 leitos – ou 17,4% dos quase 60 mil disponíveis no país – poderão estar ocupados por doentes com casos graves de COVID-19 até o fim de abril.

Na ‘ideologia dos fatos’, minha resposta é óbvia. Sem torcida ou secação, até porque neste momento beiram a psicopatia os insidiosos do confronto, em vez da união: me preocupa qualquer flexibilização no isolamento social pelo menos até o fim de abril – já que em algum momento inevitavelmente vai acontecer, nem que em um processo de abre-e-fecha medido em internações em UTIs e mortes.

O Brasil não é a China, cujo regime político pode obrigar um lockdown, o fechamento completo de províncias, ou, viva a democracia!, atirar em pessoas nas ruas, como nas Filipinas; e nem temos uma economia saudável que possa sobreviver a meses de confinamento.

Cabe aos técnicos da saúde, mais do nunca, subsidiar Marco Alba para que não arrisque sua biografia associando-se a Eduardo Leite em potencial tragédia, caso a virulência do vírus siga exponencial e o governador não prorrogue a quarentena.

Como já tratei em Parem Gravataí que eu quero descer!; declaro-me Inimigo do Povo, amigo da vida, “fato é que aquilo que o prefeito já decidiu – e ainda vai decidir – sobre o futuro dos 281.519 habitantes de Gravataí carregará por toda a História (com agá maiúsculo) sua assinatura. É a mais alta responsabilidade que uma pessoa pode ter, reconheçamos, no balanço entre ‘cancelamentos’ de CPFs e CNPJs”.

Pela trajetória e perfil, comungo da esperança de que Marco Alba siga não agindo durante a crise com um olho na política e outro nas redes sociais, como o 'homem da casa 58', outsider com 27 anos de política, eleito pelos que odeiam políticos, e desde 1º de janeiro de 2019 só fazendo política, em discurso e inação. E, até onde sei, Osmar Terra, ultimamente mais para 'Trevas', apesar de seu amigo não tem sido seu conselheiro sanitário durante a pandemia. 

Ao fim, espero estar errado, alarmista, e que Gravataí não se torne um epicentro gaúcho da COVID-19. Como já escrevi, aceitarei sorrindo o apelido de ‘Louco da Aldeia’. Infelizmente, os acontecimentos diários, e os bebê, crianças, adultos e idosos circulando por ruas e praças denunciam um longo inverno, literalmente.

 

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